Sevdaliza — Shabrang

Cantora retorna ao cenário musical criando uma narrativa onírica, em meio às incertezas, e questionando histórias ancestrais e contemporâneas

Larissa Basilio
You! Me! Dancing!
3 min readSep 10, 2020

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Shabrang

Sevdaliza

Lançamento: 28/Ago/2020
Ouça: “Joanna” , “Dormant”, “Gole Bi Goldoon” e “Rhode”
Nota: 9.3
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Aos 33 anos, a cantora e produtora irani-holandesa, Sevdaliza, dá à luz, em 28 de agosto, ao seu segundo álbum de estúdio. O projeto é o primeiro produto lançado pelo selo Twisted Elegance, criado pela própria artista, onde mergulhamos em um ritmo místico e confessional. O álbum possui 15 faixas em seu repertório. Entre elas estão os três singles promocionais — “Joanna”, “Oh My God” e “Lamp Lady”.

Desde o início somos atingidos por uma outra energia. O título do álbum, Shabrang, é um nome que remete a mitologia persa. Em tradução livre, é algo como “raça pura da cor da noite”, Shabrang foi o cavalo do herói Siyâvash — príncipe persa do antigo tempo do Império Aquemênida, que aparece na obra شاهنامه (Épica Dos Reis em persa), uma epopeia, do século XI, escrita pelo poeta persa Ferdusi.

Shabrang remonta uma espécie de cenário onde a linha entre o real e o irreal é tênue. Aqui a melodia a todo momento trabalha na verossimilhança: realidade e sonho disputam a mesma narrativa. Não há como traduzir Shabrang, mas Sevdaliza transformas as multiplicidades de sentido em uma porção de narrativas que tomam forma de cantos épicos. O bem, o mal, mulheres,homens e a raça humana. Tal como o cavalo que conduz o guerreiro através de uma montanha de fogo, a fim de provar sua inocência contra falsas acusações de violência, o álbum carrega o ouvinte para um universo de incertezas.

O projeto segue a linha de Ison, estreia lançada em 2018. Aqui, riffs de piano, sintetizadores noturnos e a batida pesada e quase claustrofóbica, transformam a narrativa em um filme que mesclam o noir com o lynchiano — me perco na primeira faixa, “Joanna”, estou em um sonho? As cordas desta faixa trazem um ambiente literário que remonta a ideia ocidental de هزار و یک شب (As Mil E Uma Noites em persa).

“Lamp Lady”, terceira faixa, inicia o mergulho mais profundo e sensual, questionando sobre amor, escolhas e sorte. Uma lufada de ar em noite quente. O cerne do projeto é a habilidosa voz de Sevdaliza que consegue se adaptar a cada nível, tornando cada canção ainda mais convidativa: o ouvinte é puxado e envolvido, não há mais como escapar. “Darkest Hour” leva o álbum para um destino quase apocalíptico. Um novo momento de revelação, mais sons e uma onda futurista. “Rhode” atinge uma espécie de mundo robótico e caótico que, em alguns momentos, lembra um aspecto de rock industrial. Sevdaliza preocupa-se em oferecer camadas a serem exploradas, novos sons, texturas e movimentos. Vale pontuar que a cantora co-produziu Shabrang com Mucky, produtor que mora na Holanda. Há poucas dissonâncias, o território íntimo ao mesmo tempo que é caótico, sabe onde instalar suas polifonias, tornando o trabalho um registro bastante acertado.

Em uma publicação sobre o álbum, no Instagram, artista escreveu:

“Meu amado Shabrang, você confiou nas grandes mudanças de energia que ocorreram em minha vida. Você me deu sabedoria e visões para explorar e evoluir. Você me ajudou a recuperar minha força espiritual e confiar no curso da luz. E agora, depois de crescer dentro de mim desde os primeiros anos, tenho que deixar você ir”.

Shabrang se destaca não só pela ousadia, mas pela capacidade de tornar a introspecção e as dúvidas em um material que não cai no lugar comum. O álbum é um momento de autoconhecimento explosivo, identificação de temores e dores — é preciso saber o início e o fim de tudo, ciclos e alterações. Shabrang é um processo, como um rito de passagem, ninguém sabe ao certo seu fim — ou o início de um novo caminho.

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