Eternos temporários: ser professor ACT em SC é trabalho árduo e desigual
Mais baratos para o governo, são maioria entre os professores do estado, têm bem menos direitos e enfrentam instabilidade
Por Yolanda Cardoso
A estabilidade de um emprego público tem se tornado um sonho cada vez mais distante para muitos educadores em Santa Catarina. Dos 45 mil professores na rede estadual de SC, mais de 26 mil — cerca de 65,8% –, são Admitidos em Caráter Temporário (ACT). O último concurso público para a contratação de professores como servidores do governo estadual ocorreu seis anos atrás, em 2017, quando os temporários representavam pouco mais de 47% da categoria. O concurso tinha validade até 2021, mas devido à pandemia, o ex-governador Carlos Moisés (Republicanos) estendeu o prazo em dois anos, o que permitiria novas contratações. Porém, o atual governador Jorginho Mello (PL) publicou no Diário Oficial do Estado, no final de abril, que não serão realizadas chamadas de concursos vigentes até 1° de maio de 2024. Ele declarou também que não realizará novos concursos neste ano. Ambas as decisões, segundo ele, ocorrem por “falta de verba”.
De fato, manter professores temporários é mais barato do que pagar concursados, como relata a professora doutora em História Tereza*, de 52 anos. Segundo ela, o salário é injusto diante de sua formação. O vencimento recebido por um professor ACT em jornada de 40 horas semanais é de R$3.600,00, o equivalente ao vencimento de um professor efetivado com apenas especialização no início da carreira. Professores que trabalham menos horas recebem frações desse valor. Se fosse efetivada, ela receberia no mínimo R$6.330,00. “O salário não é digno”, afirma Tereza, que também ironiza achando o fato de ser exigida uma pós-graduação para ocupar determinado cargo, “mas isso não serve para sua remuneração”. Para os ACTs, não há um plano de carreira e nem salário proporcional à formação. Além disso, os contratos com as escolas são renovados anualmente e não cobrem o mês de janeiro, deixando-os um mês sem salário.
As únicas formas para a renda de um professor temporário subir são o aumento do piso salarial da categoria ou recorrer a mais de um emprego. É o caso da professora de Filosofia Daniela*, de 29 anos, que depende de uma segunda fonte de renda — como bolsista no doutorado –, para se sustentar. “É muito comum a gente trabalhar com professores que são revendedores, motoristas de aplicativo, ou trabalham como professor particular”, afirma a docente. De acordo com ela, isso também ocorre pela dificuldade em conseguir aulas em número suficiente para trabalhar, especialmente nas disciplinas que têm menos carga horária na grade curricular. “Já estive com colegas que trabalhavam em seis escolas diferentes para conseguir uma carga horária de 20 horas semanais”, atesta. A professora de Artes Sofia*, de 31 anos, ainda diz que devido à renovação dos contratos, os professores mudam de escolas e turmas anualmente. “Tenho vários amigos que não conseguem na primeira chamada, ou que depois pegam em uma escolar longe da sua casa, pois é o que tem.”
Segundo os professores entrevistados pelo Zero, um dos fatores que agravou a situação dos ACTs foi o Novo Ensino Médio, que com os itinerários formativos, também chamados de trilhas, mudam a proporção de disciplinas. “Agora, para eu conseguir fazer 40 horas, ou vou pegar muitas turmas, ou pegar várias escolas”, diz Sofia. “Eu consegui pegar duas turmas só de trilhas do Novo Ensino Médio esse ano, e nessa trilha específica tem três aulas de Artes. Consigo fazer seis aulas com só duas turmas. Mas no geral não é assim. É um achado”, esclarece.
Apesar do “achado”, ela ainda trabalha em duas escolas para conseguir fechar a jornada de 40 horas. Segundo dados do governo de Santa Catarina, dos mais de 26 mil professores ACTs, 4.394 trabalham em mais de uma instituição de ensino, o que representa cerca de 16,5% dos docentes. Muitos estabelecimentos, inclusive, são distantes uns dos outros. A Secretária de Trabalhadores em Educação Admitidos em Caráter Temporário do Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado de SC (Sinte/SC), Elivane Secchi, questiona o valor informado pelo Estado: “acredito que há bem mais que 16,5%”. Os professores entrevistados também questionaram este dado. O Secretário de Educação de Santa Catarina, Aristides Cimadon, foi procurado para confirmar esse dado, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Além do salário, os professores temporários não têm todos os direitos trabalhistas garantidos como o de seus colegas efetivados. Enquanto os docentes efetivos têm direito a aposentadoria como servidores públicos, ACTs são enquadrados como contribuintes do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Caso precisem se afastar do trabalho por motivos de saúde, os efetivos podem ficar até três dias sob atestado sem requisitar perícia. Já ACTs têm direito a apenas dois dias e, em caso de falta sem justificativa médica, mesmo que só em uma das escolas, o Cadastro de Pessoa Física (CPF) do professor é bloqueado, impedindo que volte a dar aulas por um ano. O direito a acompanhar um filho para ida ao médico, aprovado na lei federal n° 13.257 de 2016, também é negado aos temporários pelo governo de SC. “Eles não nos dão. Isso é só para efetivo”.
O projeto de lei 408 de 2021, proposto pela deputada estadual Luciane Carminatti (PT), estenderia esse direito ao acompanhamento, mas no momento ele segue arquivado. Os professores ACTs enfrentam muitas dificuldades e têm tido poucas conquistas. Na última assembleia do Sinte/SC, realizada em abril, mais de cinco mil professores aprovaram entre suas demandas a exigência de um novo concurso. Para Daniela, os concursos são importantes, mas não são o suficiente, pois “o trabalhador temporário sempre vai existir, mesmo que a maioria seja concursado”, afirma. “É preciso aumentar a igualdade entre aquele que passou e o que não passou no concurso”, concluiu.
*Nome alterado por solicitação da fonte