Campanha nacional “Maio Furta-Cor” alerta para cuidados com a saúde mental materna

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7 min readMay 15, 2023

Mobilização organiza marchas familiares em todo o país, divulgando números como a sobrecarga que afeta mais de um milhão de mães no Brasil

Por Alan Cavalieri

Neste 13 de maio, véspera do Dia das Mães e aniversário de 97 anos da Ponte Hercílio Luz — estrutura que liga a parte Continental à Ilha, em Florianópolis –, mais uma importante ação nacional de saúde mobilizou a comunidade local: o “Maio Furta-Cor”, uma campanha sem fins lucrativos, organizada por idealizadores junto a prefeituras municipais de todo o país. No caso da capital catarinense, a psicóloga de mães, Nicolle Fontanela, é a organizadora da campanha voltada para a saúde mental das mães, que, desde às 9h deste último sábado, fazia a divulgação de dados alarmantes para a necessidade de políticas públicas focadas no acompanhamento psicológico de quem vive a maternidade. A saúde e o bem-estar dessas mulheres são em boa parte afetadas por jornadas triplas de trabalho — emprego, casa e cuidados com o bebê –, desigualdade salarial, abandono e condição de arrimo familiar.

Na última década, mais de 1,7 milhões de mães se tornaram mães solos, tornando-se as únicas responsáveis pela subsistência dos filhos, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Até 2014, segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil totaliza mais de 11 milhões de mães que são inteiramente responsáveis pela educação e sustento dos filhos, sem contribuição dos pais. São situações que colaboram para que três em cada cinco mulheres desenvolvam estresse, ansiedade e depressão na maternidade, de acordo com o levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS). Todos esses dados fazem parte da cartilha de divulgação da “Maio Furta-Cor”.

A sobrecarga materna revelada por esses dados apontou para outra devastadora constatação: a morte de mães, da gravidez ao primeiro ano de vida do bebê, por suicídio. No Reino Unido, por exemplo, onde há investigação sobre o tema, relatórios apontam que o suicídio já é a principal causa de mortalidade materna nesse período. Revelados por Susan Ayers, diretora do Centro de Pesquisa em Saúde Materna e Infantil da City University, em Londres, esses dados divulgados na campanha indicam ainda que, naquele país, 4% das mulheres têm transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) na gravidez. No Brasil, há escassez de dados específicos sobre esses casos. Pesquisa do Observatório Obstétrico Brasileiro, de 2022, indica que 28% das mulheres que morrem durante a gestação, parto e um ano após o parto não são contabilizadas.

Outros números, no entanto, comprovam as dificuldades enfrentadas pelas mães brasileiras. Só em 2021, o país registrou 94.826 registros de mortes maternas, nas suas diversas complexidades. Esses e outros dados podem ser acompanhados no painel de monitoramento da mortalidade materna da plataforma integrada de vigilância em saúde, do Ministério da Saúde.

Marcha “Maio Furta-Cor”, na cabeceira da Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, no sábado que antecede o Dia das Mães, alerta para a importância do debate sobre a saúde mental materna.

Marcha “Maio Furta-Cor”, na cabeceira da Ponte Hercílio Luz, em Florianópolis, no sábado que antecede o Dia das Mães, alerta para a importância do debate sobre a saúde mental materna. Foto: Alan Cavalieri

Entender, acolher e tratar

No evento do dia nacional da ação “Maio Furta-Cor”, na capital de SC, direcionado a toda a comunidade, autoridades estiveram presentes, atentas à pauta da saúde mental das mães. A médica e secretária de Saúde de Florianópolis, Cristina Pires Pauluci, foi uma delas. Como mãe, mulher, profissional da saúde e autoridade municipal, ela alerta que os desafios enfrentados pelas mães são muito parecidos com os de ser mulher: a sobrecarga multifuncional, a busca por ser uma “super-mulher”. O desafio, para ela, é buscar “dar conta de continuar sendo profissional mulher, e agora mãe também”. Esse período da vida da mulher, que coloca a maternidade como o único atributo da pessoa, acaba se tornando muito difícil de ser alcançado, segundo a psiquiatra Claudia Carioni, de 43 anos, que pesquisa a saúde materna e da mulher. A profissional pontua que a gravidez provoca transformações para além do físico, alterações mentais e emocionais que favorecem o surgimento de doenças psiquiátricas. “O acolhimento e tratamento é importante. Entender, acolher e tratar essa mãe é o essencial”.

Mas isso não é uma realidade para todas as mães do Brasil, a maioria não pode contar com rede de apoio, tampouco possui condições socioeconômicas para acompanhamento psicológico. “O principal problema enfrentado nas comunidades mais vulneráveis da Capital é que as mães precisam chefiar a família, e não podem estar tão presentes na rotina do filho. É por conta desse contexto que as políticas públicas de saúde mental materna, políticas públicas e sociais são primordiais”, afirma Bruno Becker, 42 anos, coordenador do projeto Bairro Educador, da Secretaria Municipal de Educação. O projeto ajuda crianças de comunidades periféricas de Florianópolis, entre elas o Morro da Mariquinha.

A contadora, Paloma Brandão, de 30 anos, faz terapia e defende o acesso do atendimento psicológico para todas as mães. Ela afirma que a terapia é o principal elemento de sua saúde mental. “Me faz entender que está tudo bem ter um momento de pausa para fortalecer as relações com nós mesmos”, afirma, acrescentando que “nem todo mundo pode fazer terapia, mas ter uma rede de apoio é uma alternativa”.

Paloma estava na marcha com o filho Bernardo, de um ano, e o marido, Luiz Gonzaga, de 54 anos. A família procura romper uma cultura histórica de sobrecarga de trabalho direcionada às mulheres e que exime os homens da responsabilidade em relação às tarefas cotidianas com os filhos e atividades domésticas. Para Luiz, “é um eterno aprendizado, o importante é deixar a cabeça aberta”. Ele diz que “entende a maternidade e a paternidade como uma função que precisa ser igualmente compartilhada”.

Outra mãe presente na marcha é a Paola Chaves, 33 anos, que teve duas experiências com a maternidade: em uma, contou com rede de apoio e, em outra, enfrentou mais dificuldades. Paola estava na mobilização ao lado do filho Daniel Chaves, de 15 anos, que a ajudava com o carrinho da outra filha mais nova, Maria Eloá, de quatro meses. Daniel, hoje mais alto que a mãe, recorda de quando era menor e via a mãe saindo para trabalhar, estudar e não conseguir ficar tanto tempo com ele. Mãe-solo na criação de Daniel, hoje a situação é diferente. Seu atual esposo, o engenheiro civil, Josiel da Silva, de 40 anos, que também estava presente na marcha, incentiva a esposa a fazer terapia e não abre mão de reconhecer suas responsabilidades com a criação de um filho. Entre os amigos, ele diz que procura naturalizar nas conversas do dia a dia tudo o que faz em casa, como parte da responsabilidade dele.

O médico, Thiago Silveira Pereira, de 39 anos, estava passeando de bicicleta com a filha Marina, de três anos, quando se deparou com a concentração e resolveu parar. Não sabia da campanha, nem da marcha, mas resolveu ficar, por reconhecer a importância do alerta sobre a saúde mental da mulher e das mães. Ele confessa que, às vezes, deixa “um pouco a desejar”. Diz que a própria criança recorre mais à mãe do que ao pai. A alternativa que ele encontrou para equilibrar isso foi sair mais com a filha dele “para ter o momento de pai e filha e proporcionar um momento de paz e autocuidado para a mãe”.

Fátima Barbosa, de 61 anos, tem dois filhos, um de 28 anos que mora em Porto Alegre (RS), e uma de 30 anos, que vive em São Paulo (SP). Ela diz que, para criar os filhos de uma forma saudável, a mãe tem que estar bem. Sempre fez atividade física, teve boa alimentação, trabalhou e tentou equilibrar a educação dos filhos com as tarefas da rotina dela. Mas essa não é a realidade de 25% das mulheres que sofrem com depressão perinatal na maternidade, segundo o Ministério da Saúde. Assunto tabu entre as mães entrevistadas pelo Zero, para boa parte delas, além da rede de apoio, acredita que uma das saídas é praticar atividades que empoderem a força da mulher, porque “elas são pessoas, além de mães”.

A professora licenciada de dança materna, Nassandra Couto, de 39 anos, o marido Rafael Couto, de 38 anos, e o filho deles, Miguel, foram à marcha com sorrisos no rosto. Era hora da aula de dança promovida pela marcha. Nassandra, que tem familiaridade com o tema, alerta que a dança materna pode ajudar a elevar o prazer, dar leveza e sentido para esse período da maternidade. E ressaltou que se engana quem acha que essa é uma atividade apenas para as mamães. Rafael diz que é uma atividade que pode ser realizada também em dupla, pelo casal.

A professora de Educação Física, Dalcimara Cavalheiro, contratada para animar os participantes do dia nacional da campanha em Florianópolis, esteve no evento acompanhada da mãe, Dona Jandira, de 63 anos. Criada apenas por ela, diz que a mãe “fez tudo sozinha, mas com apoio de irmãs e de tias”. Ela passou bem por esse período, pois tinha uma rede de apoio para ajudar”. Mas Dona Jandira faz um alerta: a cobrança, às vezes, vem dos filhos. Frases como “se eu to aqui é porque tu quis” podem machucar, pois são “várias as adversidades dos acontecimentos ao longo da criação dos filhos”. Dona Jandira diz que sempre trabalhou e que é importante ter uma vida ativa, pois “os filhos crescem e vão embora”.

Mães no trabalho

“As empresas privadas precisam de maior conscientização e humanização quando se trata de mulheres grávidas, mães que amamentam”, afirma a assessora de Políticas da Prefeitura de Florianópolis, Andrea Vergani. Os dados mostram que mais de 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho no Brasil devido à sobrecarga das tarefas de cuidados não remunerados, em 2020, segundo Pnad-Contínua, do IBGE.

Marilice Baldi, de 33 anos, estava na marcha como representante de um banco que apoia o “Maio Furta-Cor”. Ela diz que o suporte das empresas junto às mães é uma das principais ações para facilitar a dupla jornada dessas mulheres, e recomenda que ocorram mais eventos que integrem elas e os filhos no fim de semana. A marcha do “Maio Furta-Cor” atraiu até mesmo mães que não sabiam da campanha, pais que passavam pelo local e jovens que ainda não têm filhos.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC