Marina Sena — Vício Inerente

Menos potente que seu antecessor, Marina Sena lança seu segundo álbum, Vício Inerente — mas que vício é esse?

Bárbarah Alves
You! Me! Dancing!
4 min readMay 3, 2023

--

Vício Inerente

Marina Sena

Ouça: “Dano Sarrada”, “Tudo Pra Amar Você”, “Mande Um Sinal” e “Pra Ficar Comigo”
Nota: 6.8
Stream

Em 27 de abril, o fenômeno mais apaixonante de Taiobeiras (MG), Marina Sena, lançou seu segundo trabalho de estúdio: Vício Inerente. Dois dias antes do lançamento, a Folha de São Paulo divulgou em seu canal do YouTube uma entrevista com Marina. Dos dez minutos de vídeo, um trecho me chamou bastante a atenção e ele vai servir como norte dessa resenha.

“É um outro momento, agora com dinheiro, entendeu? Agora são outros acessos. Agora quando cê tá compondo a música cê tá num carrão, entendeu? Cê não tá mais numa carroça, sabe? Muda. Muda a percepção da vida, muda o jeito que você enxerga a estética, porque antes a estética era outra. Antes eu olhava ao meu redor e era outra estética. Agora eu olho e é isso, né? Prédio.”

Talvez eu esteja entregando minha cabeça de bandeja pros críticos dos críticos com esse texto, mas, infelizmente, o fantasma do segundo disco fez mais uma vítima — por mais que Vício Inerente tenha agradado muita gente. Vou explicar o por quê mais lá pra frente do texto.

Antes, um geral do álbum. Vício Inerente é mais um trabalho da dupla Sena e Rio Branco (Iuri, o produtor e namorado da cantora). Se em De Primeira (2021) existia sons orgânicos — violão, pandeiro, cavaquinho, bateria — , o “de segunda” é o seu oposto: sintetizadores, distorções, beats, pads, auto-tune. São no total doze faixas, entre elas um feat com o rapper Fleezus, e o single escolhido para divulgar o CD, “Tudo Pra Amar Você”. Ah, ia me esquecendo! O álbum saiu pela Sony Music (guarda essa info).

O disco traz uma plástica mais R&B, menos brasilidades. Ainda que tenha ali no meio menções e referências a Caetano Veloso e Marisa Monte. A ela, mais precisamente, na época do Mais (1991): “Fico pensando de noite na cama”, em “Tudo Pra Amar Você”, e na voz de Marina em “Mande um Sinal” — uma bola fora da curva, bonita, perolada. Também há de se mencionar as bases criadas por Iuri Rio Branco, algumas bastante alternativas, à la Radiohead, The King of Limbs (2011), ou até mesmo à la Björk. Uma belezura.

Mas aí vem o contraponto. As letras. É meio difícil acreditar que quem escreveu: “Jeito de quem corre, sofro na estrada / Lindo é o caminho, fé que vai chegar / Um santo que me mostre / Que eu já sou um anjo e vi a minha liberdade”, escreva agora tantos versos e ideias repetidas ao longo de um disco de doze faixas. Claro, a gente sabe que isso, essa simplificação, faz parte do grande vilão no caso Marina Sena (revelo já já).

Vamos voltar pra fala de Marina na Folha de SP. A pergunta trazida pelo repórter Lucas Brêda foi “O que mudou?”. Como resposta, a mineira respondeu isso que transcrevi lá em cima. E, mais pra frente, ela acrescentou: “Eu tô aqui para trabalhar”. Sendo assim, são essas as duas motivações da minha crítica: a estética e o trabalho.

Ao que me parece, o vilão, o vício, o fantasma do segundo disco que pegou Marina Sena, é nada mais, nada menos que o hiperconsumo artístico. A indústria musical. O capital que impede que o orgânico, o regional, seja distribuído numa escala maior, seja mainstream. Lembram da Duda Beat que bombou com Sinto Muito (2018), álbum com referências do brega pernambucano, e que, posteriormente, lançou o Te Amo Lá Fora (2021), mais pasteurizado? Pois é. Não quero, com essa minha fala, demonizar o pop. Ou até mesmo reafirmar o ditado “Ai, preferia quando era underground”. Longe de mim. O meu ponto é o quanto que um artista tem que conceder, por ter o direito de trabalhar e se sustentar na indústria musical?

Continuo admirando e acreditando que Marina Sena traz novos ventos pra esse pop br. Vício Inerente pode não ser tão singular quanto De Primeira, mas agora um público mais amplo vai conhecer Marina Sena, essa artista sublime, e capaz de compor com mais esmero do que foi apresentado aqui. Que esse movimento do segundo disco não a abale — e não vai! Vejam a entrevista pra Folha até o fim. E espero que, como a mesma rascunhou na derradeira “Pra Ficar Comigo”, seu coração não vire cimento, porque tudo (ou quase, até agora) que ela deixou pro tempo é precioso.

OBS: Desculpa a militada, galera.

--

--

Bárbarah Alves
You! Me! Dancing!

Letras/Audiovisual (UFRN); Bolsista na Rádio Universitária de Natal (88.9 FM); Escritora em @youmedancing;