Alargamento de praia dos Ingleses é criticado por ambientalistas. Prefeitura e comerciantes locais aprovam

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13 min readMay 24, 2023

Ao custo de R$ 18,8 milhões, obra faz parte de projeto para atrair mais turistas, mas causa impactos ambientais na região e apresenta riscos para banhistas

Por Pedro Ordones

Aumento na produção de resíduos pelo maior número de pessoas na praia, formação de bancos de areia no mar, falta de tratamento de esgoto, piora da balneabilidade e riscos de desastres ambientais ao longo dos anos. Essas são algumas das consequências provocadas pelas obras de alargamento da praia dos Ingleses, no norte de Florianópolis, em Santa Catarina, que aumentou em 15 metros a largura da faixa de areia, dividindo opiniões de especialistas, moradores e turistas.

Ao custo de R$ 18,8 milhões e a cargo da Secretaria de Transportes e Infraestrutura de Florianópolis, as obras , concluídas em dois meses e inauguradas no aniversário de 350 anos da cidade, foram aprovadas sobretudo por comerciantes locais, mas criticadas por quem frequentava o local antes e depois das mudanças e ambientalistas.

“O alargamento deixou a praia insalubre, tornou o ambiente artificial e muito menos convidativo”, afirma Roberta Ventura, estudante universitária que mora na região da Grande Florianópolis e costuma visitar a praia dos Ingleses durante o verão.

Canal do rio Capivari nos Ingleses que não tem tratamento de esgoto e desemboca no mar

Todo o processo da retirada de areia do fundo do mar e a deposição desse material em outro lugar causa modificações no ambiente, tornando-o mais suscetível a riscos para a ecologia marinha do local e também para quem frequenta as praias alargadas. Até maio de 2023, três praias já passaram por esse processo em Santa Catarina: Ingleses e Canasvieiras, ambas no norte de Florianópolis, e a praia Central de Balneário Camboriú, no norte do estado.

“Com as obras do aterramento, pode-se dizer que por um momento as espécies marinhas que habitam a área movimentada são extintas”, afirma o professor de ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Paulo Pagliosa. Isso ocorre pois a movimentação da draga traz, com a areia, muitas espécies como conchas, mariscos, moluscos e, em alguns casos, até recifes de corais. Com isso, o processo natural de recuperação daquele ambiente se torna demorado. “Não estamos falando de semanas ou meses, mas sim de anos para que as espécies voltem a se adaptar àquele ambiente modificado e voltem a colonizá-lo”, completa. Contudo, é recomendado que a cada cinco anos o “engordamento” seja reforçado.

Além do espaço físico da praia, que sofre alterações com os processos de dragagem de areia e aumento da orla, outro fator que pode ser citado como ponto negativo é a poluição, devido ao aumento no número de frequentad ores. Segundo a Autarquia de Melhoramentos da Capital de Florianópolis (Comcap), em média, 100 toneladas de lixo são retiradas da praia dos Ingleses por temporada — de dezembro a março –, cerca de 25 toneladas por mês.

De acordo com dados publicados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (SMMA), somente nos primeiros meses deste ano, após o período de Carnaval, cerca de 175 toneladas de lixo foram retiradas das praias da Ilha catarinense, com o maior percentual sendo nas praias do norte, aproximadamente 80 toneladas. O número expressivo de resíduos coletados representa um aumento de 20% no total coletado no mesmo período do ano passado e é o maior valor dos últimos cinco anos.

Produção de dejetos na orla da praia dos Ingleses em decorrência das festas de fim e início de ano de 2023 em Florianópolis / Foto: Sergei Tokmakov / pixabay

“Não adianta aumentar o espaço da praia e não estar preparado. Quanto mais pessoas a praia recebe, mais lixo é produzido”, comenta Ventura. De acordo com o site da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF), na tentativa de dar uma solução para a coleta de resíduos, durante a temporada de verão de 2022/2023 o recolhimento passou a ser feito três dias da semana em bairros com maior movimento turístico.

De acordo com o professor Paulo, as obras oferecem riscos também à atividade pesqueira da região e das praias que foram aterradas. “Quando você movimenta aquilo que está no mar, você mexe com nutrientes daquele lugar, modifica aquilo, o que pode acarretar efeitos como a maré vermelha”. Maré vermelha é o fenômeno decorrente da formação de uma espécie de alga, que é danosa a algumas espécies da vida marinha.

Assim como outras praias da Ilha, a praia dos Ingleses é destaque na temporada de pesca da tainha, nos meses de maio a julho. A safra movimenta o comércio local, de Florianópolis, e o comércio internacional, por conta da exportação do pescado, segundo a Federação do Comércio de Santa Catarina (Fecomercio/SC).

