38% dos estabelecimentos no Brasil adotam o cardápio em QR Code

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6 min readSep 20, 2023

Menu digital divide opiniões entre os clientes, e reforça a exclusão digital e etária

Por Clarisse Claro e Filipe Melo (cmfclaro@gmail.com e lipemeloo17@gmail.com)

Atualmente, grande parte dos bares, lanchonetes e restaurantes disponibilizam o cardápio digital, escaneado via QR Code. Segundo uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2022 pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 38% dos estabelecimentos adotam e 25% estão em fase de implantação desse tipo de cardápio. O levantamento foi feito com 1.670 empresários de todas as regiões do Brasil. A digitalização do menu divide opiniões tanto entre os clientes quanto entre os proprietários. Se por um lado o cardápio QR Code é considerado uma opção mais prática e econômica, ele também pode ser um item segregador e pouco inclusivo, principalmente para o público mais velho.

Com a pandemia da Covid-19, não foi possível manter o contato direto do garçom com o cliente no momento da entrega do cardápio e nem a manipulação de objetos compartilhados. Como uma opção mais higiênica, os estabelecimentos adotaram o cardápio online via QR Code. Essa tecnologia é uma evolução do código de barras e pode ser lida pelas câmeras da maioria dos celulares.

A tendência permaneceu mesmo após o fim da pandemia. Porém, para o público de mais idade, apesar da possibilidade de ter o menu na telinha do aparelho, essa alternativa é pouco acessível e inclusiva, e reforça a segregação etária. Adilson Amaro, atendente do bistrô Taboas, em Florianópolis, percebe a preferência dos clientes de mais idade pelo cardápio físico. “Querendo ou não, quem usa mais essa opção digital é o público mais jovem. Muitos clientes de 50 ou 60 anos não têm acesso à internet e não sabem nem como abrir o QR Code, então por isso pedem o cardápio de mão.”

Roseli Matsuguma, de 52 anos, faz parte desse grupo de clientes que têm dificuldade em utilizar o cardápio por QR Code. Frequentadora assídua de cafés e restaurantes, ela repara que o item provoca uma exclusão digital para aqueles que não têm acesso ou conhecimento sobre a tecnologia. “Eu, por exemplo, sou do tipo de pessoa que não sou vinculada ao celular. Muitas vezes eu saio sem e se der vontade de parar em algum estabelecimento para comer, ou mesmo tomar um café, tenho que pedir para outra pessoa me emprestar um aparelho para eu poder ver o cardápio.” Além disso, Roseli relata ter dificuldade em enxergar o texto pela tela do celular.

Se ler o cardápio online é uma dificuldade, o próprio processo de carregamento da página virtual também pode ser inconveniente. Nem todos os estabelecimentos que oferecem o cardápio em QR Code contam com um sistema ágil e responsivo. Matheus Alves, de 20 anos, percebe que “às vezes o sistema usado não é muito bom e acaba travando, e isso dificulta muito a experiência como cliente”. Por outro lado, Sofia Verissimo, de 18 anos, valoriza a praticidade na navegação e a possibilidade de ver fotos dos pratos, fatores decisivos para a sua preferência pelo menu digital. “Muitas vezes não tem cardápio impresso para todo mundo que está sentado na mesa. Então você tem que esperar uma pessoa escolher o prato dela para você poder escolher o seu. Com o QR Code é bem mais fácil”, acrescenta.

Outra reclamação comum por parte dos clientes é que a maioria dos restaurantes não oferece uma rede de internet para abrir o menu digital. Assim, se o usuário não tiver conexão com rede móvel própria, não é possível visualizar a página do cardápio. Além disso, a necessidade de escanear o código QR Code a cada vez que quiser ler alguma informação no menu torna o processo de escolha dos pratos menos prático. Lucas da Hora, de 25 anos, não gosta desse modelo de cardápio justamente pela falta de praticidade. “Se a gente quiser pedir mais alguma coisa, alguma coisa diferente, tem que ficar abrindo o código toda hora”, explica.

Ter o cardápio em mãos e interagir com o garçom, que pode fornecer dicas e sugestões, é um ritual considerado por muitos clientes como parte de uma experiência gastronômica completa. O cardápio em QR Code limita essa vivência e, também por esse motivo, é alvo de críticas, como constata Paulo Cesar Sabino, gerente do restaurante mexicano Rosarito. “Perdemos um pouco do contato com o garçom, mas eu acho que também é um reflexo do tempo. É uma coisa que talvez não vai mais voltar.” Segundo ele, a perda desse hábito é decorrente da pandemia da Covid-19, momento em que os funcionários passaram a manter um distanciamento físico dos clientes.

