Sentindo na pele a (falta de) acessibilidade em Bauru
Resolvi fazer um trajeto no centro da cidade com a cadeira de rodas. (Spoiler: não deu muito certo)
Reportagem por Tiago de Moraes
Desde o início da elaboração da pauta sobre a acessibilidade no centro da cidade surgiu a ideia de um trabalho in loco sobre as rampas e o estado das calçadas na região. A proposta inicial era fazer um trajeto, com a cadeira de rodas, da Rua Primeiro de Agosto até a Rua Júlio Prestes, algo que, normalmente, leva uns 10 minutos. Para evitar mais problemas, já que eu não sou cadeirante, tentei me adaptar com a mobilidade reduzida alguns dias antes. Eu já pensava que o trajeto não seria fácil de completar, mas no fim das contas, a experiência foi muito pior do que eu tinha imaginado.
Era uma manhã de terça-feira, 8 de junho. Logo no começo, tive facilidade para virar a cadeira de rodas para o outro lado e a segurar corretamente a trava da roda. O passeio, no entanto, já começou tumultuado. Descer a Rua Antônio Alves se mostrou uma tarefa árdua. A calçada, toda esburacada, exigia-me um grande esforço para sair de um buraco para cair no outro. Os desníveis da rua não ajudavam muito. No entanto, vale ressaltar que a minha cadeira de rodas não era muito própria para uso, era velha e a trava não funcionava direito. Mas, do que eu conheço da realidade no país, é possível que muitos outros cadeirantes não tenham condições de possuir um instrumento novinho, com pneus adequados, que garanta o mínimo de autonomia.
Cheguei à esquina com a Rua Ezequiel Ramos. A rampa, construída recentemente e bem sinalizada, parecia fácil de atravessar. E foi. Meu maior medo no momento era dar tempo de chegar ao outro lado com o sinal fechado para os carros. Foi fácil concluir que o semáforo acaba privilegiando os veículos. Se normalmente eu achava que o tempo não era suficiente, agora, depois de sentir na pele o que um cadeirante passa diariamente, eu tenho certeza.
Percorrendo o caminho pela Rua Gustavo Maciel encontrei as mesmas dificuldades. Escapando de um buraco para ficar preso em outro, batendo com a cadeira de rodas no muro, tirando restos de comida e fezes presas nas rodas e enfrentando cada desnível com toda força muscular que eu tinha nos braços. O cansaço logo chegou para me abater e eu ainda nem tinha chegado na metade.
O caminho era estreito e eu precisei de ajuda para não cair na rua
Decidi, então, fazer o caminho de volta. Todos os problemas já enfrentados foram potencializados por esse fator. Antes, porém, fiquei preso em um longo monte de entulho, repleto de galhos e folhas, na Rua Presidente Kennedy (que não tinha rampa de acesso naquela quadra). O caminho era estreito e eu precisei de ajuda para não cair na rua. Subindo a Antônio Alves, tive que fazer parte dos trajetos próximo dos carros porque os desníveis entre as partes do passeio público eram quase intransponíveis.
A segurança de que, logo após o final da experiência, tudo ia voltar ao normal deu lugar à tensão. De volta a aquela mesma rampa da Ezequiel Ramos, havia um desvio que impedia da roda chegar à parte mais alta da calçada. A trava estava falhando e eu estava a um passo de descer para o meio da rua, com o trânsito em movimento. Um desconhecido acabou me ajudando e eu fiquei seguro novamente. Próximo da esquina em que o trajeto começou, um outro desconhecido, de aparência e jeito simples, me empurrou até a esquina como forma de solidariedade.
No dia em que eu fui parte dos 23% da população brasileira que possui algum tipo de deficiência, entendi de uma nova forma o que é a inclusão. Na pele de um cadeirante senti os olhares de pena, de compaixão e de tensão. Como ser humano, compreendi que um mundo melhor é aquele em que todas as pessoas tem a garantia de ir e vir com autonomia. Até agora, estamos longe desse cenário.
Colaboração: Matheus Paiva e Thayná Fogaça
Edição: Erica Franzon e Giselle Hilário
Arte: Tiago de Moraes
Reportagem originalmente desenvolvida para as disciplinas “Redação de Jornalismo Impresso”e “Introdução à Fotografia” do curso de Jornalismo da USC. Bauru, 2015.