De acordo com dados do tainhômetro, da Superintendência de Pesca, Maricultura e Agricultura, da Prefeitura de Florianópolis, somente na temporada de 2022 foram capturadas 144.727 tainhas em 21 praias de Santa Catarina. No ranking de capturas, a praia dos Ingleses aparece na quarta colocação com um total de 9.671 tainhas pescadas, representando 6,68% da quantidade total.

Além das mudanças provocadas no ecossistema marinho, a rotina de moradores e turistas também é afetada pelo alargamento. “Não me sinto segura para entrar na água. Agora tem muitos buracos no solo e não temos mais noção de profundidade, você dá dois passos e de repente afunda”, afirma Julia Lopes da Luz, estudante de arquitetura e moradora dos Ingleses.

Desde o alargamento da faixa de areia da primeira praia de Santa Catarina, o número de ocorrências — queimaduras, afogamento, mortes — registradas têm aumentado. De acordo com dados do boletim da Operação Veraneio da última temporada de verão (2022–223), publicada pelo Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBM/SC), foram registradas 12 ocorrências de afogamento seguido de morte nas praias do estado, sendo três na praia Central de Balneário Camboriú, o que representa 25% do total de casos registrados.

Sinalização representativa de áreas com riscos de buraco na praia dos Ingleses, ao norte de Florianópolis

Já na praia de Canasvieiras, foram registradas pelo CBM/SC quatro ocorrências de afogamentos, duas delas seguidas de morte, durante o período em que ocorriam as obras de extensão da faixa de areia, em 2019.

Em relação à praia dos Ingleses, ainda não há dados gerais pós-alargamento para comparação em relação às ocorrências de temporadas anteriores, pois a obra no local ainda é recente. Houve apenas um registro seguido de morte, um mês após a inauguração.

Outro ponto que vai exigir atenção das autoridades é a manutenção da obra, necessária para acompanhar o movimento da maré depois das modificações e adequar o espaço à segurança dos visitantes. Desde o alargamento na praia de Canasvieiras, turistas que frequentam o local presenciaram momentos de avanço da maré até os deques de restaurantes próximos à orla. “O certo para obras como essa, seria avaliá-las a cada quatro ou cinco anos, dependendo da praia e do ambiente”, afirma Paulo. No caso da praia Central e de Canasvieiras, ambas as obras completam quatro anos desde que foram finalizadas, e estão dentro do prazo de manutenção previsto pelo ambientalista.

Segundo representante da PMF, propostas de manutenção da praia de Canasvieiras vem sendo estudadas. “A manutenção da praia está sendo realizada de forma pontual pela Secretaria de Limpeza e Manutenção Urbana e com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] estamos desenvolvendo um plano de monitoramento costeiro para realizar manutenções necessárias”.

A obra de aterramento da praia dos Ingleses faz parte de um projeto da PMF para “receber mais e melhor os turistas e moradores das praias”. “O alargamento das praias foram essenciais não só para o turismo da região, mas também para comunidade local, comércio e serviços. Além de valorizar a extensão da praia”, afirma a Prefeitura.

Tubulações utilizadas como ferramenta para dragar areia e depositá-la na orla da praia dos Ingleses

Assim como há quem discorde das obras, há aqueles que enxergam como a melhor solução para receber visitantes. “Há um bom tempo não tínhamos mais areia para as pessoas ficarem na praia”, afirma Daniele Novaes, advogada e presidente da Associação de Moradores Renovação Ingleses e Santinho (Amoris).

Antes com uma faixa de areia que continha cerca de 20 metros de extensão até o mar, a praia dos Ingleses, com a finalização das obras, está com aproximadamente 35 metros.

Durante dois meses de obra, a draga Optimus adicionou 12 mil metros cúbicos de areia por dia. No total foram depositados 462 mil metros cúbicos à orla do local, que tem cerca de 4 km de extensão. Com a conclusão da obra, só 2,87 km de faixa de areia foram aterrados.

Para Dany, que mora há 20 anos no bairro dos Ingleses e é frequentadora assídua do local, a obra era necessária. “Antigamente, ficávamos todos espremidos pela extensão da praia e as pessoas acabavam optando por não frequentá-la”. Para ela, a extensão contribuiu no desenvolvimento do bairro, pois “os Ingleses é um dos maiores bairros da ilha, e à medida que crescia a praia diminuía. Agora com o alargamento, temos uma praia que acompanha o bairro”, completa.

