Brasil registra queda de 10% na vacinação contra HPV

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8 min readMay 3, 2023

Apesar da diminuição, Santa Catarina ainda aparece como um dos estados que mais vacinou

Por Laura Miranda e Luana Goulart

As taxas de vacinação contra o HPV (Papilomavírus Humano) caíram cerca de 10% em um período de três anos no Brasil. Em 2022, a cobertura vacinal da primeira dose do imunizante atingiu 75,91% (17,8 milhões) das meninas entre 9 e 14 anos, deixando de fora cerca de 5,64 milhões de crianças e adolescentes. A segunda dose alcançou apenas 57,44%, ou seja, quase 5 milhões de meninas ficaram apenas com proteção parcial. Entre a população masculina, os dados são mais alarmantes: 52,26% (8,1 milhões) dos meninos receberam a primeira dose, e somente 36,59% (6,8 milhões) completaram o esquema vacinal. A meta estipulada pelo Ministério da Saúde, para cada grupo, é de 80%. Os dados foram divulgados no Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, órgão do Ministério da Saúde, em 16 de fevereiro de 2023.

Esses números representam uma queda significativa em relação aos anos anteriores. Para fins comparativos, o ano de 2019 registrou uma cobertura de 87,08% com a primeira dose da imunização contra o HPV entre as meninas. A população masculina foi imunizada em 61,55%.

Apesar das quedas, o estado de Santa Catarina ainda se destaca entre os que mais imunizaram a população contra o HPV, com a segunda maior taxa de cobertura vacinal em 2022. Foi um dos poucos estados que atingiu a meta de imunização da população feminina com a primeira dose, alcançando 91,27% das meninas. Em relação à segunda dose desse grupo (71,38%) e aos números entre a população masculina — 75,56% da primeira dose e 53,54% na segunda –, os catarinenses não atingiram a meta, mas ainda se destacaram entre os maiores índices. O único estado a ultrapassar as taxas de Santa Catarina foi o Paraná.

Por outro lado, ter maiores taxas de vacinação em relação a outros estados ainda não é o suficiente. “O cálculo para esta vacina é acumulativo, ou seja, considera as doses aplicadas desde o ano da implantação, por faixa etária”, explica Amanda Mariano, da assessoria de comunicação da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive), órgão vinculado à Superintendência de Vigilância em Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina. “Neste sentido, a cobertura vacinal para o sexo feminino é de 71,67% e para o sexo masculino é de 53,89%. Ambas abaixo do preconizado”, completa. Em outras palavras, mesmo o estado brasileiro com a segunda maior cobertura vacinal contra o HPV em 2022 não atingiu os números ideais.

Amanda explica que a vacinação contra o HPV “é a medida mais eficaz para prevenir infecções e atua contra os tipos de HPV mais frequentes (6, 11, 16 e 18), que são responsáveis pelo câncer de colo de útero, verrugas genitais, câncer de pênis, câncer de ânus entre outras doenças associadas”. Essa informação justifica a preocupação gerada pela baixa cobertura vacinal registrada em 2022. O HPV é o vírus responsável pelo maior número de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) no mundo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), ele é o agente infeccioso relacionado ao desenvolvimento de câncer mais comum.

“Vacinação é a medida mais eficaz para prevenir infecções, cânceres no útero, no pênis e no ânus”

A lista de enfermidades causadas pelo vírus é extensa. Além dos citados pelo Dive, o HPV também está relacionado a casos de câncer de cavidades orais, faringe, nasofaringe, amígdalas, laringe, vulva e vagina. Apenas entre a população feminina do Brasil, é o terceiro tumor mais frequente, além de a quarta maior causa de morte de mulheres.

