Letrux — Letrux Aos Prantos

Cansada do fogo e do climão, Letrux se permite imergir nas águas do mar do choro e do deboche e nos presenteia com mais uma obra-prima

Bárbarah Alves
You! Me! Dancing!
3 min readMar 23, 2020

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Letrux Aos Prantos

Letrux

Lançamento: 13/Mar/2020
Ouça: “Déjà-Vu Frenesi”, “Abalos Sísmicos” e “Esse Filme Que Passou Foi Bom”
Nota: 9.8
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Três anos após o aclamadíssimo Letrux Em Noite De Climão (2017), a persona-não-persona de Letícia Novaes lança, com apoio da Natura Musical, Letrux Aos Prantos. Em flerte com o existencialismo, com o fluxo de consciência e com a multiplicidade do pranto, a artista carioca nos oferece um álbum complexo: cheio de simbolismos, números e referências pop no som e nas letras.

Pensando em referências, podemos citar sonoramente: Marina Lima, Ney Matogrosso, Cansei de Ser Sexy (que colabora na faixa “Fora Da Foda”, mesmo que uma fração da banda, sob o nome de Lovefoxxx), podemos falar até de Beach House e Angelo Badalamenti (em algumas canções, claro).

Agora, pensando em Letrux Aos Prantos por um viés lírico, Letícia Novaes continua com um perfil quase de criptografia. As composições são poéticas, sem serem cri-cris. Aqui, Letrux (em conjunto com parceiros como Arthur Braganti, Duda Brack, Lucas Vasconcellos e cia.) se joga no mundo do deboche, brinca com ditados populares, com a geração lacração, com o dia-a-dia, com a urbe, com sentimentos antagônicos que resultam no elemento escolhido — naturalmente — para o disco: a água.

E, ainda falando sobre composição, apesar de possuir co-autores, o disco se familiariza excepcionalmente, ao meu ver, com “Balada De Alzira XIII”, da poetisa Hilda Hilst — a qual Letícia já mencionou ter uma relação de apreciação. Em suas duas primeiras estrofes, Hilda expressa um pouco do que é, conceitualmente, o novo trabalho de Letrux:

Existe sempre o mar

sepultando pássaros

renovando soluços

rompendo gestos.

Existe sempre uma partida

começando em ti

tomando forma

e sumindo contigo.

Existe sempre um amigo perdido

um encontro desfeito

e ameaços de pranto na retina.

E mesmo que despedaçado em 13 faixas, Letrux Aos Prantos está nessa referência: no mar citado em “Déjà-Vu Frenesi” e “Salve Poseidon”, na prosa sobre a morte em “Esse Filme Que Passou Foi Bom”, e no fatídico verso-realidade de “Abalos Sísmicos”: ‘Acordei bem, mas o país não colabora’.

O álbum ainda possui participação da Liniker no blues suingado de “Sente O Drama”. Aqui e na faixa “El Día Que No Me Quieras” dá pra sentir a derrapada suave do disco. Na primeira por causa da expectativa criada em uma parceria das cantoras, tendo como arremate algo não tão glorioso; na segunda faixa o deslize é simplesmente pela canção não acompanhar o nível de complexidade das demais companheiras de disco.

No entanto, Letrux Aos Prantos complementa muito bem seu antecessor. Mostra o projeto Letrux em crescimento, como indivíduo, como artista, como banda (e que banda!), como desenvolvedora do audiovisual brasileiro.

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Bárbarah Alves
You! Me! Dancing!

Letras/Audiovisual (UFRN); Bolsista na Rádio Universitária de Natal (88.9 FM); Escritora em @youmedancing;