O balneário dos Ingleses tem aproximadamente 20,47 km² de extensão territorial, correspondendo a 3% da área da ilha, sendo um dos poucos bairros de Florianópolis a ter um centro próprio. O bairro tem 35 mil moradores, o que corresponde a 6,77% da população total estimada da ilha catarinense e chega a receber mais de 100 mil turistas e visitantes em sua praia durante a temporada de verão.

De acordo com dados da PMF, somente na temporada de 2023, a praia recebeu aproximadamente 109 mil turistas. Um número que está dentro do esperado, uma vez que a estimativa era de aumento para a primeira temporada sem as restrições impostas pela pandemia de Covid-19. A expectativa por parte da Prefeitura é de receber mais pessoas e com mais qualidades nas temporadas de verão futuras. “Ingleses é praticamente um bairro autossuficiente e tem um forte apelo turístico por ser um balneário e o alargamento viabilizou espaços que já não tinham mais areia para receber as pessoas”, finaliza Prefeitura

“Não vale a pena aterrar a praia como uma possível solução de espaço e enfrentar problemas ambientais e até o alagamento de comércio e restaurantes daqui alguns anos”, afirma Paulo.

Aumento na produção de resíduos pelo maior número de pessoas na praia, formação de bancos de areia no mar, falta de tratamento de esgoto, piora da balneabilidade e riscos de desastres ambientais ao longo dos anos. Essas são algumas das consequências provocadas pelas obras de alargamento da praia dos Ingleses, no norte de Florianópolis, em Santa Catarina, que aumentou em 15 metros a largura da faixa de areia, dividindo opiniões de especialistas, moradores e turistas.

Ao custo de R$ 18,8 milhões e a cargo da Secretaria de Transportes e Infraestrutura de Florianópolis, as obras , concluídas em dois meses e inauguradas no aniversário de 350 anos da cidade, foram aprovadas sobretudo por comerciantes locais, mas criticadas por quem frequentava o local antes e depois das mudanças e ambientalistas.

Todo o processo da retirada de areia do fundo do mar e a deposição desse material em outro lugar causa modificações no ambiente, tornando-o mais suscetível a riscos para a ecologia marinha do local e também para quem frequenta as praias alargadas. Até maio de 2023, três praias já passaram por esse processo em Santa Catarina: Ingleses e Canasvieiras, ambas no norte de Florianópolis, e a praia Central de Balneário Camboriú, no norte do estado.

“Com as obras do aterramento, pode-se dizer que por um momento as espécies marinhas que habitam a área movimentada são extintas”, afirma o professor de ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina, Paulo Pagliosa. Isso ocorre pois a movimentação da draga traz, com a areia, muitas espécies como conchas, mariscos, moluscos e, em alguns casos, até recifes de corais. Com isso, o processo natural de recuperação daquele ambiente se torna demorado. “Não estamos falando de semanas ou meses, mas sim de anos para que as espécies voltem a se adaptar àquele ambiente modificado e voltem a colonizá-lo”, completa. Contudo, é recomendado que a cada cinco anos o “engordamento” seja reforçado.

Além do espaço físico da praia, que sofre alterações com os processos de dragagem de areia e aumento da orla, outro fator negativo é a poluição, devido ao aumento no número de frequentadores. Segundo a Autarquia de Melhoramentos da Capital de Florianópolis (Comcap), em média, 100 toneladas de lixo são retiradas da praia dos Ingleses por temporada — de dezembro a março –, cerca de 25 toneladas por mês.

De acordo com dados publicados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (SMMA), somente nos primeiros meses deste ano, após o período de Carnaval, cerca de 175 toneladas de lixo foram retiradas das praias da Ilha catarinense, com o maior percentual sendo nas praias do norte, aproximadamente 80 toneladas. O número expressivo de resíduos coletados representa um aumento de 20% no total coletado no mesmo período do ano passado e é o maior valor dos últimos cinco anos.

De acordo com o site da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF), na tentativa de dar uma solução para a coleta de resíduos, durante a temporada de verão de 2022/2023 o recolhimento passou a ser feito três dias da semana em bairros com maior movimento turístico.

De acordo com o professor Paulo, as obras oferecem riscos também à atividade pesqueira da região e das praias que foram aterradas. “Quando você movimenta aquilo que está no mar, você mexe com nutrientes daquele lugar, modifica aquilo, o que pode acarretar efeitos como a maré vermelha”. Maré vermelha é o fenômeno decorrente da formação de uma espécie de alga, que é danosa a algumas espécies da vida marinha.

De acordo com dados do tainhômetro, da Superintendência de Pesca, Maricultura e Agricultura, da Prefeitura de Florianópolis, somente na temporada de 2022 foram capturadas 144.727 tainhas em 21 praias de Santa Catarina. No ranking de capturas, a praia dos Ingleses aparece na quarta colocação com um total de 9.671 tainhas pescadas, representando 6,68% da quantidade total.