Pensando em formas de melhorar as taxas de vacinação, promover a busca ativa pelos postos de saúde é a melhor delas. “Quem vem, geralmente aceita. O problema é quem não procura nenhuma vacina”, afirma Adriana Santos Neiva, enfermeira do Posto de Saúde do bairro do Pantanal, em Florianópolis. Ela atua diariamente com a aplicação de vacinas, e não percebeu a diminuição na procura pelo imunizante contra o HPV no último ano. Segundo Adriana, essa percepção está relacionada ao protocolo adotado pelos postos de saúde em relação à vacinação infantil. De acordo com o Plano Nacional de Imunizações (PNI), pelo menos 17 imunizantes compõem o calendário vacinal das crianças no Brasil. Quando os pais e responsáveis procuram os serviços de saúde, o procedimento padrão entre os profissionais é o de mencionar quais vacinas ainda devem ser tomadas, e oferecê-las aos pacientes. A enfermeira conta que são raros os casos em que a imunização contra o HPV é recusada.

“O problema é quem não procura nenhuma vacina”

Desinformação

Adriana relata que o período de pouco movimento em busca da vacina contra o HPV foi, na verdade, há cerca de 5 anos. “Ali por 2018, mais ou menos, a gente realmente teve pouca procura e recusa dos pais em vacinar os filhos contra o HPV. Foi quando estavam compartilhando aquelas mentiras sobre a vacina causar paralisia”, lembra.

O impacto da desinformação nas decisões de mães e pais se refletem no fato de não saberem a função da vacina ou, sequer, que possuem filhos com idade dentro do foco de vacinação. A desinformação, no entanto, é apenas um dos empecilhos. Entre os pais, existem aqueles que, mesmo com pleno acesso às informações, não fazem questão de que seus filhos sejam vacinados. “A minha filha mais velha tomou essa vacina na escola. Os mais novos, se tomarem na escola, tudo bem. Mas eu não vou levar [no posto de vacinação]”, expressa Ricardo de Souza, pai de duas meninas de 14 e 10 anos, e de um menino de 6.

No caso do HPV, o desinteresse dos pais em vacinar seus filhos leva ao risco do aumento nos casos de doenças relacionadas ao vírus. Mas esse não é o único cenário. A queda da vacinação está relacionada, também, ao ressurgimento de doenças já eliminadas do território brasileiro. É o caso, por exemplo, do Sarampo, considerado erradicado no Brasil desde 2016. Dois anos depois, o país voltou a registrar novos surtos da doença, e perdeu a certificação de nação livre do vírus. A Poliomielite é outro perigo para a saúde pública nacional. O último caso registrado foi em 1989, mas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a queda na cobertura vacinal coloca o Brasil em alto risco para a reintrodução do vírus. A meta estabelecida pelo Ministério da Saúde é de 95%, mas não é atingida desde 2015. Desde o início da pandemia da Covid-19, essa taxa caiu mais ainda. No último ano, por exemplo, a cobertura foi de apenas 65,6%.

A pandemia alterou toda a rotina de imunização do país, já que nesse período o foco era somente uma vacina. “A pandemia da Covid-19 causou um grande impacto nas ações de imunização”, diz Amanda, da Secretaria de Estado de Saúde, explicando que, por outro lado, esse não é o único motivo da queda nas demais campanhas de vacinação. “A falsa sensação de segurança causada pela diminuição e/ou ausência de doenças imunopreveníveis, movimento anti vacinas, desconhecimento da importância da vacinação, falsas notícias [fake news] veiculadas, especialmente nas redes sociais”, também são fatores que causaram a baixa dos números.

Como forma de tentar reverter esse cenário, Amanda ainda cita estratégias e campanhas que estão sendo colocadas em prática, e que podem ajudar a melhorar os índices nos próximos anos. “Promover ações conjuntas com órgãos públicos e privados, comunicação de forma efetiva com a sociedade e participação comunitária”, elenca ela. Essas atividades buscam favorecer a busca ativa dos postos e centros de vacinação. Uma vez no posto de saúde, mesmo que para outros fins, é possível analisar quais vacinas estão disponíveis no momento para que seja possível oferecê-las. Para facilitar o processo, ainda existem mais algumas medidas: “ampliação do horário de atendimento das salas de vacina, enfrentar a hesitação vacinal (recusa ou atraso em aceitar a vacinação), entre outras”, acrescenta Amanda. Além disso, uma ação já feita em outros anos e que funcionou é a promoção da saúde nas escolas.

