Foto: Guilherme Dorini

Aprendizado ilimitado

Encarando a deficiência, muitos profissionais transformam, de forma positiva, a vida das pessoas e transmitem grandes exemplos a serem seguidos

ZACHPOST
ZACHPOST - Indie e Indispensável
8 min readAug 12, 2016

--

Por Guilherme Dorini

Este exemplo está em muitos esportistas no mundo. Cátia Cristina da Silva Oliveira, 24 anos, tinha o sonho de ser uma jogadora de futebol desde pequena. Ela chorava quando ganhava bonecas e o irmão bolas de futebol. Desde criança, a sua meta era ser uma grande jogadora, conquistar títulos e atuar pela seleção brasileira feminina.

Nascida em Cerqueira César, interior de São Paulo, Cátia atuava na armação e, às vezes, arriscava-se no ataque, era a coringa do treinador Edson Castro. Jogava pelo Botucatu Futebol Clube, único clube que atuou como profissional. “Minha passagem pelo clube foi muito boa, muito produtiva. Em 2006 nós fomos campeãs em todos os campeonatos que tiveram no Brasil, como o paulista e os Jogos Abertos”, informa.

Porém, em uma segunda-feira, a vida mudou os planos de Cátia.

PAUSA NO SONHO

No dia 15 de outubro de 2007, às 11h, um acidente de carro interrompeu o sonho da adolescente na época com 16 anos. Em uma passagem de nível da rodovia Geraldo Pereira de Barros, a SP-191, próxima a cidade de São Manuel, interior de São Paulo, Renata Costa, a motorista e, também jogadora, perdeu o controle de seu Corsa e bateu na traseira de outro veículo. Além de Renata e Cátia, Michele, também jogadora, estava no carro. As três atuavam no time de Botucatu.

Michele e Kóke, apelido de Renata, estavam no banco da frente do veículo e sofreram apenas algumas lesões leves. Já, Cátia, que estava dormindo no banco traseiro, foi arremessada para frente e sofreu um grande trauma na coluna. De acordo com o boletim médico foi constatada a existência de um trauma na medula, entre a quinta e a sétima vértebra, deixando-a paraplégica.

Às 17h deste mesmo dia do mês de outubro, o treinador Edson Castro recebeu a informação de que Cátia tinha sido convocada para a seleção brasileira de futebol sub-17, para disputar o Mundial no Chile como zagueira. “A única coisa que lembro neste dia foi uma pessoa vir falar comigo sobre a convocação”, explicou a atleta que, no momento, estava internada no Hospital das Clínicas de Botucatu.

Quando acordou e o médico conversou para explicar a situação, ela tinha esperanças de que um dia voltaria a andar. “Depois que passou um, dois, três meses foi quando a ficha caiu. Vi que o negócio era um pouco mais sério e comecei a ficar revoltada e não queria nada com nada”, completou Cátia.

APRENDENDO

Revoltada e desejando morrer, ela passou pouco mais de um ano no hospital da Rede Sarah, no Rio de Janeiro, onde voltou à realidade após ver os pacientes em estado pior. “As pessoas estavam em uma situação que não podiam nem mexer o olho, outras que respiravam por aparelhos”, falou a jogadora.

O que a comoveu foi ver uma criança na mesma situação que ela estava. “Ela não tinha nem cinco anos e não estava triste, dava risada e parecia muito feliz. Isso foi um dos motivos que me fez parar de reclamar, de chorar e seguir a minha vida”.

Com essas experiências e lições de vida, Cátia decidiu que deveria superar as suas dificuldades que pareciam insuperáveis e encontrar o seu caminho para ter um crescimento pessoal e profissional. Foi, então, que ela descobriu uma nova modalidade esportiva.

TÊNIS DE MESA

Depois de quatro anos de lesão, ela decidiu voltar a praticar outro esporte. Mas não queria ser uma atleta, somente voltar a atuar para manter sua saúde. “Eu fui para uma feira internacional de tecnologias em reabilitação, a Reatec, e conheci o tênis de mesa. Neste esporte, só precisava de uma mesa, uma raquete e outra pessoa para jogar comigo, não precisava de mais um deficiente. Participei de alguns campeonatos e hoje eu sou louca pelo esporte”, conta.

Cátia beijando a sua conquista, ela faturou a medalha de ouro no Canadá (Foto: Divulgação/ CBTM).

Um dos olheiros da seleção brasileira, no ano de 2013, foi a um Campeonato Brasileiro na cidade de Bento Gonçalves, no estado do Rio Grande do Sul, a viu jogar e disse que tinha muito talento. Depois de uma reunião com os outros olheiros, ela recebeu o convite para treinar com a seleção brasileira em 2014, em Brasília.

Em 2015, há menos de três anos nesta nova modalidade, Cátia conquistou a medalha de ouro no Parapan 2015, em Toronto, no Canadá, e já está garantida nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro. Ela não acreditou quando recebeu o convite para participar da seletiva.

“Não tenho palavras. Claro que trabalhei duro para conseguir o ouro e queria ganhar. Mas tinha aquele pensamento de que sou nova no esporte e não acredite, até que peguei a medalha, não acreditei”, explica.

RIO 2016

Mesmo após a conquista do ouro, a mesa-tenista não se sente preparada para vencer os Jogos Paralímpicos em terra brasileira. “Faz pouco tempo que estou no esporte e tenho muito o que aprender. Eu ainda tenho muito no que melhorar no quesito tático e psicológico. Que chegar na hora do campeonato e me acalmar, porque eu tremi muito nesse Pan”, completa a brasileira.

