ODS 7 e a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil

Gustavo Soares Felix Lima
Youth for Human Rights Brasil
6 min readJul 17, 2019
Parque eólico em Osório (RS): paisagem comum no Brasil do futuro? (Foto: Bernardo Fiusa/Divulgação)

Em setembro de 2015, na sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, foram estabelecidos pelos chefes de Estado e de Governo novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) globais, parte de uma agenda cujo prazo se estende até 2030 e visa complementar as lacunas deixadas pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em um esforço conjunto para superar desafios e flagelos que se abatem por muitos países, em diversas frentes.

Nesse sentido, iremos aqui nos ater ao programa proposto pelo ODS 7, cuja proposta é “Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todas e todos” (ONU, 2015). Iremos também discutir a prospecção de implementação de políticas públicas e a atuação da sociedade civil organizada nesse esforço, tomando a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil como um referencial para o cumprimento dessa proposta.

ODS 7 — Uma visão geral

Os 17 Objetivos e as 169 metas elencadas pela Agenda 2030 possuem, notadamente, uma multidisciplinaridade característica, que permitem a um só Objetivo: transbordar para uma outra frente da discussão. Exemplo disso, as metas trazidas na esteira do ODS de número 7 transmitem uma dimensão essencialmente social, mas também estão em harmonia com as preocupações de ordem econômica, ambiental e tecnológica:

7.1 Até 2030, assegurar o acesso universal, confiável, moderno e a preços acessíveis a serviços de energia;

7.2 Até 2030, aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética global;

7.3 Até 2030, dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética;

7.a Até 2030, reforçar a cooperação internacional para facilitar o acesso a pesquisa e tecnologias de energia limpa, incluindo energias renováveis, eficiência energética e tecnologias de combustíveis fósseis avançadas e mais limpas, e promover o investimento em infraestrutura de energia e em tecnologias de energia limpa;

7.b Até 2030, expandir a infraestrutura e modernizar a tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis para todos nos países em desenvolvimento, particularmente nos países menos desenvolvidos, nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento e nos países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com seus respectivos programas de apoio (ONU, 2015).

Os desafios da segurança energética

À margem da COP 22 (Marrakesh, 2016), o resultado das urnas na eleição presidencial norte-americana inspirava apreensão quanto ao caráter “negacionista” do candidato vitorioso no tocante ao uso de combustíveis fósseis e seu papel enquanto causadores de mudanças climáticas — pondo à prova o consenso estabelecido no Acordo de Paris para mitigar as emissões (GUERRA e SCHIMIDT, 2016). No referido acordo, se menciona o seguinte tópico:

“Reduzir de forma significativa o uso de combustíveis fósseis e apostar em energias renováveis” (COP 21, 2015);

Assim, a situação descrita ilustra a fragilidade do tema no âmbito político. O descrédito com que alguns dirigentes vêm tratando a questão energética e a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis é um dos maiores obstáculos ao ODS 7. No contexto brasileiro, o atual presidente já foi citado ao afirmar a possibilidade de deixar o Acordo de Paris, em discordância com suas metas: “O Brasil pode não conseguir cumprir, até 2030, as exigências previstas” (DW, 2018).

Acesso à energia: um direito de todos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), em seu Art. 19, prescreve o direito à liberdade de opinião e de expressão, bem como o direito de procurar, receber e difundir informações, nos mais diversos veículos de imprensa e/ou comunicação.

Ora, mas o que isso teria a ver com o acesso à energia (ODS7)?

Em face da digitalização dos principais jornais e veículos de imprensa, bem como a popularização do uso de redes sociais, o acesso à internet — e, portanto, à eletricidade — se consolidou como fundamental para o pleno exercício do direito previsto pelo Art. 19. Seu cerceamento significa trancar uma janela importante para o mundo e para o próprio conhecimento dos direitos humanos.

O reconhecimento dessa realidade já foi ratificado pela ONU, ao elevar o acesso à internet à condição de direito da pessoa humana:

B.85 “Dado que a internet se tornou uma ferramenta indispensável para percepção abrangente dos direitos humanos, combate à iniquidade e aceleração do desenvolvimento e progresso humano, garantir seu acesso universal deveria ser uma prioridade de todos os Estados (…) para fazer a internet amplamente disponível e acessível para todos os segmentos da população (UN, 2011, p. 22, tradução nossa).

Mais uma vez nos deparamos com a multidimensionalidade dessa questão. Em termos numéricos, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Brasil possui 1 milhão de residências sem luz (G1, 2017), o que pode ajudar a explicar o porquê, segundo o IBGE, em 2017, 42,2 % dos nossos domicílios não tinham acesso à internet (EXAME, 2018).

