Testes pra que?

Karina Paula
Zero e Umas
Published in
7 min readJul 29, 2020

"Estou sem tempo para isso, vou deixar para depois…"

Você é uma pessoa que sempre deixa os testes pra depois? Que nunca avalia o seu trabalho? Que não procura por críticas?

Vamos lá, precisamos ter uma conversa séria.

Este texto é sobre uma ótica da tecnologia, das interfaces e sistemas digitais, mas não deixa de ser repleto de boas considerações que podemos levar para outras áreas do nosso trabalho. Mas estou falando principalmente com você que é Designer, e que precisa começar a respeitar a etapa de testes e aprender que ela pode ser feita de diversas formas, mesmo em um cenário em que a grana e o tempo são curtos.

Primeiro: O que são testes de interface? E porque são importantes?

Testar é uma etapa essencial para garantir o bom funcionamento de nossas interfaces (e não só das interfaces). Compreendem métodos que sintetizam um passo-a-passo para identificar problemas na interface, para que a partir destas observações melhorias sejam aplicadas.

Porque mesmo os melhores especialistas em usabilidade não podem projetar interfaces perfeitas para o usuário em uma única tentativa. Os designers de interface devem criar um ciclo de vida de engenharia de usabilidade em torno do conceito de iteração. O desenvolvimento iterativo de interfaces de usuário envolve um aprimoramento constante do design, com base em testes do usuário e outros métodos de avaliação. — Jakob Nielsen

É uma etapa que permite o aperfeiçoamento de nossas interfaces. Além de adicionar diversos ponto de vistas ao nosso processo, que podem nos fazer enxergar algo que sozinhos não conseguiríamos.

Podemos testar diversas coisas: Aspectos visuais (alinhamento, contraste…), Usabilidade, Acessibilidade ou se a interface se adequa as restrições da plataforma (guidelines).

Segundo: Como testar?

Assim como é possível testar diversos tópicos perante nossa interface, temos vários meios de testá-la.

Um jeito que eu gosto de dividir é de acordo com o tipo de técnica, desta forma temos quatro grupos: Observar, Comparar, Ouvir e Medir.

Nos métodos do grupo Observar incluímos processos que envolvem o usuário, e nos baseamos na observação destes indivíduos utilizando o nosso produto.

No grupo Comparar constituem de inspeções, como avaliações heurísticas, padrões de usabilidade e diretrizes de design.

Processos como o think-aloud, questionário e entrevistas se enquadram no terceiro grupo, Ouvir.

Por último há classificados como Medir, onde são consideradas métricas quantitativas, como medição de tempo para concluir uma tarefa.

Você pode (e deve) unir esses métodos para compor o seu teste. Um jeito interessante de uni-los é por meio de um Teste de Usabilidade.

Terceiro: Como aplicar um Teste de usabilidade?

Teste de Usabilidade é um processo que inclui o usuário e visa identificar problemas de usabilidade na interface perante a ótica de seu público alvo.

Podemos resumir o teste em alguma etapas:

  • Definição dos objetivos

Se faça as seguintes perguntas: O que quero testar? Quais as dúvidas que tenho que o teste pode me responder? Qual o publico que devo convidar para responder essas perguntas?

Você pode chegar a conclusões como por exemplo: Quero testar a navegação da minha interface, se as transições estão claras e se o usuário consegue identificar facilmente em que página se encontra. Quero saber também se os ícones da minha interface são reconhecíveis, se o usuário consegue interpretá-los da forma como planejei. Quero testar se as cores são agradáveis ao público e se possuem contraste suficiente. Será interessante ter ao menos um participante que possui alguma condição como daltonismo ou use óculos, para testar a acessibilidade das cores.

  • Planejamento do teste

O que é necessário fazer para responder suas perguntas traçadas no objetivo? Basta apenas observar o usuário utilizando o seu aplicativo? Ou será necessário solicitar que ele fale em voz alta o que está pensando? Será necessário um questionário?

Você precisa pensar aqui nos métodos que precisará incluir para responder suas perguntas. Normalmente eu uso um conjunto de teste de usabilidade e uma entrevista semi-estruturada ao final, para conseguir conversar mais com o usuário.

Solicitar que o usuário fale em voz alta durante o teste (chamando de think-aloud) é bem útil e pode ajudar a enxergar o teste pela ótica do usuário.

  • Preparação do produto a ser testado

Tenha sempre pronto o produto a ser testado com antecedência. Se for um protótipo de interface, certifique-se que as ligações estão o mais completas possíveis. Evite entregar algo para o usuário que você precisará falar o tempo todo: "Isso ainda não tá pronto.". Se não deu tempo de fazer uma tela, coloque um alerta informando na interface, para que o usuário consiga interagir sem precisar de suas intervenções.

Se é um aplicativo implementado, trate de esconder os botões ou abas que não possuem informação ou estão incompletas. Você obterá mais informação e com maior qualidade (sem ruídos) se der ênfase no que está pronto para ser testado.

  • Preparação do material e ambiente necessário para o teste

Isso é válido para testes presenciais ou remotos. Se é presencial, preocupe-se em receber a pessoa de forma cordial, oferecer o conforto possível: Água, café ou indicar o banheiro.

