Exercícios em grupo ajudam a criar vínculos depois dos 60 anos

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8 min readDec 12, 2022

Programas da Prefeitura de Florianópolis e da UFSC oferecem aulas orientadas de dança, ioga, ginástica e caminhada com resultados satisfatórios

Por Gabriela Pineda

Mais de 1,5 milhão de pessoas idosas vivem com depressão no Brasil. Existe uma prevalência de casos na faixa etária de 60 a 64 anos — 13,4% dos brasileiros com a doença são pessoas idosas, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019. Apesar de ser a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 25 anos, como apontam os relatórios mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença acomete pessoas de todas as idades, com alto índice na população acima dos 60 anos.

Para não fazer parte das estatísticas, muitas pessoas desse grupo têm aderido à prática regular de atividades físicas. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2015), realizada pelo IBGE, mostram que, no Brasil, nove milhões de pessoas idosas praticam algum tipo de exercício. O mais comum é a caminhada, com 66,5% de adesão. Em seguida, vem o passeio de bicicleta, com 13,3%, e a academia, 9,69%. Janair Mezzari, educadora física e coordenadora do Programa Feliz Idade em Atividade, promovido pela Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF), afirma que a prática regular de atividades físicas em grupo é fundamental para a saúde e para a manutenção da autonomia das pessoas com mais de 60 anos, principalmente em relação às questões de socialização. Os treinos coletivos oferecem a “criação de vínculos sociais que, muitas vezes, foram perdidos. Mas acabam sendo resgatados”, explica.

Pessoas idosas deprimidas

Diferentes agentes influenciam no surgimento de depressão na população idosa, mas os principais são os fatores socioambientais: a aposentadoria, que pode diminuir consideravelmente a renda; a perda de cônjuges, familiares e amigos; e o distanciamento dos filhos resultam na sensação de solidão e contribuem para um maior isolamento desse grupo, reduzindo a capacidade de socialização com o tempo.

A depressão é uma doença psiquiátrica crônica caracterizada pela sensação de tristeza profunda e pelo sentimento de desesperança. No geral, causa angústia e interfere na capacidade de realização de tarefas simples do dia a dia. Mas, no caso da população idosa, é comum haver queixas clínicas específicas — tontura, cansaço, alteração do sono e falta de memória –, porém, nenhum diagnóstico específico é fechado nos exames, como explica o médico e escritor Antônio Drauzio Varella em sua coluna.

Como alternativa para retardar a incidência da depressão nas pessoas idosas, a Secretaria Municipal de Assistência Social e a Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis criaram o Programa Feliz Idade em Atividade. O intuito é oferecer aulas de ginástica, dança e caminhada orientada para pessoas com mais de 60 anos, visando o desenvolvimento integral de todas as capacidades físicas e cognitivas dos alunos. As aulas são realizadas nos bairros onde os participantes residem. Professores de Educação Física se deslocam às diferentes regiões da capital e ministram as oficinas em espaços públicos, como praças e academias ao ar livre. A coordenadora Janair estima que, atualmente, sejam 16 grupos, de 20 a 30 pessoas cada, distribuídos pela capital catarinense — norte, sul, leste, oeste e continente.

Gilda Leal, 75 anos, é quem faz a ponte entre a coordenação do Programa e os alunos da turma da manhã do bairro Ribeirão da Ilha. Ela trabalhava como técnica de radiografia e agora está aposentada. Ex-moradora de Porto Alegre, mudou-se para Florianópolis para acompanhar os filhos. Entrou para o projeto há cerca de seis anos, quando passava por uma fase difícil — havia feito uma cirurgia por conta de uma hérnia de disco e precisava emagrecer com urgência, mas não conseguia. A dificuldade em perder peso desencadeou em Gilda um início de depressão. Foi então que uma pessoa querida, a quem chama de “anjo da guarda”, sugeriu que ela começasse a praticar exercícios. A fila de espera para o Programa era grande, mas, por sorte, um aluno foi desligado por baixa frequência e ela conseguiu entrar no lugar dele.

“Vocês salvaram a minha vida”

De lá para cá, uma mão lavou a outra. Após dois anos evoluindo com a ginástica e a dança, a aposentada foi nomeada coordenadora da turma e passou a ser a porta-voz dos quase 30 colegas. É ela quem ajuda a marcar a presença dos alunos, conversa com Janair quando há problemas e auxilia na organização das atividades. Para além da melhora mental e física, o Programa despertou novamente em Gilda a sensação de pertencimento a algum lugar. “E eu digo que é o que me mantém viva. Eu tenho um objetivo de vida, que é projetar o amanhã. Para mim, [o Projeto] fez muito bem. Mentalmente, me sinto realizada, de bem comigo. Eu passei a ter vontade de fazer as coisas”, conta animada.

Como coordenadora de turma, Gilda percebe evoluções também nos outros participantes. Há um mês, um novo professor assumiu o comando das atividades e decidiu unir a ginástica com a dança. “O que já era bom, ficou ainda melhor”. A aposentada conta ainda que, desde então, a presença dos alunos é quase 100% nos encontros. “A gente quer parar o relógio na hora da aula, porque está fazendo muito bem. O pessoal sempre sorrindo, brincando. É maravilhoso esse momento”. Para ela, os exercícios em grupo são mais do que apenas garantia de saúde e longevidade. Na verdade, o que mais importa é a noção de pertencimento e parceria que os encontros estão criando.

As duas turmas do bairro Ribeirão da Ilha, no sul de Florianópolis, reunidas para uma aula de ginástica, em outubro de 2022. | Foto: arquivo pessoal.

