Educação para Crianças Refugiadas: a chave para a Inclusão

Ana Carolina Polo
Youth for Human Rights Brasil
7 min readJun 7, 2019

Atualmente, 4 milhões de crianças refugiadas estão fora da escola. Esse número representa mais da metade dos 7,4 milhões de crianças refugiadas em idade escolar ao redor do mundo que, além de enfrentarem uma terrível violência ao deixarem para trás suas casas, ainda enfrentam a realidade da perda de um de seus maiores direitos: o direito à educação, previsto no art. 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), segundo o qual “Todo ser humano tem direito à educação. (…) A educação será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.”

Meninas roinghya leem em escola em campo de refugiados em Bangladesh. Autora: Paula Bronstein

A educação como direito do refugiado

Entre tantas violações, cada dia sem ir à escola representa a perda da oportunidade de desenvolvimento pessoal e integração com a sociedade. Muitos dos campos de refugiados, por exemplo, não possuem estrutura escolar, impedindo as crianças de terem acesso à educação básica, além de impossibilitar que elas exerçam práticas fundamentais da infância, como a convivência, alfabetização e apreensão de valores. Ao serem privadas de ir à escola, a infância dessas crianças acaba comprometida, obrigando-as a enfrentar a realidade cruel da violação de seus direitos.

O novo relatório da ACNUR, intitulado “Turn The Tide: Refugee Education in Crisis” traz o exemplo do campo de refugiados de Nduta, na Tanzânia, onde as aulas são ministradas ao ar livre para cerca de 200 crianças, que sofrem com a exposição à chuva, ao vento e outras complicações. Existem apenas 193 salas de aula permanentes nesse campo para um total de 10.000 crianças, fazendo com que 70% dos estudantes tenham que estudar em condições precárias. As crianças relatam a falta de mesas e carteiras nas salas de aula, além de não possuírem o material básico de estudo. Percebe-se uma lacuna de gênero na questão educacional nesse campo: há apenas uma garota para cada três meninos frequentando a escola, reforçando ainda mais a desigualdade que deveria ser combatida a partir da educação equitativa.

Os direitos dos refugiados são regidos pela Proteção Internacional dos Refugiados, que foi estabelecida na Convenção de 1951 da Organização das Nações Unidas (ONU), garantindo que depois de entrarem em um país, os refugiados tenham direito a carteira de trabalho, moradia, educação, saúde, prática de sua religião e não discriminação. Porém, até mesmo os refugiados que já estão instalados em seu país de destino enfrentam problemas específicos relacionados à educação, como a existência de escolas não certificadas e a falta de aprendizagem da língua local, que impede que se comuniquem com os outros indivíduos e aprendam o conteúdo transmitido, dificultando sua integração na sala de aula e, consequentemente, na sociedade. Porém, essa não deve ser mais uma barreira de acesso à educação; segundo o relatório da ACNUR, ver o fato das crianças não falarem a língua local “como uma razão pela qual eles deveriam ser impedidos de entrar na sala de aula é ignorar a capacidade inata de aprender das crianças”. Além disso, o relatório também considera que o aprendizado da língua “ajuda as crianças refugiadas a se integrarem e fazerem amigos, além de apoiá-las no acesso e sucesso na educação”.

A questão da aprendizagem da língua é extremamente importante no caso dos refugiados, pois é a partir dela que eles serão capazes de adentrar às dinâmicas da nova realidade e, assim, reconstruírem suas vidas. Para que isso se concretize, é essencial que as escolas apresentem uma estrutura suficiente para receber esses alunos, como profissionais capacitados para lidar com suas realidades. Professores que dominem mais de uma língua e psicólogos, por exemplo, representam grandes ferramentas para que essas crianças tenham acesso à educação de qualidade.

A educação como um elemento transformador

A convivência oferecida nos centros de educação configura um elemento chave para que as crianças construam um futuro inclusivo e plural. Quando refugiados têm acesso às escolas, sua presença leva a um processo de desconstrução de preconceitos e ampliação dos horizontes. É a partir de sua presença que suas histórias são contadas e os estereótipos são, aos poucos, desfeitos, fazendo com que esses indivíduos se integrem e passem a se sentir parte da sociedade. Além disso, esse acesso representa, sobretudo, a igualdade de oportunidades.

Considerando a importância do acesso à educação, é essencial que os governos ofereçam o suporte necessário para que essa educação de qualidade seja garantida. Segundo a Organização das Nações Unidas em um comunicado feito à imprensa durante o anúncio do novo Relatório Global de Monitoramento da Educação, “O direito dessas crianças à educação de qualidade, mesmo que cada vez mais reconhecido no papel, é desafiado diariamente em salas de aula e negado por alguns governos” (2018). Por isso, os planos nacionais de educação exercem a importante função de incorporar à realidade nacional as adversidades que os refugiados enfrentam e suas consequências para sua formação educacional e humana, bem como propostas concretas de como fazer com que seus direitos sejam respeitados.

Para que medidas políticas possam ser pensadas e implementadas, a UNESCO (agência da ONU voltada a Educação, a Ciência e a Cultura) realiza anualmente, desde 2011, o Relatório de Monitoramento Global da Educação, que inclui a situação das crianças refugiadas em todo o mundo. Questões como a equidade de gênero na educação e a qualidade da infraestrutura são consideradas neste relatório, direcionando os governos de cada país a pensar formas mais adequadas de melhorar e educação.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), atualmente, um em cada três refugiados vive em nações subdesenvolvidas, o que diminui ainda mais a probabilidade de irem à escola. Isso porque, na maioria das vezes, essas nações já enfrentam dificuldades em garantir o acesso à educação de seus cidadãos, tendo pouca preparação para receber os refugiados e inseri-los no sistema educacional, que apresenta recursos insuficientes para recebê-los da forma adequada. Considerando que esses países abrigam 92% dos refugiados, a ACNUR afirma que “As crianças refugiadas precisam ser incluídas nos sistemas nacionais de educação de seus países de acolhimento — sistemas que sejam regulados, monitorados, financiados e atualizados.”

Situação da educação para crianças refugiadas no Brasil

O Brasil ainda apresenta diversas dificuldades na universalização do ensino para refugiados. O mecanismo do refúgio é regido na legislação brasileira pela Lei n.º 9.474 de 1997, que estabelece o procedimento para a determinação da condição de refugiado, os direitos e deveres dos solicitantes de refúgio e as soluções duradouras para esses indivíduos . Entre esses direitos, está o acesso a todos os serviços do governo, assim como qualquer cidadão brasileiro, incluindo a educação gratuita. Porém, as escolas brasileiras muitas vezes não são informadas sobre os processos legais relacionados aos refugiados e acabam tornando ainda mais burocrático o acesso aos direitos desse grupo. O protocolo provisório, que serve como uma prova da situação migratória, por exemplo, muitas vezes é rejeitado pois não segue os moldes de histórico escolar dos alunos brasileiros, impedindo as crianças refugiadas de acessar os centros de educação. Segundo Vivianne Reis, diretora da ONG IKMR, que buscam promover a conscientização dos direitos das crianças refugiadas no Brasil, “Muitas escolas não sabem que o documento emitido pela Polícia Federal é válido e o rejeitam. Alegam que não tem histórico escolar, por exemplo, e isso vira um obstáculo”.

Outro grande problema apresentado no Brasil é a questão da língua. A maior parte dos refugiados são falantes da língua espanhola ou da língua árabe, que são dois idiomas de menor conhecimento nas instituições brasileiras. Uma vez que o inglês é a segunda língua predominante no ensino básico, a comunicação com os refugiados, tanto por parte dos profissionais quanto por seus colegas, torna-se mais limitada. Por isso, o governo deve incentivar a formação de profissionais em outras línguas, investindo em cursos e ferramentas que permitam uma possibilidade de acolhimento mais efetiva dessas crianças. As instituições de ensino têm um papel fundamental na promoção de políticas públicas inclusivas e no estabelecimento de ações de permanência que permitam que a educação atenda às realidades específicas de cada criança.

Apesar dos desafios apresentados, o Brasil tem caminhado na direção de uma educação igualitária e inclusiva. Em 2015, nosso país foi elogiado pela ONU devido ao trabalho realizado no acolhimento a crianças refugiadas em escolas públicas brasileiras. O número de cursos gratuitos de português para estrangeiros tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, universalizando o acesso à língua portuguesa. Dessa forma, seguindo recomendações da ONU e adaptando-as à realidade nacional, o país vem definindo ações e estratégias para melhorar a qualidade da educação oferecida a crianças e adolescentes.

Não devemos esquecer que a oportunidade de acesso à educação representa para milhares de refugiados uma possibilidade de concretizar seus sonhos. Educar as crianças refugiadas é o caminho para a construção de uma realidade de maior empatia e respeito, além de ser a ferramenta necessária para estimular futuros pensadores e profissionais do mundo. São essas crianças, portanto, a chave para a garantia do exercício dos direitos humanos e que, talvez, se mostrem as responsáveis por fazer com que o refúgio por questões políticas e humanitárias se mostre cada vez menos necessário.

REFERÊNCIAS

ACNUR. Educação de crianças refugiadas em crise. 29 ago 2018. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/2018/08/29/educacao-de-criancas-refugiadas-em-crise/>.

GAZETA DO POVO. Os desafios para inserir refugiados nas escolas brasileiras. 19 set 2018. Disponível em <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/os-desafios-para-inserir-refugiados-nas-escolas-brasileiras-822xhyanr24jnb569n7phgkn1/>.

GOVERNO BRASILEIRO. Ministério da Educação.http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/36831

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Livro apresenta um panorama dos refugiados recebidos pelo Brasil. 26 set 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=31094>.

NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Crianças migrantes e refugiadas do mundo estão sendo excluídas da educação. 21 nov 2018. Disponível em:<https://nacoesunidas.org/criancas-migrantes-e-refugiadas-do-mundo-estao-sendo-excluidas-da-educacao-diz-relatorio/>.

NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>.

UNHCR. TURN THE TIDE REFUGEE EDUCATION IN CRISIS. Disponível em: <https://www.unhcr.org/5b852f8e4.pdf#_ga=2.223435163.1033473553.1558272057-1129859749.1557193915>.

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Ana Carolina Polo
Youth for Human Rights Brasil

Estudante de Relações Internacionais, feminista, apaixonada pelas artes e por projetos de extensão. Acredita que a educação dá voz às pessoas para mudar o mundo