Palm — Nicks and Grazes

Um disco no meio-termo entre o abrasivo e o agradável, sem ser medíocre em momento algum

Giovanni Vellozo
You! Me! Dancing!
3 min readNov 8, 2022

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Nicks and Grazes

Palm

Ouça: “Tumbleboy”, “Mirror Mirror”, “Feathers”, “Parable Lickers”
Nota: 9.0
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Desde os primeiros trabalhos ainda na década passada, o grupo estadunidense Palm trouxe ao combalido cenário do rock uma sonoridade peculiar — um math rock técnico e psicodélico combinado a uma sensibilidade bastante acessível nas melodias vocais e instrumentais — que, acima de tudo, não se conformava em ficar “na mesma” por muito tempo. Do clima mais sombrio, lo-fi e ansioso de Trading Basics (2015) até a explosão pop extravagante e um tanto incoesa de Rock Island (2018), era perceptível a inventividade do conjunto e a sua capacidade de reinvenção dentro da proposta estética. E após uma espera de mais de quatro anos para Nicks and Grazes, lançado no último dia 14, a tendência se confirma, partindo do explorado nos trabalhos anteriores para a construção de um material ainda mais assertivo.

Tal como a capa-analogia, na qual as antigas imagens definidas dos trabalhos anteriores deram lugar a uma aquarelagem colorida abstrata, Nicks and Grazes é um disco fundado na discordância entre os polos mais ásperos e suaves da sonoridade do grupo. Mas longe de um cenário sinistro de embate direto ou de uma proliferação metastática de ideias de ambos os lados, a saída por uma détente ensolarada foi a escolha — e quem ganha, definitivamente, é o ouvinte.

A abertura com “Touch and Go” e o single “Feathers” demonstra facilmente esse caminho. Vocais reverberados amalgamados a guitarras em riffagens angulares em timbres estalados; etéreos sintetizadores junto a uma percussão metálica, quase que industrial. “I heard the rhythm of error / make it up / like a performer / make it up / like I’m devout”, canta docemente Eve Alpert meio a esse caos organizado, no qual o Palm pode até ser errante, mas nunca errático.

Nem mesmo esquecível. Algo um tanto difícil para um trabalho de grupo com tendências à experimentação, Nicks and Grazes consegue ficar na cabeça de uma forma engajante, daquele tipo que faz retornar várias e várias vezes para ver o que ficou e o que passou despercebido. Para além do já estabelecido na estética palmiana, o conjunto traz características que agem como um punctum na imagem caleidoscópica do disco, ferindo o ouvinte na mesma forma que o atraindo novamente.

Os tambores de aço caribenhos — tão presentes já em Rock Island — de “Parable Lickers”. A cacofonia eletrônico-percussiva, ritualística em “Eager Copy” e “Mirror Mirror” e assutadora em “Suffer Dragon”. O groove meio dub (quiçá inspirado pela rítmica brasileira?) da faixa-título. O cheiro caseiro de infância hauntológica em “And Chairs” e um clima praiano e sombrio — “unfathomable” — em “Away Kit”. As harmonias à Animal Collective espalhadas por várias faixas como “On The Sly”, a roqueira “Glen Beige” e a magnífica “Tumbleboy” — maior faixa do álbum em duração e qualidade, sintetizando o que há de melhor no trabalho.

Tal como os discos pregressos, Nicks and Grazes não parece ter sido pensado com a pretensão de ser grandioso — apesar de que, muito provavelmente, isso fosse bastante possível, dada a competência técnica dos envolvidos — e certamente não resvala em uma pasteurização estética. O que se nota, na verdade, é um disco envolvido em uma euforia, jovial no melhor sentido da palavra, como uma espécie de refresco de quem está disposto a experimentar, mas tomado por uma direção bastante clara. Palmas que eles merecem.

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