A Poluição do Rio Capibaribe e Seus Efeitos Socioambientais
Como o rio aqueles homens são como cães sem plumas
Na paisagem do rio difícil é saber onde começa o rio
Onde a lama começa do rio; onde a terra começa da lama
Onde o homem, onde a pele começa da lama
Onde começa o homem naquele homem.
João Cabral de Melo Neto
O Rio Capibaribe é o coração do estado de Pernambuco. Atravessando 250 km e contando com mais de 72 afluentes, o Capibaribe é fonte de sustento direto para milhares de comunidades pesqueiras de regiões rurais e urbanas pelas quais o rio passa. Além disso, é uma importante reserva de biodiversidade, tendo 90 espécies unicamente presentes em suas margens e águas.
Dentre as cidades cortadas e abastecidas pelo rio, estão Toritama e Santa Cruz, dois importantes polos têxteis e industriais, responsáveis por 14% da produção têxtil de todo o Brasil. É esperado que Toritama, apenas em um dia, produza mais de 2.500 peças de roupas, em especial os jeans. A produção dessas peças é majoritariamente doméstica, ou seja, em pequenas produtoras independentes separadas por toda a cidade e arredores. Infelizmente, tal produção tem um custo alto.
No processo de tingimento de calças jeans, especialmente os de cor mais escura, está envolvido um corante à base de petróleo, a anilina. Esse composto é de difícil manipulação e, por isso, não raramente é descartado de forma inadequada.
É esperado que, diariamente, quase mil litros de efluente contaminado seja despejada diretamente nas águas correntes do rio. Mas o que ocorre à medida que a anilina contamina o rio?
A anilina, de cor escura e menos densa que a água, serve como um pano, cobrindo a superfície do rio. Com isso, dá-se início à um processo chamado de Eutrofização. Com a diminuição da quantidade de luz, os vegetais e algas que moram nas águas do rio morrem. Ao morrer, liberam nutrientes que fazem com que a quantidade de microrganismos e algas na superfície aumente, reiniciando todo o processo.
E de que forma isso impacta a população?
O rio começa a morrer e, com isso, todo o ecossistema dependente dele. Toda a cadeia alimentar se enfraquece, eventualmente diminuindo drasticamente a disponibilidade de peixes e também a saúde de outro ecossistema essencial para a subsistência: o mangue.
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego”. Além disso, “toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário e ao alojamento”.
Juntos, o mangue e a pescaria no Capibaribe são responsáveis pela alimentação, mantimento e trabalho de mais de 5 mil cidadãos apenas na capital pernambucana. A média de renda per capita de um pescador recifense é de apenas 65 reais por familiar. O que acontecerá se diminuirmos ainda mais sua fonte de sustento?
Toritama, por si só, tem um impacto socioambiental previsto de 43 mil pernambucanos. 43 mil pessoas que perderão sua fonte de renda decorrente de um problema evitável, ultrapassado e solucionado com uma melhor fiscalização governamental.
E quem olha por eles quando o governo não olha? O rio Capibaribe conta com a ação de ONGs para o monitoramento e limpeza de suas margens. Um exemplo de sucesso é a ONG Recapibaribe, que conta anualmente com um evento chamado “Há Gosto Pelo Capibaribe”, um dia em que um grupo de pescadores e voluntários se juntam para retirar lixo e indicar as possíveis marés verdes (regiões com crescimento anormal de algas na superfície).
O Capibaribe é o coração não só de um estado, mas o coração de milhões de pernambucanos. O Capibaribe é diversidade, fonte de sustento e patrimônio ambiental. E com isso, não se desistirá dele sem fazer de tudo possível. É de suma importância pressionar as autoridades por melhor fiscalização e tratamento das águas, e assim, melhor qualidade de vida para aqueles que dependem da saúde do rio.
REFERÊNCIAS
Percepção Ambiental e Gestão do Meio Ambiente de Toritama (PE) — estudo da percepção de diferentes atores sociais sobre o rio Capibaribe, UFPE. (Disponível em: http://www.cprh.pe.gov.br/ARQUIVOS_ANEXO/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Franci;2303;20090116.pdf)
José Castello (2006). João Cabral de Melo Neto: o homem sem alma; Diário de tudo.
Rio Capibaribe mesmo poluído é refúgio de 90 espécies de animais, Jornal do Commercio (Disponível em https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/cienciamambiente/noticia/2014/11/09/rio-capibaribe-mesmo-poluido-e-o-refugio-de-90-especies-de-animais-155097.php)
Rio Capibaribe — Recife, Fundação Joaquim Nabuco. (Disponível em http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=215&Itemid=1)
CARACTERIZAÇÃO, BIODEGRADABILIDADE E TRATABILIDADE DO EFLUENTE DE UMA LAVANDERIA INDUSTRIAL, Universidade Federal de Pernambuco. (Disponível em: https://docplayer.com.br/81768518-Universidade-federal-de-pernambuco-centro-de-ciencia-e-tecnologia-departamento-de-engenharia-civil-curso-de-pos-graduacao-dissertacao-de-mestrado.html)
Acumulo de Águas indica poluição no Rio Capibaribe, Portal G1 (Disponível em: http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2014/12/acumulo-de-algas-indica-poluicao-em-trecho-do-rio-capibaribe-no-recife.html)
Pescadores Unidos pela Limpeza do Rio Capibaribe, Folha de Pernambuco. (Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/noticias/cotidiano/2018/08/31/NWS,79732,70,449,NOTICIAS,2190-PESCADORES-UNIDOS-PELA-LIMPEZA-RIO-CAPIBARIBE.aspx)
2ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional do Recife, Prefeitura do Recife (Disponível em: http://transparencia.recife.pe.gov.br/uploads/pdf/II%20Conf%20Munic%20Seguran%C3%A7a%20Alimentar%20e%20Nutricional_fddd18ace59cd8db3ca5dbff66ed6db9.pdf)