ODS16: PAZ, DIREITOS HUMANOS E GOVERNANÇA

Gustavo Santana Costa
Youth for Human Rights Brasil
8 min readJul 30, 2019

Adotados durante a Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) reúnem 17 objetivos e 169 metas a serem atingidas até 2030.

Com a finalidade de suscitar o espírito de colaboração universal para acabar com a pobreza, além de defender o estado de paz e prosperidade, os 17 objetivos apresentam diversas áreas de enfoque, como: mudanças climáticas, desigualdade econômica, inovação, consumo sustentável, paz e justiça.

O ODS 16 — Paz, Injustiça e Instituições Fortes, objeto deste artigo, aponta que sem estabilidade, paz, direitos humanos e governança, não podemos visar um desenvolvimento sustentável. Assim, a promoção dos direitos humanos juntamente com a consolidação do Estado de Direito, são fundamentais para o processo de redução das formas de violência.

Há regiões que gozam de níveis altíssimos de paz e segurança, enquanto outras são rodeadas de conflitos e violência intermináveis, adentrando décadas de caos e instabilidade. Essa violência armada devasta o desenvolvimento do país, atingindo sua economia e seu povo. Isso provoca um atraso que não se limita ao presente; na verdade, caminha entre as gerações.

A segurança pública, o acesso à justiça e a promoção de uma sociedade mais pacífica são à base do ODS 16. Nestes objetivos, entram as metas de reduzir a violência (16.1), acabar com o abuso, exploração, tráfico e agressões contra as crianças (16.2), bem como garantir o acesso à justiça (16.3).

O combate contra a corrupção, enquanto um fenômeno global, não foi esquecido pelo ODS (16.5) e seguramente, esse combate só será efetivo se as instituições forem eficazes, responsáveis e transparentes (16.6).

A importância da participação social nas instituições de poder (16.8), alicerçada pelo acesso público à informação (16.10), demonstra a dimensão representativa de governança contida nos objetivos.

Vejamos a redação do ODS 16:

16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade relacionada em todos os lugares;

16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças;

16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos;

16.4 Até 2030, reduzir significativamente os fluxos financeiros e de armas ilegais, reforçar a recuperação e devolução de recursos roubados e combater todas as formas de crime organizado;

16.5 Reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas;

16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis;

16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis;

16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global;

16.9 Até 2030, fornecer identidade legal para todos, incluindo o registro de nascimento;

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais;

16.a Fortalecer as instituições nacionais relevantes, inclusive por meio de cooperação internacional, para a construção de capacidades em todos os níveis, em particular nos países em desenvolvimento, para a prevenção da violência e o combate ao terrorismo e ao crime;

16.b Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.

O QUE ESTÁ SENDO FEITO?

O Ministério da Justiça, dentro de suas capacidades de planejar e executar políticas públicas de combate à corrupção, coordena: o processo de recuperação de ativos enviados para fora do país por meio da Cooperação Jurídica Internacional; a gestão de Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (ENCCLA); a Rede de Laboratórios de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) e o Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o Combate à Corrupção e a Lavagem de Dinheiro (PNLD).

Plenário do Conselho Nacional de Justiça — CNJ

A Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), na qual o Conselho Nacional de Justiça — CNJ faz parte, planeja e implementa ações a nível nacional com metas claras no âmbito da justiça e segurança pública, buscando, inclusive, acabar com as subnotificação dos crimes hediondos. Vale ressaltar que o CNJ tem programas voltados ao acesso à justiça e redução de violências.

Por sua vez, o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) disponibiliza dados integrados de segurança e violência para o país, abrindo a possibilidade de consultas estatísticas sobre drogas, justiça criminal, sistema prisional, segurança pública e outros mais. O objetivo central do Sinesp é promover a integração nacional de informação padronizada, diagnosticando os níveis da criminalidade para uma resposta pública mais efetiva.

Não menos importante, a Lei 12.527/11 conhecida como “Lei de acesso à informação”, regulamenta o direito de qualquer pessoa solicitar e receber dos órgãos e entidades públicas de todos os poderes, informações públicas por eles produzidas e sob guarda.

ALGUNS DADOS PARA DEBATE

Violência e Mortalidade

Trazendo à luz dados sobre violência e mortalidade — como taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes –, fica claro visualizar a importância desses ODS para o Brasil. No ano de 2015, apenas um estado federativo apresentou taxa de homicídio inferior a 10, considerada suportável pela Organização Mundial da Saúde — OMS.

Como se não fosse avassalador o suficiente, o problema se estende a outros países. Segundo o Observatório de Homicídios, em 2017, diversos países da América Latina e Caribe superaram a assustadora taxa de 30 assassinatos a cada 100 mil habitantes, número que para Organização das Nações Unidas, se assemelham a países que vivem em situação de guerra.

Ademais, o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostra que só em 2016, o Brasil teve 62.517 assassinatos, atingindo a taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, correspondendo a 30 vezes a taxa do continente europeu.

Os números do Atlas da Violência apontam ainda, que a situação mais gravosa ocorre nos estados do norte e nordeste brasileiro, onde estão localizados os sete estados com maiores índices de homicídios por 100 mil habitantes: Sergipe (64,7), Alagoas (54,2), Rio Grande do Norte (53,4), Pará (50,8), Amapá (48,7), Pernambuco (47,3) e Bahia (46,9).