Vacinação contra o HPV por estado

Os gráficos divulgados pelo Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI) mostram que boa parte do público-alvo da imunização contra o HPV não recebeu a segunda dose da vacina. A eficácia do imunizante só é garantida com o esquema vacinal completo.

Nenhum estado brasileiro alcançou a meta desejável de 80% de vacinados com as duas doses, nem entre as meninas, tampouco entre os meninos. Apesar da diferença nos números, o Paraná é o estado que mais vacinou os dois públicos, seguido por Santa Catarina, enquanto o Acre teve a menor cobertura vacinal do país — o estado enfrentou uma onda de fake news associando a vacina contra o HPV à epilepsia.

Gráfico expositivo de dados sobre a cobertura vacinal da população feminina contra o HPV por estado. Apenas 8 das 27 unidades federativas do Brasil atingiram a meta para a primeira dose. Nenhuma alcançou a cobertura desejável para a segunda dose. | Imagem: Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Ambiente e Saúde, v.54, n.2, de 16 de fevereiro de 2023.
Exposição dos dados sobre a cobertura vacinal contra o HPV entre a população masculina por estado. Nenhuma unidade federativa atingiu a meta para a primeira ou segunda dose. As maiores taxas de vacinação foram no Paraná e em Santa Catarina. | Imagem: Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Ambiente e Saúde, v.54, n.2, de 16 de fevereiro de 2023.

Histórico e Campanhas

A vacina contra o HPV foi implementada no PNI em 2014, com o objetivo de ajudar no controle dos casos de câncer do colo do útero no país. O público-alvo inicial da imunização era a população feminina entre 11 e 13 anos de idade. De acordo com o Ministério da Saúde, “essa vacina é altamente eficaz nas faixas etárias ainda não expostas ao HPV e antes de iniciarem a vida sexual”.

“A vacina é altamente eficaz nas faixas etárias ainda não expostas ao HPV e antes de terem vida sexual”

No primeiro ano, a campanha atingiu a maior cobertura já registrada, com 89,8% das meninas imunizadas com a primeira dose da vacina. A aplicação da segunda dose, no entanto, já mostrava os indícios da queda registrada nos anos seguintes, já que apenas 49% das jovens fizeram o reforço.

A partir de 2015, o imunizante do HPV passou a compor o calendário das meninas entre 9 e 13 anos. Mas isso durou pouco, já que em 2017 foi notada a necessidade de ampliação desse público. Com o intuito de aumentar as taxas de vacinação, a faixa etária entre as meninas aumentou em um ano, enquanto os meninos também foram adicionados às campanhas, desde que tivessem idade entre 11 e 14 anos.

A ação não obteve os resultados esperados, já que a ampliação do público-alvo não causou uma diferença significativa na cobertura vacinal. Pelo contrário, a vacinação nos anos seguintes continuou em queda. A média nacional da imunização contra o Papilomavírus Humano em 2017 ficou em 48,7%, número que parece alto quando comparado ao ano seguinte: 2018 registrou apenas 13,8% de aplicações da primeira dose, caracterizando o pior ano de vacinação contra HPV desde que passou a compor o PNI.

Sobre a vacinação: Informações acerca da vacina contra o HPV, expostas no calendário vacinal do Posto de Saúde do bairro Pantanal, em Florianópolis, Santa Catarina. As informações estão desatualizadas, já que desde 2022, a faixa etária que deve receber a imunização é a mesma para meninas e meninos. | Imagem: Laura Miranda

O estudo que relacionou o HPV ao câncer do colo do útero é do médico alemão Harald zur Hausen, que, em 2008, recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina. Ele identificou que o vírus estava presente em 98% desses casos. Como a vacina é a forma mais eficaz de prevenir a infecção, a queda nas taxas de vacinação é diretamente responsável pelo aumento nos casos da doença.

Com a queda registrada nos últimos anos, essa consequência já é perceptível nos números. Em 2022, o Inca estimou cerca de 16.710 novos casos de câncer do colo do útero no Brasil. Para 2023, a estimativa é de que sejam registrados 17.010 casos.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC