Childish Gambino — 3.15.20

Apesar da estética na superfície ser apática, 3.15.20 é o álbum mais caleidoscópico e eclético de Donald Glover

Victor Silveira
You! Me! Dancing!
3 min readMar 30, 2020

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3.15.20

Childish Gambino

Lançamento: 22/Mar/2020
Ouça: “53.49”, “Algorhythm”, “19.10” e “42.26”
Nota: 8.2
Stream

Desde o sucesso de “This Is America”, todos os olhos se voltaram para Donald Glover. Seja pela mistura interessante de gêneros ou pela mensagem forte que a canção passava, ela criou uma expectativa grandiosa para qualquer coisa que o artista lançasse posteriormente. Em resposta a isso, todo o ciclo que contornou 3.15.20 sai do padrão de divulgação e lançamento de um álbum; seja pelo lançamento por um stream limitado no site do cantor uma semana antes de sair nas plataformas comuns, seja pela estética apática de uma capa completamente branca e músicas com números como nomes.

Juntando esses fatores com os dois anos de espera desde os singles “Feels Like Summer” e a ausente “This Is America”, parece que Gambino está tentando desviar dos holofotes, e do hype que seu nome criou. Pois, no fim, 3.15.20 é tudo que Donald sabe fazer de melhor em sua carreira musical junto e amplificado, desde o lado de rap meio experimental, presente na segunda metade do Because The Internet, até o neo soul de Awaken, My Love. Se por um lado, não possui a crítica social esperada de acordo com os teasers, o álbum se vende pela variedade da tracklist, que vai de beats à la Yeezus até baladas que puxam nostalgia do R&B dos anos 70.

O flerte com essas duas estéticas diferentes, a robótica e a emocional, ao mesmo tempo, resultou em canções que executam a acessibilidade do pop e do R&B moderno de forma exemplar, mas sempre com alguma decisão na mixagem que torna a experiência um pouco mais esquisita e imprevisível. Seja uma bateria perfurante, uma mudança drástica no pitch do vocal ou até uma transição bizarra e abrupta de uma canção para outra.

Em muitos momentos, é difícil contar quantas faixas de instrumentos caminham por uma canção, entrando e saindo como se fossem somente pequenas contribuições pra distorcer qualquer possibilidade que o álbum tem de pender totalmente pra um dos lados da dualidade proposta. São essas pequenas surpresas que renovam a vitalidade do álbum que, mesmo com faixas grandes, passa rápido, pois as músicas evoluem de forma suave e natural até nos momentos mais esquisitos, pois a produção te prepara pra qualquer curva abrupta que o projeto faça.

Mesmo que se venda por um conceito estético que superficialmente é apático, 3.15.20 surpreende em trazer a personalidade criativa de Donald Glover à tona; é um álbum arriscado, que tenta alcançar vários tons ao mesmo tempo, mas que se torna coeso pela sua excentricidade e pelo carisma que o cantor imprime nas letras sarcásticas e subjetivas, apaziguando qualquer suspeita de pretensiosidade que o projeto aparenta ter. E, no fundo, é só um álbum que tenta seguir um caminho por si só, longe de qualquer expectativa que pudessem criar.

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Victor Silveira
You! Me! Dancing!

and then nothing turned itself inside out // jornalismo (uff) // colaborador no you! me! dancing! desde 2018