Kanye West — Donda

Absurdamente caótico e megalomaníaco, Donda é o clímax do arco de redenção de Kanye West

Victor Silveira
You! Me! Dancing!
4 min readSep 15, 2021

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Donda

Kanye West

Ouça: “Jesus Lord”, “Pure Souls” e “Off The Grid”
Nota: 8.2
Stream

Todo álbum do Kanye West tem algo muito particular, que o distingue não só dos outros de sua discografia, como de todos os outros do hip hop em geral. Nos últimos anos, essa distinção pode até não ter vindo de forma muito positiva, mas é inegável que quando você escuta um projeto dele, alguma coisa de diferente do que está sendo feito no gênero vai acontecer. E nesse sentido, a tendência dos últimos álbuns tem sido de que tudo fica cada vez mais caótico, seja no rollout desses projetos ou na sonoridade em si, e Donda é a epítome disso.

Não só isso, mas também parece ser a junção de vários momentos na carreira do rapper: é a fragilidade do 808’s and Heartbreak, a instabilidade do The Life Of Pablo, a megalomania de My Beautiful Dark Twisted Fantasy e o teor religioso de Jesus Is King (só que feito da forma certa dessa vez). Ele foi apresentado em listening parties antes de ser lançado, mas isso não é novidade pro Kanye. A diferença é que foram 4 listening parties, sendo 3 em estádios, e o álbum foi entrando em metamorfose ao longo das audições. Nesse sentido, mesmo puxando de tantos discos, o álbum cria uma personalidade própria ao desconstruir convenções do hip hop atual.

Por exemplo, boa parte das músicas da primeira metade podem ser classificadas como derivações de trap, só que sempre faltando um hi hat, snare ou qualquer outro elemento que classifica essas canções como trap. Essa escolha pode ser estranha pros desavisados, como a maioria das escolhas do Kanye são de primeira, mas isso cria um espaço na sonoridade dos beats que, aliado aos elementos de música gospel como órgãos, corais e pianos, dão um tom funesto e ameaçador em certas partes, e reflexivo e intimista em outros. Essa dualidade é um ponto central no álbum, que pode ser basicamente dividido em duas partes que representam esses dois lados, antes e depois de “Heaven And Hell”.

Mesmo que você tenha esse conceito definido na hora de escutar Donda, ainda é fácil encontrar algumas inconstâncias na tracklist e algumas partes que não são refinadas o suficiente, o que mostra que, mesmo com tantos adiamentos, o projeto ainda deveria ter passado por um tratamento de mais uns dias, pelo menos. Além disso, mesmo tirando as “Pt. 2” bônus, o álbum tem 23 faixas, com algumas que são desnecessárias não só para a narrativa que ele tenta contar, mas também são desinteressantes no geral.

Mas ok, isso tudo faz parte de seu desenvolvimento caótico, e por outro lado esse processo também trouxe pontos positivos. A variedade de feats em Donda é enorme, trazendo velhos conhecidos como Jay Z, Travis Scott e Kid Cudi, e apostando em novos talentos como Fivio Foreign, Baby Keem e Vory. A grande maioria dessas adiciona novas camadas para o álbum, com relatos pessoais e sobre a relação com o divino desses artistas. Destaque para o verso do Jay Electronica em “Jesus Lord”, que provavelmente é o melhor de todo o álbum.

E feats espetaculares, tracklists oscilantes e rollouts conturbados não são nenhuma novidade em álbuns do Kanye, assim como as listening parties. Outro fator que também se repete com Donda é a recepção do público e da crítica, que ficou bem dividida, como em todo álbum desde Yeezus. Se esse disco vai ser reavaliado daqui a alguns anos não dá pra saber, mas assim como todos esses álbuns, ele também trouxe ideias que abrem novas portas para o gênero, e só daqui alguns anos poderemos ver seu legado.

Ah, e é claro, “todos esses álbuns” menos Jesus Is King, esse é ruim pra porra mesmo. E o maior triunfo de Donda é fazer do jeito certo o que aquele álbum falhou miseravelmente em fazer, que é misturar toda essa inspiração na fé em algo mais pessoal e sincero, aproximando mais o ouvinte. É a redenção que o Kanye precisava, pelo menos aos ouvidos do público.

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Victor Silveira
You! Me! Dancing!

and then nothing turned itself inside out // jornalismo (uff) // colaborador no you! me! dancing! desde 2018