The Avalanches — We Will Always Love You

Terceiro disco do grupo australiano mantém a sequência de bons trabalhos junto a um timaço de colaboradores

Giovanni Vellozo
You! Me! Dancing!
4 min readDec 18, 2020

--

We Will Always Love You

The Avalanches

Lançamento: 11/Dez/2020
Ouça: “Wherever You Go”, “The Divine Chord” e “Born To Lose”
Nota: 8.0
Stream

Os australianos do The Avalanches certamente não foram os primeiros no ramo, mas ajudaram muito a jogar nos holofotes as colagens musicais enquanto elementos centrais de composição no pop. Em seu debut Since I Left You (2000), o uso desses recursos serviu para a construção de uma obra solar, dançante, hipnótica — quase um fluxo de consciência musical para discotecagem. De lá para cá já são 20 anos, e muitos vaporwaves, chillwaves e mash-ups depois, a influência do grupo ainda se mantém firme. Em 2016, depois de mais de uma década sem nenhum lançamento, o grupo lançou o competente Wildflower, já em uma fase baseada em colaborações, especialmente com rappers como Danny Brown e MF DOOM. Já do segundo para o terceiro disco, contudo, a espera foi um pouco menor. No início desse ano, os Avalanches deram sinais em outdoors em Melbourne de que algo estava por vir. Logo vieram os primeiros singles, ainda no primeiro semestre, mas o álbum teve que ser adiado pela pandemia. Finalmente, o trabalho We Will Always Love You foi tornado público na última sexta, dia 11.

Difícil resumir um trabalho de 25 faixas e uma hora e onze minutos de duração — o maior já lançado pelo grupo — em poucas palavras, mas o clichê do disco ser “uma viagem” pode acabar sendo uma boa opção. Uma viagem sideral, a julgar pela capa com a foto distorcida de Ann Druyan, a idealizadora do projeto do disco de ouro da sonda Voyager. E, ainda que dançante, é uma partida melancólica, como é visto na abertura em “Ghost Story”, que consiste em um áudio da cantora Orono (do grupo Superorganism) falando de términos e de uma distância quase intransponível entre cantora e ouvinte.

Falando em Orono, ela é apenas a primeira da miríade de colaborações do trabalho. Reduzidos agora ao duo Robert Chater e Tony Di Blasi, os Avalanches contam em seu turismo astral com participações de universos bizarramente distintos, até desconexos entre si. Por sorte — ou melhor, por competência no trabalho de condução das faixas — o resultado em geral é muito bom, e traz mais fôlego ao disco.

E são vários os destaques. A faixa-título, com um Blood Orange de coração partido, submergindo triunfante de samples de Smokey Robinson e do grupo vocal The Roches. O groove hipnagógico de “The Divine Chord”, com o duo MGMT e a guitarrinha inconfundível de Johnny Marr. Pensando em contrastes, as sombrias “Until Daylight Comes” com Tricky (Massive Attack), e “Music Is The Light” com o japonês Cornelius trazem um clima soturno, enquanto as injeções de ânimo de “We Go On” e “Wherever You Go” grudam fácil na cabeça, a partir da participação de nomes que vão de Mick Jones (The Clash) a Jamiexx e Neneh Cherry. E provando que não vivem de passado, na mezzo-Trap mezzo-Trip Hop “Take Care Of Your Dreaming” os Avalanches trazem as vozes de Denzel Curry e Sampa the Great, sob um onírico vocal do já citado Tricky. Definitivamente, um dos momentos mais impactantes do trabalho.

Além das participações físicas, cantando ou tocando, há de se destacar aquelas que aparecem via amostragem. Samples, no jargão. O single “Interestellar Love”, por exemplo, lança mão da Anteníssima-1 “Eye In The Sky”, do Alan Parsons Project — e se na original, o som limpo da produção monstra de Alan marcava, aqui é o soterramento, distante do sol e do convívio humano, que serve de cama para Leon Bridges brilhar. Por falar no Bridges, ele mesmo é sampleado em “Born To Lose”, uma colagem maravilhosa arquitetada com elementos do minimalista Steve Reich e da balada Moon River na versão de Frank Ocean. O catálogo de sampleados se estende até a nomes como Pat Metheny e Carlinhos Brown — isso, claro, fora aqueles sons não rastreáveis. Definitivamente, nesse sentido, os australianos continuam afiadíssimos. O uso de cross-fades entre as faixas, também típico dos trabalhos anteriores, ajuda a essa imensidão de referências caber em um único lugar de modo mais fluido.

É claro que ser grandioso tem também os seus efeitos colaterais. O brilho de algumas colaborações acaba por ofuscar os momentos isolados dos Avalanches. Algumas perdem sem dúvida na comparação, caso das transições mais curtas que permeiam o trabalho, como “Pink Champagne” e “Song for Barbara Payton”. E parte das colaborações, ainda que não sejam totalmente descartáveis ou mal produzidas (seria até uma blasfêmia dizer isso), brilham menos, como a com Rivers Cuomo (Weezer) e Pink Siifu no single “Running Red Lights”; e “Gold Sky”, com Kurt Vile.

Chegando ao final do ano, justamente quando as listas de melhores álbuns são lançadas nos veículos de música popular, We Will Always Love You é uma grata surpresa. Energético, variado e lotado de boas canções, o novo trabalho do Avalanches é a prova que, quando bem conduzido, o encontro sonoro de mundos diferentes pode render bons frutos. E nada melhor do que gente madura no assunto para fazer isso dar certo.

--

--