Além das mudanças provocadas no ecossistema marinho, a rotina de moradores e turistas também é afetada pelo alargamento. “Não me sinto segura para entrar na água. Agora tem muitos buracos no solo e não temos mais noção de profundidade, você dá dois passos e de repente afunda”, afirma Julia Lopes da Luz, estudante de arquitetura e moradora dos Ingleses.

Desde o alargamento da faixa de areia da primeira praia de Santa Catarina, o número de ocorrências — queimaduras, afogamento, mortes — registradas têm aumentado. De acordo com dados do boletim da Operação Veraneio da última temporada de verão (2022–223), publicada pelo Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBM/SC), foram registradas 12 ocorrências de afogamento seguido de morte nas praias do estado, sendo três na praia Central de Balneário Camboriú, o que representa 25% do total de casos registrados.

Já na praia de Canasvieiras, foram registradas pelo CBM/SC quatro ocorrências de afogamentos, duas delas seguidas de morte, durante o período em que ocorriam as obras de extensão da faixa de areia, em 2019. Em relação à praia dos Ingleses, ainda não há dados gerais pós-alargamento para comparação em relação às ocorrências de temporadas anteriores, pois a obra no local ainda é recente. Houve apenas um registro seguido de morte, um mês após a inauguração.

Outro ponto que exige atenção das autoridades é a manutenção da obra, necessária para acompanhar o movimento da maré depois das modificações e adequar o espaço à segurança dos visitantes. Desde o alargamento na praia de Canasvieiras, turistas que frequentam o local presenciaram momentos de avanço da maré até os deques de restaurantes próximos à orla. “O certo para obras como essa, seria avaliá-las a cada quatro ou cinco anos, dependendo da praia e do ambiente”, afirma Paulo.

Equipamentos e tubulações utilizados para bombear areia do fundo do mar até a orla da praia dos Ingleses

Segundo representante da PMF, propostas de manutenção da praia de Canasvieiras vem sendo estudadas. “A manutenção da praia está sendo realizada de forma pontual pela Secretaria de Limpeza e Manutenção Urbana e com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] estamos desenvolvendo um plano de monitoramento costeiro para realizar manutenções necessárias”.

A obra de aterramento da praia dos Ingleses faz parte de um projeto da PMF para “receber mais e melhor os turistas e moradores das praias”. “O alargamento das praias foram essenciais não só para o turismo da região, mas também para comunidade local, comércio e serviços. Além de valorizar a extensão da praia”, afirma a Prefeitura.

Assim como há quem discorde das obras, há aqueles que enxergam como a melhor solução para receber visitantes. “Há um bom tempo não tínhamos mais areia para as pessoas ficarem na praia”, afirma Daniele Novaes, advogada e presidente da Associação de Moradores Renovação Ingleses e Santinho (Amoris).

Antes com uma faixa de areia que continha cerca de 20 metros de extensão até o mar, a praia dos Ingleses, com a finalização das obras, está com aproximadamente 35 metros.

Durante dois meses de obra, a draga Optimus adicionou 12 mil metros cúbicos de areia por dia. No total foram depositados 462 mil metros cúbicos à orla do local, que tem cerca de 4 km de extensão. Com a conclusão da obra, só 2,87 km de faixa de areia foram aterrados.

O balneário dos Ingleses tem aproximadamente 20,47 km² de extensão territorial, correspondendo a 3% da área da ilha, sendo um dos poucos bairros de Florianópolis a ter um centro próprio. O bairro tem 35 mil moradores, o que corresponde a 6,77% da população total estimada da ilha catarinense e chega a receber mais de 100 mil turistas e visitantes em sua praia durante a temporada de verão.

De acordo com dados da PMF, somente na temporada de 2023, a praia recebeu aproximadamente 109 mil turistas. Um número que está dentro do esperado, uma vez que a estimativa era de aumento para a primeira temporada sem as restrições impostas pela pandemia de Covid-19. A expectativa por parte da Prefeitura é de receber mais pessoas e com mais qualidades nas temporadas de verão futuras. “Ingleses é praticamente um bairro autossuficiente e tem um forte apelo turístico por ser um balneário e o alargamento viabilizou espaços que já não tinham mais areia para receber as pessoas”, finaliza Prefeitura

“Não vale a pena aterrar a praia como uma possível solução de espaço e enfrentar problemas ambientais e até o alagamento de comércio e restaurantes daqui alguns anos”, afirma Paulo.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC