Cultura ballroom ganha espaço na capital catarinense

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4 min readNov 3, 2023

Aulas abertas na UFSC possibilitam reconhecimento e troca de afeto entre pessoas da comunidade LGBTQIAP+

Jéssica Schmitt (jessica_schmittsilva@hotmail.com)

Com um andar que lembra as modelos nas passarelas, as mãos dançando próximo ao rosto e as pernas se movimentando de uma maneira cadenciada e única, Bricx, uma mulher cis negra, atrai olhares curiosos na tarde de uma segunda-feira, no “Varandão” do Centro de Comunicação e Expressão (CCE), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela performa os passos de uma coreografia de voguing — uma das partes da cultura ballroom que reúne pessoas diversas com interesses e afinidades em comunidade.

A dança ballroom ganhou espaço em Florianópolis com a Casa das Feiticeiras como precursora. “Os primeiros treinos eram feitos no Espaço Arco-íris [no Centro de Florianópolis], em 2017 e 2018, e era horrível. Era um espaço cedido. Não era voltado para dançar”, conta Theo Feiticeira, uma das integrantes há mais tempo na casa. Mas a cultura ballroom não é recente. De acordo com o acervo do jornal Correio Braziliense, ela tem origem nos anos 1960 e auge depois da década de 1970, com a população LGBTQIAP+ negra e latina, moradora de bairros da ilha de Manhattan e de cidades próximas a Nova Iorque, nos Estados Unidos.

No Brasil, a cena ballroom ganhou força em 2015, com a criação da Casa House of Hands Up, em Brasília. Mas o senso de comunidade e reunião, característico dos membros das casas, já tinha registros no início do século XX com a população negra e latina LGBTQIAP+, de acordo com a reportagem “Let’s have a kiki: vivências de integrantes no surgimento da primeira house de cultura ballroom do Sul do Brasil”, de Guilherme Tomazoni Felipe, apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no curso de Jornalismo da UFSC.

No sul do Brasil, atualmente, existem três casas principais: Avalanx, em Curitiba; a Casa das Feiticeiras, primeira casa do sul do país, em Florianópolis; e a Casa Índigo, em Joinville (SC). A Casa das Feiticeiras possui mais de quatro mil seguidores no Instagram (@casadasfeiticeiras), mas o caminho foi longo até aqui. Caê, transmasculine e aluno do atual Father (Pai) da Casa das Feiticeiras, Izzhy, afirma que o ponto inicial para o crescimento e disseminação da cultura ballroom em Florianópolis, para ele, foi uma das primeiras apresentações ballroom, em 2021, na Maratona Cultural. “A partir daí [apresentação de 2021] surgiram diversas outras apresentações. Se for comparar de 2021 para cá, cresceu demais”. E acrescenta que “esse ano já teve outra ball na Maratona Cultural, que foi maior ainda, no palco principal. Dá para ver o crescimento do movimento”.

Em uma hora de treino — entre brincadeiras, risadas e conversas paralelas –, todos sabem de cor a coreografia. As pessoas saem leves, sorrindo, como se não existisse preocupação enquanto estão dividindo aquele momento. “Só de alguém ir numa ball e ver esses vários corpos diferentes se expressando, de maneiras tão distintas, a pessoa se sente colocada em um lugar de existência. Para mim, especificamente, é bem importante porque foi uma porta de entrada para eu me conhecer, para eu conseguir me entender como uma pessoa não binária”, explica Theo, não binário e branco.

Historicamente, as Casas, locais onde também ocorrem as apresentações e aulas, vão muito além de um local de performances. Para Theo, “a cena ballroom não é só dança, não é só voguing, é os encontros, os momentos”. Railson, homem trans e negro, que está há um ano no meio, concorda. Para ele, os encontros e aulas de ballroom e voguing também ocupam um local de importância em sua vida. “Não é só dança, é lar. É sobre você se sentir bem ali no seu espaço, é sobre você estar mais feminino, mais masculina. Ser o que você é, da forma que você é sem ser julgado por isso. Isso é ballroom e voguing. Isso salvou a minha vida”.

Agora, além do espaço das casas, os envolvidos também ocupam espaços públicos para que esses momentos sejam mais acessíveis. Brixs, integrante da Casa Índigo, de Joinville, no meio há quase um ano, estava passando a coreografia no dia em que a equipe do Zero assistiu a aula. Segundo ela, “a intenção é compartilhar conhecimento, porque é uma troca entre as pessoas. Toda semana a gente tá promovendo para chamar pessoas que estão na cena [ballroom], tanto quem já tem carreira consolidada e quem está caminhando, porque o intuito é fazer isso acontecer e não deixar a cena morrer”.

Brixs em uma performance de ballroom. Acervo pessoal | Foto por Yan Soares (@bordaluzsombra).

As aulas acontecem todas às segundas e terças-feiras no Varandão. Nas segundas, o treino é puxado pelos transmasculines — pessoas que se identificam com o gênero masculino –, e nas terças-feiras as aulas são oferecidas pela Casa das Feiticeiras e pela Casa Índigo. Foi assim que Mat, estudante de Design da UFSC, aproximou-se dos balls. “Teve um ball no Centro de Eventos [da UFSC] que a galera organizou e eu fiquei muito feliz. Depois, eu vi um post no Instagram da Casa das Feiticeiras falando que ia ter treino toda semana. Eu vim no primeiro e nunca mais parei. Estou muito feliz de estar sendo abraçado pela cena daqui”.

Aula pública e gratuita de ballroom na UFSC | Fotografia por Jéssica Schmitt.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC