A presunção de inocência como um Direito Humano

Gustavo Santana Costa
Youth for Human Rights Brasil
5 min readMar 27, 2019

O princípio da presunção de inocência é uma importante garantia no ordenamento jurídico de diversos países. Contudo, qual é a sua relação com os Direitos Humanos? Esse princípio é assegurado pela Constituição Federal brasileira?

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

Com o término da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um processo de universalização dos Direitos Humanos, uma vez que a temática se transformou numa preocupação internacional, encerrando um longo período em que acreditava-se, que a forma como o Estado tratava seu povo era um problema unicamente doméstico, devido a soberania Estatal. Entretanto, a relação do Estado com seus maternos passaria a ser uma questão internacional.

Com esse processo de internacionalização dos Direitos Humanos, nasce a necessidade de elaborar um Sistema Internacional de Proteção, seja ele Regional ou Global, não para usurpar a jurisdição dos Tribunais internos, mas sim complementar os direitos nacionais.

Por decorrência, o Sistema Global de Proteção se constituiu pela Carta das Nações Unidas de 1945, integrada ulteriormente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e por dois Pactos de 1966: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ambos têm como finalidade, atribuir “efetividade” aos direitos já consagrados na Declaração Universal, conferindo valor jurídico, vinculando os Estados-Parte ao cumprimento das proteções convencionadas. Acima de tudo, abriu-se a possibilidade de responsabilização internacional por atos que violam os Direitos Humanos.

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E NORMATIVAS INTERNACIONAIS

A presunção de inocência — também conhecida como “estado de inocência” — , é consagrada em diferentes documentos internacionais, levando um novo enfoque para o processo penal, visando as garantias do ser humano. Vejamos:

Artigo XI, DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos)

“Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Artigo 14, PIDCP (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos)

“Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

Artigo 8º — CADH (Convenção Americana de Direitos Humanos)

“Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa […]”.

Em termos jurídicos, tal princípio exprime-se nas seguintes formas: 1) Como tratamento: uma vez que o acusado deve ser tratado como inocente perante todo o processo, desde o seu início até o trânsito em julgado da ação; 2) Como regra probatória: cabe ao acusador o dever de provar as acusações em face do acusado.

Desta forma, o Estado não pode tomar medidas que possa ser considerada como antecipação da pena, ou ainda imputar ao acusado o ônus de produzir as provas que o faz inocente. Além do mais, todas as provas deverão ser produzidas no processo, observando os meios probatórios admitidos em lei, assegurando, inclusive, a ampla defesa e o contraditório.

Ao tratar dos princípios da presunção de inocência, a Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Cantoral Benavidez (sentença em 18/08/2000, parágrafo 119), cita como exemplo algumas violações do princípio, que importa:

“(…) a impropriedade de se manter o acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando desnecessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de comunicação, a decretação ou manutenção de prisão cautelar desnecessária”.

UM DIREITO FUNDAMENTAL

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu artigo 5º, LVII, a presunção de inocência, inserida no rol dos Direitos Fundamentais:

Art. 5º — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garatindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVII — ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Plenário do Supremo Tribunal Federal

Os artigos citados evidenciam a prevalência do jus libertatis do indivíduo, em detrimento do jus puniendi do Estado. A presunção de inocência é algo mais abrangente que a não-culpabilidade, (definição ao final do texto).

Mazzuoli e Gomes apresentam três exigências do princípio que são adotadas pela nossa Constituição, consoante aos já abordados: 1) O ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos; 2) Necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; 3) Absoluta independência funcional do magistrado na valorização livre das provas.

Isso nos demonstra o alinhamento protetivo dessa garantia individual, seja no plano internacional ou nacional, buscando maior efetividade ao cumprimento dos Direitos Humanos consagrados.

Para finalizar, trago o conceito de algumas terminologias para melhor compreensão, caso não haja uma familiaridade:

Trânsito em julgado: é uma expressão usada para uma decisão ou acórdão judicial da qual não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou ou por acordo entre as partes.

Jus libertatis: é o direito à liberdade.

Jus puniendi: direito de punir do Estado. Refere-se ao poder ou prerrogativa sancionadora do Estado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume I. Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 33.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2016.

GOMES, Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 106.

GOMES, Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 217.

NASPOLINI, Samyra Haydêe Dal Farra; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. A presunção de inocência como um direito humano fundamental na Constituição Brasileira e sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, RS, v. 13, n. 3, p. 858–875, dez. 2018. ISSN 1981–3694. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/33845>. Acesso em: 16 mar. 2019.

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Gustavo Santana Costa
Youth for Human Rights Brasil

Graduado em Direito pela Universidade de Marília, estudou Direito Internacional Público e Direitos Humanos na Universidad Santo Tomas — Colômbia, redator da YHR