Acessibilidade: o desafio bauruense

Sem passeios públicos planos e rampas de acesso, os portadores de deficiência enfrentam problemas sérios no centro da cidade

Tiago de Moraes
ZACHPOST - Indie e Indispensável
4 min readAug 12, 2016

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Por Tiago de Moraes e Guilherme Dorini

A questão da acessibilidade, ou melhor, a falta dela, é igualmente sentida em outros pontos da cidade. Ariani Queiroz de Sá, coordenadora do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comude), entende que o projeto de infraestrutura da prefeitura deixa a desejar. “Nós temos sugestões para o poder público, entretanto, não somos consultados em muitos dos projetos que interessam as pessoas com deficiência”. Mesmo recebendo mais investimentos para a construção de rampas e outras obras de mobilidade urbana, a área central da cidade ainda apresenta falhas graves no que já deveria ser considerada referência para as demais regiões do município.

Em consonância com um decreto federal, a lei municipal n° 5.825, que trata sobre o assunto, só obriga os munícipes que possuem imóveis novos ou em reforma em execução na cidade, cujos lotes sejam localizados em esquinas, a requerer a implantação de rampas de acessibilidade. Como a responsabilidade das calçadas é atribuída aos proprietários dos imóveis, a instalação de rampas nos locais mais antigos depende da boa vontade do mesmo. Sidnei Rodrigues, titular da Secretaria de Obras, estima que, na cidade, ainda existem 1.000 quadras sem pavimentação de rampas.

Tem coisas que o poder público contempla e outras não. É fato que existem mais rampas na região, mas não há acessibilidade em todas as ruas. Em muitos bairros, ela é quase inexistente”- Ariani Queiroz de Sá.

Cadeirante, Ariani reconhece que a situação já foi pior. “Nos últimos anos houve melhoras sensíveis sobre a acessibilidade em Bauru, mas ainda não é o ideal. Tem coisas que o poder público contempla e outras não. Existe uma contradição, por exemplo, no centro da cidade. É fato que existem mais rampas na região, mas não há acessibilidade em todas as ruas. Em muitos bairros, ela é quase inexistente”. Como a legislação municipal não prevê nenhuma mudança para os estabelecimentos já existentes, a Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), responsável pela condução da infraestrutura, só acaba fiscalizando os passeios públicos com guias irregulares.

POLÍTICA

Para o vereador Fábio Manfrinato (PR), o direito constitucional de ir e vir fica refém da morosidade da administração pública e dos proprietários dos imóveis, responsáveis pela conservação das calçadas. “É quase um problema cultural, está relacionado com o pensamento das pessoas. Existe a necessidade de intervenção tanto do Poder Executivo quanto dos proprietários desses imóveis particulares, cada um tem a sua responsabilidade. Muitas vezes, a acessibilidade é enxergada como um monstro, não como um investimento necessário que pode, por exemplo, abrir um leque de oportunidades. A inclusão só traz benefícios”.

O parlamentar lembra que a acessibilidade vai muito além da instalação de rampas. Apesar de considerar que a cidade avançou muito neste aspecto, Manfrinato defende que ainda falta um sistema eficiente de atendimento para deficientes visuais e auditivos, bem como melhorias nos trajetos de ônibus e nos passeios públicos.

A coordenadora do Comude pensa de forma semelhante. “Hoje, os ônibus são adaptados, mas se eu não tenho condições de chegar até o ponto, eu também não vou conseguir trabalhar, estudar e frequentar os lugares que eu desejo. A base de tudo é uma maior sensibilidade, e isso não é encontrado em quase nenhuma cidade brasileira”, defende Sá.

RISCOS

Quando o passeio público não oferece o mínimo de segurança, os perigos de acidentes são altos. A coordenadora do Comude conta que já se acidentou no Calçadão da Batista de Carvalho. “Aquelas pedras portuguesas que decoram o piso do calçadão são as piores coisas que existem para um cadeirante, para uma mãe com carrinho de bebê e até mesmo para uma pessoa que usa muletas e bengalas. Quando as pedras se soltam, criam-se buracos que não são devidamente restaurados e viram um perigo para todos que têm a mobilidade reduzida”.

Falta acessibilidade até nos prédios públicos

O descaso com a questão é só mais um reflexo dos problemas de infraestrutura urbana do nosso país, no qual, segundo o IBGE, 23,91% da população possui algum tipo de deficiência. Nem mesmo os prédios públicos possuem estrutura para receber essas pessoas. “A prefeitura dá vários maus exemplos nos prédios públicos. A própria Seplan, órgão que faz a fiscalização das calçadas, não tem acesso para os cadeirantes. No prédio ainda tem uma escadaria irregular e um banheiro fora dos padrões. Para assumir o papel de fiscal é preciso, antes de tudo, dar o exemplo”, completa Manfrinato.

Sidnei Rodrigues explica que os prédios públicos estão sendo “adequados de acordo com a disponibilidade de recursos financeiros”. O secretário de obras argumenta que a atual legislação é benéfica. “Entendemos que os avanços dentro do projeto de acessibilidade estão dentro da metodologia de planejamento para uso e ocupação de solo, no qual toda obra ou empreendimento vem sendo executado com toda infraestrutura e de acordo com as normas atuais”.

Ariani Queiroz de Sá acredita que há um longo caminho pela frente. “Só chegaremos num cenário satisfatório se a cidade for contemplada com uma forma de acessibilidade que inclua tanto uma criança de 8 anos como um idoso de 80, independente dela ser deficiente ou não”.

Colaboração: Matheus Paiva e Thayná Fogaça

Edição: Erica Franzon, Giselle Hilário (texto) e Tiago de Moraes (arte)

Reportagem originalmente desenvolvida para as disciplinas “Redação de Jornalismo Impresso”e “Introdução à Fotografia” do curso de Jornalismo da USC. Bauru, 2015.

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Tiago de Moraes
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Jornalista e fundador de ZACHPOST. Músico, pesquisador e nerd vidrado em quadrinhos, design gráfico, cinema e rock.