Dois meses depois, maior galeria de céu aberto da UFSC continua a ser pintada

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5 min readJul 13, 2023

Uma arte sempre em construção: o grafite e seu estado efêmero

Por: Adriana Schmidt e Hillary Marcos

Painel assinado por “Rica de Lucca” dá vida às antigas paredes cinzas do CCE | Foto: Adriana Schmidt

Uma arte sempre em construção

O semestre chega ao fim, mas a extensão do projeto “Design UFSC convida” não. Iniciado oficialmente nos dias 29 e 30 de abril com mais de 100 pessoas, entre artistas urbanos regionais e estudantes da UFSC no Centro de Comunicação e Expressão (CCE), a galeria ainda é pintada, e até mesmo modificada ao longo do tempo. O grafite é perecível ao tempo e às circunstâncias uma vez que esse tipo de obra não possui proprietário e nem vigia. “A gente sabe que o grafite é uma doação passageira, todo artista sabe que a partir do momento que colocou a sua arte nas ruas alguém pode interagir com ela de alguma maneira, também pode ser apagada ou sofrer alterações. Quando o artista doa a sua expressão e sua arte para aquele ambiente, ela não é mais dele, ela é da comunidade”, afirma Mariana Piccolo, que também deixou a sua marca na universidade.

Dois meses depois do evento oficial do projeto “Design UFSC Convida”, diversos artistas ainda concluem suas obras pelas paredes do CCE. Foto: Adriana Schmidt

Arte no ambiente acadêmico

Para o artista que também participou do evento, João (35), conhecido com o nome artístico “Vejam”, o grafite é um grito de liberdade. “Significa resistência e persistência para contestar a sociedade e os padrões impostos pelo sistema econômico capitalista”.

Grafiteiro há 23 anos, ele entende que, “para a periferia, a arte, a música e as expressões culturais, como o movimento hip hop onde o grafite está integrado, possuem ainda mais força”.

Um dos painéis pintados no CCE | Foto: Adriana Schmidt

Sari, uma das organizadoras do evento e estudante de Design, acredita que a universidade é um espaço de aprendizagem e interação. “Como o nome já diz ‘Centro de Comunicação e Expressão’, deveria ser suporte e berço de iniciativas e ações como essa, que promovem e propõe intercâmbio cultural, liberdade de criação e expressão”, afirma a grafiteira.

A estudante critica a falta de disponibilidade da universidade para investir em iniciativas voltadas à arte. “Deveriam disponibilizar recursos para viabilizar esse tipo de evento. Além de revitalizar o espaço, a ação traz autoestima e aproxima a cultura local à academia, isso fortalece vínculos”. Isto porque os recursos para a realização do evento no CCE, como tinta, escadas e equipamentos, foram arrecadados de forma online e com doações da comunidade, por meio da iniciativa dos próprios artistas e alunos.

Cada um dos quadrados foi pintado por um artista do grupo “Cola na ilha”.| Foto: Adriana Schmidt
Parede destinada à pintura das crianças. CCE | Foto: Adriana Schmidt

O grafite brasileiro (r)existe

Assim que desembarcou no Brasil, na década de 1970, o grafite era estigmatizado, por estar muitas vezes ligado ao ato de pichar, ao vandalismo e à noção de destruição da via pública.

“Basicamente o grafite e a pichação são movimentos que surgiram juntos. Mas por termos de legalidade e de aceitação hoje a gente os trata como movimentos paralelos, que se convergem e conversam. Então acabamos considerando o grafite como algo mais elaborado, com mais cores, com mais detalhes. Até porque para elaborar isso precisa ter tempo, e às vezes tu faz uma pichação por não ter esse tempo”, explica Adriel Giovanella de Souza (27), também conhecido como Zack, que participou do evento no CCE e já pintou vários espaços pela grande Florianópolis.

Influenciado pela cultura estadunidense, foi em meio a um período marcado por censura provocada pela ditadura militar, que grafiteiros viram na arte de rua uma linguagem para denunciar a opressão e a condição desfavorecida vivida por uma minoria a qual tentavam voz.

E assim segue até hoje, apesar de ser visto por muitos como “poluição visual”, a arte urbana vive. “O grafite é uma das formas de expressão artísticas mais lindas que tem porque é quando os excluídos podem alcançar esses locais urbanos e se expressar”, afirma Mariana Piccolo, grafiteira e estudante de Design da UFSC.

Política municipal de arte pública?

A cidade de Florianópolis é uma das capitais pioneiras no que diz respeito à adoção de políticas para a inserção de obras de arte no espaço público. Em 1989, foi criada a lei municipal que autoriza a implantação de obras de arte nas edificações, dando um incentivo de 2% nos custos de construção para edificações acima de mil metros quadrados, segundo dados da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF). Mas, na prática, nem tudo são flores e a burocratização da arte urbana é um tópico sensível entre grafiteiros e artistas de rua.

Arte de “Catelzera” no CCE| Foto: Adriana Schmidt

“O grafite na sua essência é o graffiti vandal (sem autorização), no qual o artista se apropria do espaço urbano. Porém, existem espaços em que devem ser respeitadas as burocracia, para assim desmistificar e aproximar o grafite, ganhando espaço e quebrando estereótipos”, relata Sara Duarte, artista e organizadora do evento “Design UFSC Convida”.

Sara se refere ao fato de o graffiti ter nascido com a premissa de dar voz aos oprimidos e ser uma forma de protesto não autorizado. Entretanto, seja por desconhecimento ou preconceito, a arte urbana ainda é vista por muitos como vandalismo e destruição da via pública, o que levou muitos artistas a entrar em um consenso com órgãos públicos para o planejamento de intervenções artísticas na paisagem urbana.

O artista “Fet” constrói seu projeto de arte no CCE. Foto: Adriana Schmidt

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC