Kesha — High Road

Mesmo com mais baixos do que altos, High Road traz à vida alguns dos momentos mais genuínos da carreira de Kesha, nos fazendo lembrar porque gostamos tanto dela

Jorge Fofano Junior
You! Me! Dancing!
3 min readFeb 10, 2020

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High Road

Kesha

Lançamento: 31/Jan/2020
Ouça: “Shadow”, “Cowboy Blues” e “Resentment”
Nota: 5.0
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Como de praxe, no final de janeiro ocorre a cerimônia do Grammy, o prêmio mais cobiçado da indústria fonográfica. Entremeio disputas acaloradas em redes sociais levadas às últimas consequências por exércitos de fãs e critérios de seleção discutíveis, o Grammy 2020 resolveu jogar com o simbolismo de uma nova década e coroou a ascensão de Billie Eilish, o rosto e coração da geração Z. Os louros da vitória de Eilish representam o cume das mudanças que a música pop, no que tange sua forma de consumo, distribuição, etc., tem passado nos últimos três, quatro anos, mas, sobretudo, colocam a última pá de cal na antiga versão do gênero. Se os anos de juventude millenial estão enfim findos, cabe aos antigos ídolos se reposicionarem numa nova paisagem musical metamórfica. É com esse desafio que chega High Road, o quarto álbum de estúdio da Kesha.

Com o novo trabalho, Kesha procura sincronizar as novidades sonoras trazidas em Rainbow (2017) com a musicalidade eufórica do seu antigo eu, a Kesha com cifrão. Nesse jogo, a artista parece acertar mais quando dá continuidade ao que foi entregue no álbum passado. Quase-baladas como “Shadow”, “Father Daughter Dance”, “Resentment”, “Cowboy Blues” e “Chasing Thunder” são momentos genuinamente bons do disco, com entregas vocais límpidas, mas ríspidas que obedecem a um crescendo. Através delas, Kesha visita velhos lugares de seu passado, pintados por dor, solidão e angústia, na finalidade de marcar o ponto de referência do início de sua travessia para o lugar presente, onde sua liberdade pessoal, leve e solar, se encontra. São esses os momentos do disco em que Kesha resplandece vivacidade, ritualizando o renascimento de sua singular áurea feroz sob uma nova roupagem, é verdade, mas que não é, de maneira alguma, menos intensa.

Contudo, como dito, High Road também expõe uma tentativa de reaproximação do pop-mais-pista da cantora, porém sem a mesma eficácia desempenhada há 10 anos: o problema é que essa parte do álbum integra a sua maioria. São recortes que vão do EDM ao trap numa produção que mais rememora o pior do pop genérico a que todos se familiarizaram na década passada do que, efetivamente, uma releitura cabida e inteligente de seu antigo catálogo (destaque negativíssimo para a inclassificável “Potato Song (Cuz I Want To)”). Essa sonoridade é algo um tanto quanto frustrante, já que as letras que compõem o esqueleto dessa porção do álbum são muitas das vezes hilárias, no ressurgimento de um outro traço muito conhecido da cantora. No acerto mais discreto dessa face do trabalho, não por um acaso, é a divertidíssima “Kinky”, na qual Kesha conversa com seu homônimo Ke$ha em uma referência às Spice Girls.

Há 10 anos Kesha (fka Ke$ha) lançava Animal (2010) com apenas 22 anos, no que é um dos discos mais influentes da história do pop, inaugurando junto com The Fame Monster e mais alguns poucos selecionados, a última era dourada do gênero que cobriu de batidas eufóricas e jovialidade deliciosamente inconsequente os momentos partilhados em pistas de dança por todo o mundo. Ke$ha não só participou, como foi, de certo modo, o próprio zeitgeist millenial. O tempo passou e hoje “TiK ToK” significa outra coisa para os mais jovens. High Road é turbulento, majoritariamente inconsistente, porém em seus momentos mais cândidos transmite a mensagem de que o que a artista tem é ainda bastante poderoso, selvagem e divertido — como nos velhos tempos.

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Jorge Fofano Junior
You! Me! Dancing!

Químico, estudante de Jornalismo pela ECA-USP e ex-DJ amador da noite paulistana.