Brasil: um retrato do (des)respeito aos Direitos Humanos e a situação das minorias na atualidade

Até 24 de fevereiro de 1932, mulheres eram privadas do direito ao voto no Brasil, um dos mais essenciais no exercício da cidadania e, por conseguinte, um dos direitos fundamentais dos cidadãos. Furtá-lo é ferir aquilo por que advogam os direitos humanos, conforme definição adotada por declarações internacionais amplamente aceitas na Constituição brasileira. No entanto, 87 anos após a instituição do sufrágio universal (o amplo direito ao voto) no Brasil, é seguro afirmar que os direitos humanos, em toda sua extensão, são respeitados aqui?

Posse de Alzira Soriano, primeira prefeita eleita no Brasil; Foto: reprodução/TRE-RN

Segundo a Declaração Universal dos Diretos Humanos, em seu artigo 1°, “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos […]”. Contudo, não são poucos os exemplos que provam que algumas condições de nascença determinam um risco maior de ser acometido (ou acometida) por uma violação de uma garantia constitucional. A extensão desse problema, suas manifestações em números e a forma com que as autoridades vêm tratando a quebra das garantias tidas por direitos inalienáveis da pessoa humana em nosso país podem dizer muito sobre deficiências e, mais importante, sobre como superá-las.

No presente artigo, vamos traçar um retrato dos inúmeros desrespeitos aos direitos humanos no Brasil, através de exemplos de violações em torno das minorias étnico-sociais presentes nos noticiários e contribuindo para situar nosso país nas mais altas posições dos rankings internacionais sobre violações aos direitos humanos. Os eventos citados e as informações colhidas foram as mais recentes possíveis, para delimitá-las ao espaço de tempo que compreende a década de dez do século 21. Ao buscar mapear essa situação, foram amplamente empregadas notícias dos principais veículos de imprensa e artigos da DUDH.

Quem deve temer o quê?

Em 14 de março de 2018, a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, foram executados sumariamente. Embora o crime não esteja completamente elucidado, a participação de milicianos é tida como certa, dado o longo histórico de atividade da vereadora no confronto às milícias e em defesa da população da periferia no Rio de Janeiro. Mulher, negra, LGBT, só para citar alguns dos adjetivos associados à sua personalidade, a morte de Marielle representa perda significativa para os movimentos de que fazia parte, que podem ser sintetizados em uma única palavra: minorias.

Apesar da alcunha sugerir números inexpressivos, a realidade é gritante:

“Conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2017, foram registrados mais de 60 mil casos de violência contra a mulher no país, mas como a taxa de subnotificação do crime é alta, esse número pode chegar até 500 mil casos por ano. Em média, 530 mulheres acionaram a Lei Maria da Penha por dia”.

Como se pode observar, o assassinato e a violação do corpo da mulher tripudia muitos dos direitos elencados na DUDH. O Artigo 3°, por exemplo, menciona o “direito à vida, liberdade e segurança social”, além de se configurarem como crimes tipificados no Código Penal, levantando a importância da Lei Maria da Penha. Porém, não apenas as mulheres estão inseguras em sua vivência social, como também outras minorias, a exemplo da população negra, da comunidade LGBT e dos grupos indígenas, para citar aqueles que estampam diariamente as manchetes de jornais.

Crimes de ódio, crimes que ferem a humanidade

Em 2014, a ONU criou um subgrupo de agências para coordenar a defesa dos direitos da população LGBTI no Brasil. Conforme veiculado pelo Fundo de População das Nações Unidas, segundo dados do Grupo Gay da Bahia, “em 2018 houve 520 crimes contra pessoas LGBTI — números, supõe-se, abaixo da realidade por se tratar de crimes com grande índice de subnotificação, tratados como delitos comuns pela polícia, e não como crimes de ódio”. Assim sendo, temos diante de nós, o iminente problema do ódio e preconceito enraizado contra tudo aquilo que foge do heteronormativo, cuja manifestação principal é a violência (verbal e física), que se fortalece na carência de uma legislação específica que enquadre esse como um crime de ódio específico.

Povos indígenas

Sobre os povos indígenas, que contam com uma declaração específica sobre seus direitos aprovada em Assembleia Geral, as Nações Unidas divulgaram levantamento sobre sua situação, similar e preocupante na maior parte do mundo:

“Onde os dados estatísticos estão disponíveis, há informações claras de que eles [os povos indígenas] estão sendo deixados para trás em todas as frentes, enfrentam desproporcionalmente maiores níveis de pobreza, menor expectativa de vida e piores resultados educacionais”.