As mortes violentas por raça e cor dispararam nos últimos dez anos: enquanto a taxa de homicídios de cidadãos não negros diminuiu 6,8%, a taxa de indivíduos pertencentes à população negra aumentou 23,1%.

“É COMO SE, COM RELAÇÃO A VIOLÊNCIA LETAL, NEGROS E NÃO NEGROS VIVESSEM EM PAÍSES COMPLETAMENTE DISTINTOS” — Atlas da Violência 2018

Apesar dos elevados índices de homicídios da população negra, a temática, em linhas gerais, é tratada com indiferença na agenda pública nacional. A criminalização das zonas periféricas e o contínuo estereótipo negativo referentes às favelas, deságuam na falta de debate aprofundado e qualificado para uma política pública eficaz.

Em 2016, a taxa de homicídio para os negros fechou em 40.2, já o mesmo indicador para o restante da população fechou em 16, alertando que 71,5% da população assassinada no país, são pretas ou pardas.

Vale ressaltar que “a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil., sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros. Por sua vez, os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil. Para que possamos reduzir a violência letal no país, é necessário que esses dados sejam levados em consideração e alvo de profunda reflexão. É com base em evidências como essas que políticas eficientes de prevenção da violência devem ser desenhadas e focalizadas, garantindo o efetivo direito à vida e à segurança da população negra no Brasil”, como salienta o Atlas da Violência.

Transparência Pública e Acesso à Justiça

O acesso público à informação tomou corpo com a entrada em vigor da Lei nº 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação), sendo um importante instrumento de monitoramento utilizado pelos cidadãos. Percebe-se pela tabela, que o Brasil indica a existência de garantias constitucionais, estatutárias e/ou políticas para acesso público à informação.

A Escala Brasil Transparente — EBT utiliza-se de uma metodologia para medir a transparência pública em estados e municípios brasileiros, onde faz levantamentos do grau de obediência à Lei de Acesso à Informação. Na sua terceira avaliação, onze estados ostentaram nota 10 pela EBT, sendo: Alagoas, Ceará, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rondônia, Bahia, Pernambuco, Maranhão e Espírito Santo.

No tocante ao acesso à justiça, faz-se pontual lembrar que a Constituição Federal reconhece, em seu art. 5º, inciso XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O Estado brasileiro possuía 0.505 portas de acesso à justiça disponíveis para cada 100 habitantes, segundo o Índice Nacional de Acesso à Justiça de 2015. Contudo, é necessário conhecer/saber onde estão essas portas, e não somente que elas existem; o Atlas de Acesso à Justiça oferece serviços públicos que reúne endereços e contatos dos órgãos que trabalham na garantia de direitos.

CONSIDERAÇÕES

Há temáticas de grande importância sem nenhum dado para análise, como: a) proporção da população sujeita a violência física, psicológica ou sexual nos últimos 12 meses; b) proporção da população que se sente segura quando caminha sozinha na área onde vive; c) número de vítimas de tráfico de pessoas por 100 mil habitantes, por sexo, idade e forma de exploração; d) proporção de pessoas que tiveram pelo menos um contato com um funcionário público e que pagaram um suborno ou a quem foi pedido um suborno por funcionários públicos, nos últimos 12 meses; e) proporção de crianças com menos de 5 anos cujos nascimentos foram registrados por uma autoridade civil.

Essa carência de informação em nada contribui para o desenvolvimento humanitário e social, deixando às escuras informações de grande relevância para uma política pública mais certeira.

Por outro lado, existe vasto mapeamento que identifica fatores de raça, cor, gênero e condição social ligados à violência, que são desprezados pela classe política, incompatibilizando soluções e dilatando índices.

SAIBA MAIS

Esse texto não teve a intenção de esgotar a temática devido ao vasto desdobramento que se pode dar em cada uma das metas do ODS. Por isso deixo alguns sítios eletrônicos para aprofundamento posterior:

Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp)

Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp)

Estudo Sistemas de Integridade nos Estados Brasileiros

Lei de Acesso à Informação

Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro

Controladoria Geral da União

Escala Brasil Transparente

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas da Violência. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/>. Acesso em 14 jul. 2019.

OBSERVATÓRIO DO TERCEIRO SETOR, Taxa de homicídio no Brasil é 30 vezes a do continente europeu. Disponível em: <https://observatorio3setor.org.br/noticias/taxa-de-homicidios-no-brasil-e-30-vezes-a-do-continente-europeu/>. Acesso em 30 jun. 2019.

ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS. Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods16/. Acesso em 30 jun. 2019.

PORTAL ODS, Disponível em: <http://rd.portalods.com.br/relatorios/15/paz--justica-e-instituicoes-eficazes/BRA003035/sao-paulo>. Acesso em 30 jun. 2019.

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Gustavo Santana Costa
Youth for Human Rights Brasil

Graduado em Direito pela Universidade de Marília, estudou Direito Internacional Público e Direitos Humanos na Universidad Santo Tomas — Colômbia, redator da YHR