Tenha uma mesa pronta com cadeiras livres esperando por vocês, faça o usuário se sentir confortável. É imprescindível o usuário se sentir a vontade durante o teste, é papel do entrevistador criar o ambiente confortável. Um cumprimento caloroso e uma rápida conversa sobre temas diversos, podem ajudar a criar conexão entre os participantes, e pode implicar em alguns sorrisos.

Um usuário confortável fala mais e assim você aprende mais.

Você pode gravar a tela do usuário interagindo! Mas tudo deve contar no termo de confidencialidade, okay?

Faz parte da preparação explicar para o convidado os papéis das pessoas presentes, o objetivo, a aplicação e para o que o seus dados serão utilizados. É importante também firmar um acordo de confidencialidade, que pode ser feito através de um acordo verbal gravado ou escrito (e assinado).

Reforce sempre: Quem será testado é o produto, não o usuário! 😜

Não se esqueça: AS TAREFAS!
Você precisa definir uma série de tarefas para o usuário executar. Elas precisam ser claras, mas não podem explicar o que será feito.

Vamos supor que você está introduzindo um aplicativo de lembretes, você pode dizer algo assim:
"Esse aplicativo tem como objetivo te ajudar nas tarefas diárias, lembrando o que deve ser feito. Para isso você pode adicionar lembretes e demarcar horários para que o aplicativo te envie notificações. Para começarmos gostaria que você tentasse adicionar um lembrete que você colocaria para se lembrar de vir ao nosso teste."

Você pode está pensando: E eu tenho que escrever tudo que vou dizer? Ter um script? A resposta é: DEPENDE! No mínimo você precisa ter as tarefas planejadas anteriormente e anotadas para não esquecer (principalmente pois normalmente elas terão uma sequencialidade). Mas se você está começando, seria bom fazer um script, com o passo-a-passo do que você pretende dizer e fazer, ajuda bastante! Não precisa ser nada decorado, pense mais em um guia ou um checklist.

  • Execução do teste

O teste em si consiste em seguir as recomendações do passo anterior, deixar o usuário confortável, solicitar que as tarefas sejam executadas e observar atentamente!

Não faz parte do papel do entrevistador ajudar ou dar orientações. Dar orientações tornam o teste enviezado, e as informações coletadas não terão tanta validade.

Também não é papel do entrevistador anotar! Convide um colega de trabalho para desempenhar o papel do observador, que irá fazer anotações de expressões faciais e frases ditas pelo entrevistado. Ele também deve observar seu desempenho, anotando eventuais pontos para melhorar nos próximos testes.

Apresente este ator ao entrevistado também, fale que é apenas um auxiliar e o objetivo é anotar tudo, para que você possa dar 100% de atenção e suporte. Fale o óbvio: Não se sinta intimidado, estamos apenas testando o aplicativo, não você! Fique tranquilo.

Mas é sim papel do entrevistador instigar o usuário a falar. Enquanto o usuário tentar executar a tarefa, tente fazer perguntas para ajudá-lo a pensar em voz alta: Pra que serve? O que você acha disso? O que espera que faça? O que passa por sua cabeça quando olha para isso?”

Para encerrar faça perguntas que ajudem a consolidar as conclusões. Use esse momento como uma revisão de tudo que foi dito ao longo do teste.

Algumas boas perguntas: O que acha desse produto em comparação com os que já usou? Do que gostou no produto? Do que não gostou? Como descreveria esse produto para um amigo?”

  • Analise dos dados

Ao final do teste você terá diversos insights sobre seu produto, trate-os com carinho, não os veja como algo desanimador. Estes feedbacks são oportunidades, cada um deles nos permite aplicar um aperfeiçoamento em nosso produto, garantindo que estamos deixando-o cada vez melhor e mais adaptado as necessidades de nosso usuário!

Algumas conclusões

Essas são as etapas que eu normalmente sigo, mas elas também estão bem próximas de processos sugeridos por livros como Sprint: O método usado no Google para testar e aplicar novas ideias em cinco dias (sim, isso tudo é o nome do livro). O Design Sprint é um processo de apenas cinco dias, onde o quarto dia é reservado para desenvolver o protótipo e planejar o teste, e o último dia é dedicado para a execução dos testes.

Cito o livro para uma conclusão: É um teste relativamente rápido, e barato! E que pode facilmente ser aplicado de forma remota (Afinal estamos em 2020, no meio de uma pandemia.).

A quantidade de informação obtida pelo teste é diretamente relacionada a quantidade de pessoas que você entrevista, mas é melhor testar com 1 do que com nenhum!

Então, a dica é:

  • Inclua os testes em sua rotina. Inclua poucos usuários no início.
  • Tire da mente que eles são demorados e difíceis, dê uma chance e verá o poder que eles tem de melhorar nossos produtos.

Referências

Debbie Stone — User Interface Design and Evaluation (Interactive Technologies)

Jake Knapp — Sprint: O método usado no Google para testar e aplicar novas ideias em cinco dias

Jakob Nielsen — Iterative user-interface design.Computer, IEEE, v. 26, n. 11, p. 32–41,1993

Preece, Rogers e Sharp — Design de Interação

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