Outro quadro preocupante diz respeito à vulnerabilidade do abastecimento elétrico em Roraima. Não sendo conectado ao Operador Nacional do Sistema do Sistema Elétrico (ONS), o suprimento elétrico do estado advém integralmente da Venezuela, que vem passando por uma crise sem precedentes. Só em 2018, o estado registrou 85 apagões decorrentes de falhas na transmissão e, para contornar momentaneamente esse percalço, vem recorrendo a termelétricas (extremamente poluentes) (G1, 2019).

O que está sendo feito?

Apesar do cenário descrito, o Brasil vem avançando em sua política energética. Atualmente, segundo relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), nosso país é referência em energia renovável, contando com aproximadamente 45% de matriz renovável (principalmente hidroelétrica) (IEA, 2018).

Brasil está entre os países que mais utilizam energia limpa — Foto: Shutterstock

Crucial para manter essa liderança e avançar nas propostas do Objetivo 7, a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil se firmou como referencial na luta da sociedade civil organizada por representatividade nos fóruns de diálogo e tomada de decisão, no âmbito do Congresso Nacional.

Seus objetivos incluem a promoção de conscientização e mobilização entre os cidadãos e cidadãs, com vistas a incidir junto às instituições públicas responsáveis por mudanças no marco legal do setor energético — de modo a corrigir erros –, e incentivar a adoção de soluções energéticas locais e de menor impacto ambiental, atuando conjuntamente ao Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social (ENERGIA PARA A VIDA, 2019).

Em 2015, à margem da COP 21, a sustentabilidade do setor elétrico brasileiro no século 21 foi debatido na Câmara, em seminário organizado pela Comissão de Legislação Participativa e pela Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil. Camyla Borges, representante do Instituto Energia e Meio Ambiente, criticou a matriz atual (majoritariamente hidrelétrica). Apesar de limpa, essa fonte provoca impactos socioambientais. Nesse sentido, a Frente defendeu a ampliação do uso de fontes eólicas e solares (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2015).

Portanto, entidades como a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil são de suma importância para o sucesso do esforço em torno do ODS 7, servindo de exemplo para demais projetos de implementação de políticas públicas no âmbito da Agenda 2030.

Referências

COP21 (2015). Adoption of the Paris Agreement: proposal by the president (Draft decision). Conference of the Parties — Twenty-first session. Paris, 2015.

DEUTSCHE WELLE (DW) BRASIL. Bolsonaro diz que “pode sair fora” do Acordo de Paris, 2018. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-diz-que-pode-sair-fora-do-acordo-de-paris/a-46711640>. Acesso em: 02 jul. 2019.

ENERGIA PARA A VIDA. Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil — Objetivos, 2019. Disponível em: <http://energiaparavida.org/>. Acesso em: 2 jul. 2019.

EXAME. Apesar de expansão, acesso à internet no Brasil ainda é baixo, 2018. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/apesar-de-expansao-acesso-a-internet-no-brasil-ainda-e-baixo/>. Acesso em: 02 jul. 2019.

GUERRA, João; SCHMIDT, Luísa. Concretizar o wishful thinking — dos ODS à COP21. Ambiente & Sociedade: São Paulo, v. 19, n. 4, p. 157–174, 2016.

G1. Milhões de brasileiros ainda não têm energia em casa, diz Aneel, 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2017/04/milhoes-de-brasileiros-ainda-nao-tem-energia-em-casa-diz-aneel.html>. Acesso em: 02 jul. 2019.

______. Ainda sem energia da Venezuela, Roraima segue abastecido por térmicas após uma semana, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/03/14/ainda-sem-energia-da-venezuela-roraima-segue-abastecida-por-termicas-apos-uma-semana.ghtml>. Acesso em: 02 jul. 2019.

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Renewables 2018 — Market analysis and forecast from 2018 to 2023, 2018. Disponível em: <https://www.iea.org/renewables2018/>. Acesso em: 02 jul. 2019.

OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Especialista critica participação maior de hidrelétricas na matriz energética, 2015. Disponível em: <http://www.observatoriodoclima.eco.br/especialista-critica-participacao-maior-de-hidreletricas-na-matriz-energetica/>. Acesso em: 02 jul. 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2019.

______. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2019.

UNITED NATIONS ORGANIZATION (UN). Freedom of opinion and expression: mandate of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression (HRC resolution 16/4), 2011. Disponível em: <https://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>. Acesso em: 02 jul. 2019.

--

--

Gustavo Soares Felix Lima
Youth for Human Rights Brasil

International Relations student at the Federal University of Paraíba