Foo Fighters — Medicine At Midnight

Não espere bater cabelo. O décimo álbum do Foo Fighters foi feito para dançar

Vinicius Gubert
You! Me! Dancing!
4 min readFeb 19, 2021

--

Medicine At Midnight

Foo Fighters

Ouça: “Cloudspotter”, “Medicine At Midnight” e “No Son Of Mine”
Nota: 8.1
Stream

Isso não é bem uma resenha porque não consigo falar de Foo Fighters sem contar a história mais marcante que tenho com música. Falo sobre no novo álbum ao final.

O ano era 2011, eu tinha 17 anos e recém tinha chegado em Londres para começar a minha vida adulta longe de meus pais. O mês de Julho foi protagonizado pelo iTunes Festival, no Roundhouse, com dois ou três shows por dia e a distribuição dos ingressos era por sorteio. Se sobrasse espaço na casa, o pessoal da fila de espera também poderia entrar. Cada ingresso dava direito a levar acompanhante e por óbvio me candidatei para vários shows e consegui dois ingressos para shows diferentes… e não, não eram do Foo Fighters.

Consegui para os shows do Glasvegas e Cat’s Eyes, White Lies, The Naked and Famous e Alice Gold. Fui sozinho no do Glasvegas e Cat’s Eyes sem conhecer nada das bandas, na onda da experiência, para degustar música em Londres e conhecer um palco super influente para a cena musical de lá.

No dia seguinte aconteceu o show do Foo Fighters e me apeguei ao fato de que o ingresso dava direito a levar acompanhante. Cheguei cedo na fila e perguntei para todo mundo se estavam com acompanhante, na esperança de que alguém estivesse só e aceitasse minha companhia. Ninguém nessa condição, até porque não fui o primeiro a ter essa ideia. Deu uma desanimada, confesso, e me cravei na fila de espera. Fiz amizade na fila, inclusive com o segurança.

A noite se aproximou e o show começou comigo do lado de fora. Estava tão ansioso pelo Foo Fighters que nem fazia questão de assistir o primeiro show da noite, de Jimmy Eat World. Não sei porque cargas d’água não fui para casa. Fiquei por lá conversando com o segurança tentando convencê-lo de liberar minha entrada. Não deu certo. Parecia um dia desperdiçado. Tinha mais ninguém na fila e começou o show do Foo Fighters. Estava ali ouvindo aquele som alto, abafado pelas paredes. Meu subconsciente latejava com a ideia de que brasileiro nunca desiste.

Durante a terceira ou quarta música vi saindo uma galera de dentro do lugar. Era um cara com duas meninas. Ele passou por mim gritando pela rua que estava vendendo o seu crachá de staff. Eu ataquei ele como o Alex ataca o Marty em Madagascar. Perguntei o preço e a resposta foi absurda para a minha realidade: cem libras por um crachá. Aprendi a negociar em questão de segundos, na base da intuição. Eu disse “cara, eu tenho 15 libras aqui, tu só vai sair ganhando”. Ele disse pra gente se encontrar num lugar mais discreto. Medo? Medo, mas fui. Azar.

Foi assim que consegui entrar no show!

Eu tinha acabado de comprar um crachá de staff com permissões de backstage!

E foi um showzão de bater cabelo. Aconteceu de tudo — Dave Grohl expulsou um cara por começar uma briga, além das participações de Brian May e Roger Taylor (Queen), e do falecido Lemmy (Motörhead).

Quando terminou, abusei do crachá de staff. Entrei em tudo que é porta e consegui chegar no lado de fora do camarim. Consegui cumprimentar e agradecer absolutamente todo mundo que tocou, menos o Lemmy e o Dave Grohl. Até me sentei numa mesa de ping-pong que tinha por lá, aproveitando enquanto ninguém me expulsava.

Pediram que eu me retirasse e é assim que se encerra a história do dia que não desisti de entrar num show do Foo Fighters.

Essa história parece não ter relação com o novo disco Medicine At Midnight, mas quando Dave Grohl expulsou o cidadão que começou a brigar durante o show, falou algo tipo “não se vem ao meu show para brigar, se vem para dançar”. E, segundo o próprio Dave, em entrevista com o q on cbc, essa é uma das intenções do álbum — fazer o público dançar.

A expectativa que se tem com os álbuns de Foo Fighters geralmente é pautada nos conhecidos riffs de guitarra, oscilações de tempo, ritmo e intensidade. Assim, Medicine At Midnight causa estranhamento de início, até que nos acostumamos com a ideia de que não vamos bater cabelo de início ao fim. Contudo, esse espaço existe.

O disco é, por vezes, uma provocação, com faixas dançantes como “Making A Fire”, “Cloudspotter” e “Medicine At Midnight”, a qual remete a percussões latinas, solos de Santana e linhas de baixo de Michael Jackson. Em outros momentos se usa da calmaria com “Waiting On A War” e “Chasing Birds” e de riffs mais intensos em “No Son Of Mine” lembrando os riffs de Metalica.

É um álbum eclético dentro das possibilidades da banda, que lança seu 10º disco de estúdio e se permite fazer música que não se pareça com Foo Fighters (apesar de ser inevitável).

Se colocar pra tocar e não suprir as suas expectativas, calma. Dá uma segunda chance. Mexe os pés ao invés de fazer um air guitar ou air drum. A narrativa desse disco é construída no viés da emoção e do momento ainda de pandemia que impossibilita turnês de estádios lotados ou festivais que ensinam, indiretamente, um fã a negociar crachá de staff por pouca grana.

--

--