Cátia nunca desistiu de seu sonho de ser atleta de alto nível, mesmo depois de um trágico acidente. Mesmo sem vontade em algum tempo da sua vida, ela mudou o seu próprio destino e, em 2016, participará dos Jogos Paralímpicos na cidade maravilhosa.

“Se você tem um objetivo e um sonho, faça de tudo para tentar realizar. Eu tinha um sonho e ele deu uma apagadinha, mas renasceu. Hoje estou conseguindo realizá-lo”, disse a atleta.

“Se você tem um objetivo e um sonho, faça de tudo para tentar realizar. Eu tinha um sonho e ele deu uma apagadinha, mas renasceu. Hoje estou conseguindo realizá-lo”, Cátia Oliveira

ENCARANDO A DEFICIÊNCIA

Para o jornalista Jairo Marques, da Folha de São Paulo e que cobriu os Jogos Parapan 2015, essas histórias de superação de atletas que praticavam outro esporte e sofreram algum acidente, mas contornaram a situação e hoje são atletas paralímpicos, como Cátia Oliveira, ele diz que não sente emoção pelos atletas em si. “Acho bacana a coleção de feitos de alguns deles, as conquistas que celebram e os feitos que realizam”, disse.

Para ele, ver um atleta como Daniel Dias sair de uma piscina é uma imagem que provoca um grande turbilhão de pensamentos. “Ele tem má-formação em membros inferiores e superiores e é um grande campeão. Como pode? Como ele faz isso com tamanhas limitações? Embora isso tenha mesmo potencial de emoção, para mim, é puro aprendizado”, completa.

A falta de visibilidade desta modalidade é justificada por alguns fatores como desconhecimento, preconceito, falta de espírito inclusivo, falta de planejamento, falta de cidadania, entre outros. “A forma de ver a pessoa com deficiência ainda é antiquada e estigmatizada no Brasil, o que impede um avanço maior de coberturas noticiosas”, completou falando sobre a cobertura dada pelos principais meios de comunicação.

Jairo ainda disse que o Brasil seguirá dando show nas Paraolimpíadas de 2016. “A natação e o atletismo são modalidades com muito potencial de ouro paraolímpico. Mas o futebol de 5, com jogadores cegos, é um esporte que o país é imbatível, por enquanto”, afirma.

Nascido em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, em 1974, ele foi acometido com nove meses pela Poliomielite Infantil.

Para ele, este acontecimento foi um pesadelo completo. “Voltei a ser um recém-nascido, dependente total de minha mãe. A partir de então, também houve um desassossego na família, pois todos tiveram de colaborar até que eu fizesse um intenso processo de reabilitação, que demorou anos”, relembra.

Mesmo cadeirante, formou-se em jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e fez pós-graduação em Jornalismo Social na PUC de São Paulo. Desde pequeno, ele sempre foi muito ligado em histórias, gostava de ouvi-las e contá-las. “Aliado a isso, descobri cedo um certo talento para escrever e também um faro curioso, um espírito de busca por justiça social. Esses elementos, juntamente com alguma orientação, me levaram à comunicação”, disse.

Em 1999, ele começou a fazer parte do jornal Folha de S. Paulo, meses após ser diplomado na faculdade. Atualmente, ele é colunista e repórter na editoria de Cotidiano e autor do Blog “Assim como Você”.

Jairo Marques na redação da Folha de São Paulo (Foto: Arthur Calasans)

No blog ele relata histórias que mostram algum caminho de possibilidade diante das adversidades. “Não me interessam casos de “superação”, mas casos que revelem para outras pessoas ferramentas para a conquista de uma vida plena, seja como for”, completa.

As histórias o deixam reflexivo e elas sempre o ajudam a realinhar a sua própria vida e pensamentos. “Um post que jamais vou esquecer foi um que contei a história de uma mãe e de um filho com doenças degenerativas e que, juntos, tocavam suas realidades. Foi impactante demais”, afirma.

Jairo acha que cada um tem as suas dores, suas forças de enfrentamento, mas o que ele enxerga é uma existência humana que oferece caminhos distintos para a felicidade. “Estamos muito ligados a padrões e isso nos venda para ver possibilidades de realização sob as circunstâncias mais limitadoras. A deficiência precisa ser encarada e a pessoa vitimada por ela tem de estar a frente de suas possíveis inabilidades”.

“Estamos muito ligados a padrões e isso nos venda para ver possibilidades de realização sob as circunstâncias mais limitadoras. A deficiência precisa ser encarada e a pessoa vitimada por ela tem de estar a frente de suas possíveis inabilidades”, Jairo Marques

Hoje, Jairo é casado com a também jornalista Thaís Naldoni e, recentemente tiveram uma filha. E, mesmo em meio a uma mudança residencial, ele respondeu com muita atenção todas as pergutas que lhe fiz. Com essas histórias digo que a esperança realista, a partir do vivido, deve ser nossa companheira inseparável.

Guilherme Dorini é bacharel em Direito e cursa o penúltimo semestre de Jornalismo. Trabalha com Assessoria de Comunicação e é um dos apresentadores do canal do YouTube Linha de Fundo TV. Também escreve regularmente para o blog Futebol nas Quatro Linhas.

--

--

ZACHPOST
ZACHPOST - Indie e Indispensável

Publicação web desde 2016. Reportagens em profundidade sobre cultura, lifestyle, atualidades e história. Finalista Intercom Sudeste 2016.