“Gilda, vocês salvaram a minha vida”. Esse é o depoimento de uma aluna da outra turma do Ribeirão da Ilha. Em um encontro com a ex-técnica de radiografia, Isabela* contou que estava enfrentando um quadro grave de depressão quando foi acolhida pelo Feliz Idade em Atividade. Ela foi categórica: “a minha vontade era dar um fim na minha vida”. Até hoje, essa frase martela na cabeça de Gilda. Foram necessários três meses de ginástica em grupo para que Isabela fizesse novos amigos e recuperasse o desejo pela vida.

Para Elsa Casalett, professora de dança e ioga no Núcleo de Estudos da Terceira Idade (Neti), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o tempo obriga as pessoas idosas a se fecharem e faz com que prefiram ficar em seus próprios cantos. Com isso, elas perdem a abertura social. Mas a prática de atividade física em grupo recupera a chance de socialização e ajuda a criar novos vínculos, porque leva essas pessoas a se comunicarem mais umas com as outras. Elas passam a saber o que acontece com o próximo, mesmo que por um momento.

Isolamento e preconceito

A tendência ao isolamento é um fato recorrente entre a população idosa. A professora destaca um outro ponto como razão para esse tipo de solidão: o preconceito ao qual a terceira idade está submetida. “Uma coisa que eu sempre quis fazer e que é muito difícil, é incorporar pessoas idosas e jovens. Criar uma conexão custa muito. Existe uma separação visível na sociedade”, enfatiza. Como forma de resistir ao sistema, investe em suas aulas de dançaterapia, que, segundo ela, é uma cura através da dança. É o uso dos movimentos corporais para a recuperação da expressão e da autoestima.

“A sociedade tirou das pessoas idosas a possibilidade de protagonismo. A autoestima lhes custa. É como se tivessem que criar uma versão diferente para serem aceitos”, destaca. Nas redes sociais, Elsa coloca as fotos das apresentações do grupo Renascer, formado por 11 dançarinas, não apenas para divulgar o trabalho, mas como estratégia de recuperação da autoconfiança das alunas. Quando se veem nas publicações, percebem do que são capazes. Ela ressalta: “é uma forma de valorizar quem são e o que podem fazer”. Até a sensualidade, muitas vezes deixada para trás com a longa caminhada da vida, pode ser reconquistada com as práticas corporais. Depois de um tempo dançando, as mulheres deixam de evitar o próprio corpo.

Apresentação do grupo Renascer na Semana de Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação (Sepex) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em novembro de 2022. | Foto: arquivo pessoal.

Elsa Casalett está há 23 anos morando em Florianópolis. Argentina de Buenos Aires, formou-se em dança na Escola Nacional de Danças da cidade. Fez curso de ioga e movimento corporal ao longo do tempo para aprimorar o conhecimento e descobrir novas formas de ajudar as pessoas por meio dessas atividades. Com o português arrastado — mais para “portunhol” –, ela conta que sofreu um acidente há 10 anos e, na época, sentiu-se perdida. “O que eu vou fazer?”, pensava. A lembrança mais viva que tem é a resposta dada pelo médico: “só depende de você”. A recuperação foi facilitada pelo ioga, pela dança e pela natação. Todas essas práticas contribuíram para a evolução física e mental. “Eu gosto de exercícios que estimulam a criatividade, porque é isso que dá graça e cria histórias. São dinâmicas. Isso resulta em crescimento, liberação, protagonismo”, explica.

Recuperação de vínculos

“Estudos mostram que, hoje, cerca de 20% da população idosa sofre com doenças mentais, prevalecendo a depressão e as demências. E as atividades físicas de leve a moderada intensidade contribuem para retardar os acometimentos advindos dessas doenças, porque elas também podem ser incapacitantes”, detalha Janair Mezzari. Para ela, esses resultados são ainda melhores se a atividade física for feita em grupo. Nesses casos, a evolução é visível de imediato.

Os exercícios coletivos proporcionam a construção de relações, afetividades, vínculos, acolhimento e pertencimento que não seriam alcançados de outra maneira. Por experiência, ela conclui que as questões psicológicas são positivamente influenciadas pelos encontros. Janair conta que, no Programa Feliz Idade em Atividade, é comum ouvir relatos do quão satisfatório é participar das aulas. Os alunos afirmam: “a gente está aqui, porque é muito bom fazer ginástica. Só que estar no grupo com os amigos também é muito bom”. Por meio desse retorno, é possível perceber o resgate da ideia de pertencimento — em detrimento da sensação de solidão. “Isso, nessa fase da vida, é muito significativo”, conclui a coordenadora do Programa.

Fazer amizades, recuperar o poder da comunicação e criar vínculos são possibilidades que o esporte coletivo reinsere no cotidiano de pessoas que já perderam esses prazeres há muito tempo. Gilda conta que, hoje, o marido Renato, antes sedentário, também pratica a ginástica em grupo. Vê-la animada foi o suficiente para contagiá-lo. “Agora, ele levanta por conta própria, me chama e providencia o café. Ele nunca esteve tão bem”, relata. Para a professora Elsa, tão importante quanto a construção de uma rede de amizades, é a recuperação mental da percepção, da cooperação e do entendimento dos outros e do que acontece ao redor, pois “ao treinar em equipe, você fica muito mais sensível, compreende mais as pessoas e as coisas. E tenta sempre encontrar a melhor saída”.

*Isabela é um nome fictício para preservar a identidade da fonte

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC