Conquistas de jovens catarinenses no xadrez ganham destaque nacional

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7 min readJul 19, 2023

Com jogadores de até 20 anos, Santa Catarina fica em primeiro lugar no quadro de medalhas

Por Laura Miranda (lauracanarindemiranda@gmail.com) e Luana Goulart (luanargoulart02@gmail.com)

Santa Catarina foi a grande campeã do Campeonato Brasileiro de Xadrez, realizado em Natal, no Rio Grande do Norte, entre os dias 3 e 7 de maio. A competição ocorreu durante o Festival Nacional da Criança (Fenac) e Festival Nacional da Juventude e Juvenil (Fenaj), e contou com jogadores de 6 a 20 anos de idade. A delegação catarinense formada por 55 jovens, somou 20 medalhas de ouro, 18 de prata e 12 de bronze ao longo do torneio.

Tabela de resultados do Fenac-Fenaj de 2023. Santa Catarina ficou em primeiro lugar com um total de 50 medalhas, sendo 20 de ouro | Imagem: Laura Miranda

Kim Paul Mariani, 9 anos, natural de Florianópolis, conquistou o primeiro lugar na categoria Sub-10 do torneio Pensado, também chamado de Clássico, e considerado mais difícil. Outras duas formas de competição, o Blitz (modalidade em que cada lance deve ser completado no tempo fixo de 10 minutos ou menos) e o Rápido (em que os competidores devem completar seus movimentos em até 60 minutos), fecham o circuito do festival Fenac-Fenaj. Kim levou, respectivamente, a prata e o ouro nessas competições. O Pensado, por apresentar maior grau de dificuldade, costuma ser o mais valorizado entre os enxadristas. É o que confirma Liziane Vicenzi, jornalista, doutoranda em Educação, e jogadora profissional de xadrez. “A gente valoriza mais, digamos assim, o campeão do Pensado. Os outros também, sim, são campeões brasileiros se ganharem o Blitz e o Rápido, mas o Pensado seria o mais difícil”.

Kim joga xadrez desde os três anos de idade. Filho de Amanda Paul Dull e Daniel Brandão Mariani, dois grandes enxadristas da capital catarinense, ele é, atualmente, atleta contratado da Associação de Xadrez de Joaçaba. Em 2020, pouco antes de completar 6 anos, Kim conquistou o título de Mestre Nacional pela Confederação Brasileira de Xadrez (CBX). O pequeno enxadrista também foi campeão catarinense Sub-10 em 2023, além do terceiro colocado no Pan Americano Sub-8, em 2022.

Além de Kim, Lucas Henrique Ye Flesch também representou Santa Catarina entre os enxadristas Sub-10 no Fenac-Fenaj. Ele ficou em quarto lugar do Pensado, mas conquistou a medalha de prata no Rápido e a de bronze no Blitz. Nesse mesmo festival, em 2022, os dois jovens catarinenses já haviam sido destaque. Na época, ambos disputavam nas categorias Sub-8, e dividiram todos os prêmios. No Blitz, Kim foi campeão, e Lucas ficou na terceira colocação. Já no Rápido, Lucas foi o primeiro colocado, deixando Kim como vice-campeão, posições que inverteram no Clássico, quando o filho de Daniel Brandão conquistou o ouro e seu colega ficou com a prata.

Kim Paul Mariani, campeão da categoria Sub-10 no festival Fenac-Fenaj. Ele conquistou o ouro nas modalidades Clássica e Rápida, e foi vice-campeão no Blitz. Imagem: Reprodução/Instagram

Entre as meninas representando Santa Catarina no Sub-10, em 2023, Agata Papini Trentini ficou em primeiro lugar na modalidade Blitz e em terceiro na Rápida. Já Maria Eduarda Mazzaroppi Lisboa e Sophia Parisotto Seara conquistaram o pódio da categoria de xadrez clássico. Elas ocuparam, respectivamente, a segunda e a terceira posição.

Para conquistar esses resultados é necessário muito treino e dedicação desde cedo. Leandro Valentim, professor de xadrez das categorias de base de Curitibanos, explica que os métodos são diferentes dependendo do objetivo que cada um quer alcançar com as aulas. “De modo geral, o treinamento para competições é voltado para o rendimento, focado no desenvolvimento da capacidade de cálculo, análise e avaliação”, revela. Já o xadrez escolar trata das noções básicas da modalidade, como a movimentação das peças, por exemplo.

Benefícios na infância

“Hoje percebo que, se não fosse o xadrez, eu teria muitas dificuldades de raciocínio e até mesmo de interesse pelo mundo como um todo”, declara Marco Aurélio da Silva Júnior, 23 anos, que entrou para o mundo do xadrez aos 13 anos de idade. Ele conheceu o esporte ainda no colégio, quando entrou na sala errada para fugir das aulas de Matemática. O interesse, no entanto, foi genuíno. Em menos de um mês, Marco já participava de seu primeiro campeonato. Atualmente, por falta de tempo, ele diz “estar parado” em sua carreira como enxadrista, mas, quando ainda era adolescente, participava de dois a três campeonatos por mês. Sua rotina de treinamentos era intensa. Marco conta que, até 2017, quando disputava competições de base, chegava a treinar durante oito horas por dia. Essa atividade incluía desde a análise de partidas até leituras sobre o esporte.

Para Marco, o xadrez representou muito mais do que o desenvolvimento das habilidades de raciocínio. Formado em Jornalismo pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb), conseguiu completar seus estudos graças ao projeto de incentivo ao esporte amador da faculdade. Trata-se de um programa de bolsas oferecidas a alunos que integram equipes esportivas, criado em 1999, por uma parceria entre a Furb e a Fundação Municipal de Desportos (FMD) de Blumenau. Inicialmente, o objetivo era apoiar os times de vôlei feminino, mas acabou se estendendo para outras modalidades de esportes. Ele oferece bolsas para estudantes da graduação e do ensino médio, e Marco foi beneficiado com as duas. “Basicamente me oportunizou crescer na vida”, resume.

João Vitor Ventura é outro enxadrista que conheceu o esporte ainda na infância. Ele foi apresentado ao xadrez aos 7 anos de idade, por meio de um projeto da escola que oferecia aulas de diversas modalidades para os alunos. Eram ofertadas oficinas de violão, teatro, canto e capoeira, e ele foi incentivado pela mãe a participar de todas. Seu interesse, entretanto, foi pelo esporte mental. Com vontade de aprender e ter bom desempenho em campeonatos, João sente que a falta de treinamento foi o maior empecilho para sua trajetória no esporte. Ele frequentava as aulas duas vezes por semana, mas, poir serem voltadas para iniciantes no xadrez, não motivavam sua participação. “Essa falta de treino foi um baita impeditivo que fez com que eu não chegasse a um nível maior do que eu cheguei”, reflete.

Mesmo assim, João destaca a influência do xadrez em sua formação pessoal. “O xadrez me ensinou a ser observador e a ficar calmo em situações de pressão, para pensar racionalmente”, explica. Ele ainda acrescenta: “com o xadrez, eu saía de casa quase todo fim de semana para participar de torneios e amava isso, era divertido e eu fiz vários amigos nesses campeonatos, além de viajar pelo estado todo.”

A autoconfiança gerada pelas vitórias em campeonatos e seu bom desempenho também são mencionadas por João como impactos do xadrez em sua vida. “Me fazia sentir mais confiante, já que eu era um dos melhores do colégio e do município naquilo”, diz. Ele ainda atribui ao esporte o desenvolvimento de sua capacidade lógica e desempenho nos estudos. João explica que o tempo jogando xadrez oensinou a sentir menos fadiga mental. A melhora na concentração e capacidade de raciocínio que tanto Marco quanto João citaram é discutida e estudada. Arthur Guerra, professor na Faculdade de Medicina da USP e na Faculdade de Medicina do ABC, além de cofundador da Caliandra Saúde Mental, é um dos especialistas que fala sobre os benefícios do xadrez para a saúde mental das pessoas. Seus estudos inspiraram o evento Chess for Mental Health (Xadrez para a saúde mental, em português), que aconteceu em março de 2022, na França. Entre vários assuntos, foi debatido o uso do esporte em tratamentos com crianças com Transtorno do Espectro Autista. Para obter esses benefícios, as crianças já podem ser apresentadas ao xadrez desde muito novas. É o que explica Leandro. “A partir dos dois anos, os pais podem aproximar a criança dos elementos do jogo, como peças e tabuleiro, mas sem focar em regras complexas”. Leandro afirma que costuma dar aulas com todas as regras do xadrez para crianças de pelo menos seis anos. “Nessa idade as crianças já têm uma melhor compreensão de regras simples e lidam melhor com situações de ganhar e perder”. Ainda sobre os benefícios, o professor aponta as lições práticas que o esporte traz para a vida das pessoas, “O principal é não desistir, se recusar a perder e se esforçar ao máximo para encontrar soluções que resolvam o problema daquele momento”.

João Vitor, com a perspectiva de quem foi apresentado ao xadrez durante a infância, sentiu isso na prática. Explicando sua vivência, João afirma que o xadrez chegou em sua vida no momento certo. “Se fosse mais cedo, talvez eu não me interessasse e também não tivesse sequer capacidade mental para me desenvolver tanto no esporte. Mas, se fosse mais tarde, talvez muitos dos benefícios que citei não chegassem, ou chegassem em menor escala”, diz.

Histórico catarinense

Em Santa Catarina, sociedades como o Clube 12 de Agosto, Associação Atlética Barriga-Verde, Clube de Xadrez do Centro Acadêmico 11 de Fevereiro, Clube de Xadrez de Blumenau, Clube de Xadrez de Rio do Sul e Clube de Xadrez de Joaçaba se uniram e formaram uma entidade especializada. A Federação Catarinense de Xadrez (FCX) foi fundada em 16 de agosto de 1953 e possui sede, foro e domicílio em Florianópolis. Além de obter um órgão próprio para o esporte, Santa Catarina ainda coleciona resultados expressivos no cenário nacional, principalmente nas categorias escolares. No último Brasileiro de Xadrez Escolar, que aconteceu em setembro de 2022, as crianças catarinenses conquistaram 16 medalhas. Sete delas são de ouro, três são de prata e as outras seis são de bronze.

Atualmente, a FCX conta com 17 clubes regularizados junto à federação. O calendário segue cheio de eventos importantes até o final do ano, como os Joguinhos Abertos de SC em julho, os Jogos Escolares de Santa Catarina (Jesc) em agosto, a Olesc em setembro e os Jogos Abertos de Santa Catarina (Jasc) em novembro.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC