King Krule - Man Alive!

Man Alive! é como ver um amigo em depressão lutar contra seus demônios, e vencer

Victor Silveira
You! Me! Dancing!
3 min readMar 5, 2020

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Man Alive!

King Krule

Lançamento: 21/Fev/2020
Ouça:
“Stoned Again”, “Energy Fleets”, “(Don’t Let the Dragon) Draag On” e “Underclass”
Nota: 9.6
Stream

No dia-a-dia, nada do que vivemos ou fazemos passa por uma lógica linear com uma estrutura perfeita. Seja nas relações interpessoais, ou até mesmo nos momentos de vasculhar a mente por respostas pra tentar encaixar as coisas de forma mais simples. É tudo uma bagunça, que aos poucos vamos resignificando até se encaixar em algo confortável. E mesmo que esse equilíbrio seja complexo de se obter, é reconfortante ouvir o Archy/King Krule cantando ‘but don’t forget you’re not alone’, ainda mais depois da tempestade que foi o The OOZ, disco que é um retrato cruel dessa confusão.

O grande problema do The OOZ era que ele partia de uma narrativa muito única e específica, regada em metáforas, jazz e nicotina, que só bate com um público específico que se dispõe a insistir em assumir seus personagens; o mergulhador abandonado, o astronauta solitário, o parasita. E o grande trunfo de Man Alive! é que ele sintetiza essas emoções de forma mais palatável, expandindo a paleta de gêneros, reduzindo o tamanho das canções e florescendo seus arranjos, o que oferece resultados mais otimistas em comparação ao trabalho anterior do Archy.

Não que seja lá muito otimista, mas o contraste entre o início do álbum, extremamente catártico e verborrágico, carregado por uma energia semelhante ao post punk do início da carreira do Nick Cave, e a redenção que Archy encontra perto do final é um dos arcos narrativos musicais mais satisfatórios dos últimos tempos. A filha do compositor nasceu no meio do período de gravação, e o tom mais sublime do meio pro final do álbum traz essa mudança de forma etérea, com um requinte bem puxado da bossa nova, trazendo um respiro necessário e impactante pra quem acompanha a carreira do King Krule, e se apaixonou pelo artista no 6 Feet Beneath The Moon. Traz familiaridade com aquela estética, mas de forma muito mais madura. Os samples de carros, aviões, chuva e ligações telefônicas, por exemplo, deixam a atmosfera urbana do álbum mais tangível, e a falta de refrões ou estruturas mais convencionais se assemelha a uma colagem de ideias que casam perfeitamente, tornando tudo mais humano.

Man Alive! é a reconstrução de um homem em pedaços, que nem parece estar totalmente reconstruído assim, mas é um retrato perfeito do que é o processo para chegar lá. Ainda é muito abstrato e denso, mas parece aberto a mudanças. Sabendo das fortes relações dos fãs com seu trabalho, é como se o Archy tivesse saído do buraco onde ele se encontrava no The OOZ, mas ao invés de diretamente fazer um álbum onde tudo é um conto de fadas, ele voltasse no buraco e resgatasse cada um que se perdeu por lá. É a luz no fim do túnel, mas não exatamente o final ainda.

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Victor Silveira
You! Me! Dancing!

and then nothing turned itself inside out // jornalismo (uff) // colaborador no you! me! dancing! desde 2018