Impacto na rotina dos trabalhadores

Se para os consumidores há vantagens e desvantagens, para os estabelecimentos o cardápio QR Code é uma opção que se revela prática e econômica. A unidade de Florianópolis do bar Mister Hoppy conta com o cardápio digital desde a sua inauguração, em 2019. Alan Bordalo, funcionário do local, destaca que os principais benefícios do menu em QR Code são a economia de espaço e de material, e a possibilidade de dar zoom e de fazer um layout mais bonito esteticamente. Além disso, por ser digital, não há necessidade de higienização constante, diferente de um objeto físico.

Fora isso, a vantagem mais apontada pelos empresários e trabalhadores dos estabelecimentos é a agilidade e a praticidade na atualização do menu virtual. Segundo a pesquisa da Abrasel, 54% dos proprietários veem esse aspecto como o principal benefício trazido pelo cardápio em QR Code. Paulo Cesar, do restaurante Rosarito, percebe essa facilidade na alteração do menu. “Podemos fazer mudanças nos pratos e nos valores sem precisar imprimir o objeto várias vezes. Então o digital se torna muito mais prático para nós.”

Alguns bares, restaurantes e cafés estão unindo o cardápio QR Code com o pedido online. Assim, além de visualizar os pratos, os clientes fazem seu próprio pedido pelo celular. No restaurante Rosarito, tablets ficam dispostos em todas as mesas para que os fregueses vejam o menu e peçam os pratos. Toda a rotina de trabalho mudou com essa nova dinâmica, implementada há oito meses, como explica Paulo Cesar. “Fazer o pedido ficou rápido e ágil. Não tem aquele lance de ficar ocupando um funcionário tirando o pedido e depois mandando ele para a cozinha, enquanto tem gente chegando na casa. Isso agilizou esse processo, os clientes chegam, sentam, pedem e já vão embora.” Como o serviço se tornou mais dinâmico, o restaurante precisou contratar mais uma pessoa para integrar a equipe de atendentes.

A agilidade do pedido online não se restringe ao momento da escolha dos pratos, mas também auxilia na organização da cozinha. Sônia Ordones, proprietária da lanchonete Loma, colocou em prática o cardápio em QR Code com pedido online em abril deste ano. “Começamos a atender uma clientela que gosta de deixar os seus pedidos agendados, e também podemos agilizar o atendimento dos clientes que pedem na hora. Está sendo bom para otimizar o tempo, espaço e organização da nossa cozinha”, relata.

Uso exclusivo do cardápio em QR Code

A exclusividade do menu online já é discutida em alguns estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, foi sancionada no dia 01 de junho a Lei 10.032/2023, que estabelece novas diretrizes para os estabelecimentos fluminenses em relação aos cardápios acessados via QR Code. De acordo com essa norma, de autoria do deputado Rodrigo Amorim (PTB), os bares, restaurantes, lanchonetes, hotéis, motéis e outros locais que vendem bebidas, refeições ou lanches devem disponibilizar, além do cardápio digital, a versão impressa para os clientes.

A lei exige que o cardápio impresso, independentemente de ser em papel plastificado ou não, contenha o nome do prato e seu respectivo preço. Além disso, os estabelecimentos não estão autorizados a repassar os custos de impressão do menu para o consumidor, sendo estes de responsabilidade exclusiva das lojas.

Com essa nova legislação, busca-se garantir que os clientes tenham a opção de consultar o cardápio de forma física, sem depender exclusivamente do acesso via QR Code. Esse é o cenário ideal para Sofia, que percebe que “os estabelecimentos normalmente têm a opção digital, mas se você solicitar o cardápio impresso, eles também têm essa opção”. Para a cliente, é ideal que o restaurante ofereça a opção mais tecnológica, mas também tenha o objeto impresso.

Em Santa Catarina, apesar dessa discussão não estar em pauta na Assembleia Legislativa do Estado, os próprios clientes exigem a disponibilidade do cardápio físico, além do digital. Alan, do Mister Hoppy, nota que mesmo os clientes com celular preferem ter o menu em mãos. “A galera sempre pede o cardápio. Inclusive, há um tempo atrás, a gente tinha só dez cardápios que íamos passando nas mesas. Como o pessoal sempre quer o impresso, a gente teve que imprimir mais unidades.”

Objeto milenar

O cardápio surgiu nas primeiras tabernas europeias, na Inglaterra, Espanha e França, por volta do século XV. Conforme a expansão das opções de refeição, esses estabelecimentos passaram a anunciar os pratos servidos em uma placa próxima à porta da entrada. Porém, ao sentarem na mesa, os clientes se esqueciam das informações e cabia aos garçons memorizar e apresentar os pratos. Para facilitar a rotina, as pessoas passaram a pedir uma cópia reduzida da placa, nomeada de menu, derivação da palavra do latim minutu, que significa reduzido ou diminuto. O objeto, posteriormente, foi denominado cardápio, palavra que une os termos latinos charta, que significa papel, e dapum, que remete às iguarias.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC