Grimes — Miss Anthropocene

Experimentalismo e niilismo marcam presença em trilha sonora do fim dos tempos

Leandro Bernardo
You! Me! Dancing!
3 min readMar 3, 2020

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Miss Anthropocene

Grimes

Lançamento: 21/Fev/2020
Ouça:
“Delete Forever”, “Violence”, “4ÆM” e “Darkseid”
Nota:
8,5
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Esqueça Art Angels (2015) e sua energia colorida e pop. O quinto e novo álbum da cantora canadense Grimes, Miss Anthropocene, retoma com força o experimentalismo obscuro e etéreo de Visions (2012), seu terceiro álbum, agora com uma conceituação mais densa e com uma maturidade de uma artista com uma ótima bagagem referencial e uma bela (e excêntrica) trajetória na música pop.

Central na narrativa do disco, o sentimento de fim de mundo é intensificado a cada faixa, até “Before The Fever”, que pode ser considerado o clímax dessa derrocada, com a própria morte. Temáticas como suicídio, violência e drogas acompanham o disco a cada trilha. A batida eletrônica, os sintetizadores e muito auto-tune criam uma atmosfera fantasmagórica, soturna, que em algumas faixas misturam-se ao hip-hop, new age, pop melódico e até um pouco de eletrônico industrial, fruto do profundo conhecimento e pesquisa da artista. No entanto, o disco não soa extremamente melancólico, mas agressivo, atento, e desiludido. Não há tristeza, só há desesperança, em um fim de mundo cyberpunk e perdido, em que não se há salvação.

Apenas em “Delete Forever” é que essa melancolia está mais presente, com um som mais acústico, com violão e o banjo acompanhando a voz sem distorção e uma batida mais crua, a faixa menos “Grimes” e mais tradicional do disco. Ela também destoa um pouco da temática das outras faixas por esse sentimento mais preocupado e melancólico, enquanto as outras possuem uma temática mais niilista e, como o próprio trocadilho do nome do álbum mostra, mais misantrópica [aversão ao ser humano e à natureza humana].

Outro ponto interessante de destaque é como a última faixa do álbum, “IDORU” (algo como uma corruptela para “I Adore You” [“Eu adoro você”, em tradução livre]) fecha o disco com um som mais enérgico, de amor, para, no fim de todo esse niilismo atravessado, mostrar que há um pouco de esperança pelo menos. É uma música de amor, apenas isso, e é desse modo que toda a melancolia e complexidade musical e conceitual finaliza, terminando a experiência do disco com uma sensação agradável e prazerosa. A faixa bônus, “We Appreciate Power”, com a cantora norte-americana Hana, foi a primeira música lançada após seu último álbum, e entra como um pop intenso e futurístico, com diversas referências a inteligência artificial, como uma boa faixa cyberpunk.

Por fim, o álbum poderia ser facilmente a trilha sonora do fim dos tempos, e Grimes ressalta cada vez mais como uma das artistas mais interessantes e experimentais do pop dos últimos tempos. Após 5 anos de espera, Miss Anthropocene mostra mais uma vez a versatilidade e a capacidade de inovação da cantora canadense, e só desagrada porque — diferentemente da sociedade — ele acaba rápido.

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Leandro Bernardo
You! Me! Dancing!

Jornalista, Designer, e o que for necessário. Adoro falar de música, game design, política, e o que estiver em alta no momento.