O presidente Jair Bolsonaro, em declaração feita em pronunciamento à imprensa em dezembro de 2018 e transcrita pelo El País, disse que “um fazendeiro não pode acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento que vai perder sua fazenda para uma nova terra indígena”. Ao mesmo tempo que transferiu a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas para as mãos do Ministério da Agricultura, liderado por uma integrante da bancada ruralista.

População negra

Por sua vez, a população negra, compondo maioria demográfica brasileira, é vítima de um verdadeiro genocídio de sua juventude, impedindo-a de equiparar-se em expectativa de vida à população branca e tomar parte dos mesmos direitos. Em matéria publicada n’O Estado de S. Paulo:

“O Atlas da Violência 2018, estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública […] apontou que a taxa de homicídios de negros (pretos e pardos) no Brasil foi de 40,2, enquanto a de não negros (brancos, amarelos e indígenas) ficou em 16 para 100 mil habitantes […]. Em um período de uma década, onde mais de meio milhão de pessoas morreram, o relatório mostra que a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%; no mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%”.

É possível, assim, entender o panorama de agressões, discursos de ódio e omissões como uma regra no Brasil. Essa realidade figura no imaginário popular e no inconsciente coletivo daqueles que abrem seus olhos para as causas porque lutam os movimentos sociais minoritários — que, no caso das populações negra e feminina, são minorias por não contarem com a mesma representatividade na tomada de decisão, apesar de serem maioria numérica. Dessa maneira, toda uma cultura de machismo, misoginia, racismo, LGBTfobia e desrespeito aos povos indígenas se instaurou estruturalmente em nosso país, contribuindo para enraizar essa mentalidade de preconceito e violência por gerações.

Conclusão

Mediante os fatos apresentados, a questão das violações aos Direitos Humanos no Brasil pode ser afirmada como estrutural, inerente à nossa formação patriarcal e etnocêntrica. A conjuntura do atual momento, por sua vez, é alarmante, posto que, com a suposta superação de certos paradigmas, como a progressiva inserção da mulher no mercado de trabalho; cada vez mais pessoas de pele negra ocupando lugares de fala e de destaque na mídia e a instituição da união homoafetiva no país, um contingente significativo ainda insiste em se fazer ouvir em um grito de intolerância e preconceito que tem custado muitas vidas.

Ao que se propõem, os Direitos Humanos são marco civilizacional imprescindível no lastreamento das garantias de direitos civis, positivados nas constituições da maioria dos países. Isso posto, conclui-se que não basta figurar na lei, os DH, em seus valores primordiais sobre respeito à vida e às individualidades, devem substituir o torpor da intolerância. Para tanto, é necessário um esforço conjunto entre o poder público, organismos internacionais e a sociedade civil. Com a divulgação e o ensino sistemático desses valores, somente dessa forma poderá se afirmar uma cultura de tolerância e convivência societária pacífica, voltada a respeitar e, acima disso, amar as diferenças, vendo nelas a única constante que se conhece nos seres humanos.

Referências

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BOLSONARO esquece Funai e joga sombra sobre futuro socioambiental do país. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/28/politica/1546015511_662269.html>. Acesso em 14 mar. 2019.

DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS. Disponível em: <https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Declaracao_das_Nacoes_Unidas_sobre_os_Direitos_dos_Povos_Indigenas.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2019.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2019.

POPULAÇÃO LGBTI: direitos e inclusão. Disponível em: <https://brazil.unfpa.org/pt-br/news/populacao-lgbti-direitos-e-inclusao>. Acesso em: 14 mar. 2019

QUEM são e como agem as milícias acusadas de matar Marielle Franco? Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46559926>. Acesso em: 13 mar. 2019.

ONU lembra Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia; veja principais ações no Brasil. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-lembra-dia-internacional-contra-a-homofobia-e-a-transfobia-veja-principais-acoes-no-brasil/>. Acesso em 16 mar. 2019.

TAXA de homicídios de negros é mais do que o dobro da de brancos no País. Disponível em: <https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,taxa-de-homicidios-de-negros-e-mais-do-que-o-dobro-da-de-brancos-no-pais,70002337809>. Acesso em: 15 mar. 2019.

VIOLÊNCIA contra a mulher: cresce o número de feminicídios no Brasil. Disponível em: <http://cpers.com.br/violencia-contra-a-mulher-cresce-o-numero-de-feminicidios-no-brasil/>. Acesso em: 14 mar. 2019.

WORLD is still lagging on indigenous 10 years after historic declaration, UN experts warn. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=21944&LangID=E>. Acesso em: 14 mar. 2019.

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Gustavo Soares Felix Lima
Youth for Human Rights Brasil

International Relations student at the Federal University of Paraíba