Há quase 30 anos RU serve refeições por R$ 1,50

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6 min readJun 7, 2023

Com 120 funcionários terceirizados, UFSC tem o primeiro restaurante popular de Florianópolis, onde a média de um prato feito é de R$ 35

Por Júlia Venâncio

Florianópolis ocupa a terceira posição entre as capitais com a cesta básica mais cara do país, com o valor de R$ 742,23, segundo pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em abril de 2023. É nesse cenário que ganha importância a alimentação oferecida pelo Restaurante Universitário (RU), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que garante alimentação completa por R$1,50, desde 1994, para estudantes da graduação, pós-graduação e alunos do colégio NDI. Alunos que comprovem vulnerabilidade socioeconômica são isentos desse valor.

Somente em 2022, o RU UFSC serviu cerca de três milhões de refeições. Foto: Júlia Venâncio

Inaugurado em 1970, o RU UFSC pode ser considerado o primeiro Restaurante Popular da Capital. Só em 2022, foram servidas três milhões de refeições. Segundo levantamento feito pelo Zero, é um dos seis restaurantes universitários mais baratos do Brasil. Ali, servidores e funcionários terceirizados também conseguem almoçar ou jantar no ambiente por R$2,90 e para a comunidade externa o valor sobe para R$6,10. Conforme dados da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT) o preço médio do Comercial/Prato Feito (PF) em Florianópolis é de R$ 35,04 e o valor do Autosserviço/Quilo é de R$ 42,49 na média.

Nicole Gonçalves, de 28 anos, é formada em Nutrição pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Por ser um curso de horário integral — que alternava aulas entre manhã e tarde –, a nutricionista passou os cinco anos da graduação, de 2018 a 2022, dependendo das refeições do Restaurante Universitário (RU) do campus da Trindade, em Florianópolis (SC). “Sem o RU, não sei o que faria”, diz.

Por não conseguir conciliar o trabalho com os horários das aulas, a nutricionista precisou recorrer a uma bolsa estudantil para complementar a renda. “Dependia dos R$ 400 [da bolsa] para sobreviver”. Apesar de morar com a família e de não ter gastos com aluguel, sempre foi responsável por pagar os seus gastos. “O ônibus, as coisas que eu comia e [o dinheiro] pra sair, ou seja, o básico, era eu quem pagava. Então, 400 reais pra fazer isso e comer, sem o RU, não teria como”.

A estudante do sétimo período do curso de animação da UFSC, Marília Gabriela Salomão Dauer, de 24 anos, é uma das pessoas que frequentaram o RU durante 2022 por necessitar de alimentação acessível para permanecer na Universidade. Nascida em Balneário Camboriú, município do litoral catarinense, saiu da sua cidade natal para estudar na federal de Santa Catarina em 2019.

Sem ajuda financeira da família e desempregada, Marília precisou recorrer à Assistência Estudantil, da Pró-Reitoria de Permanência e Assuntos Estudantis (Prae), e pedir isenção na alimentação do Restaurante Universitário. “Sem sombra de dúvidas, eu só consegui estudar até agora por causa do RU, me ajudou bastante no início. Antes eu frequentava todos os dias sem falta, agora tô indo menos porque estou conseguindo dividir as contas de comida com meu namorado, mas eu ainda como lá de três a quatro vezes por semana”, conta.

A isenção do RU é uma das políticas de permanência estudantil da UFSC. Com a proposta, estudantes com cadastro socioeconômico aprovado pela Coordenadoria de Assistência Estudantil, da Prae, conseguem almoçar e jantar com gratuidade no restaurante todos os dias da semana.

Para o estudante de Ciências Sociais, Matheus Menezes, de 26 anos, é a isenção na alimentação do RU que o ajuda a permanecer na UFSC desde agosto de 2017. “O RU é fundamental. A mesma proporção que tem para a escola, onde crianças que não tem comida em casa e só fazem uma ou duas refeições na escola: é a mesma coisa na universidade. Tem muita gente que depende nos finais de semana e nos feriados, então impacta diretamente na vidas dessas pessoas e na minha. Falo também porque esse é o meu lugar”.

Rotina dentro do RU

Para garantir que toda a comida esteja pronta antes das 11 h, horário que abre o restaurante, é preciso que o trabalho dos 120 trabalhadores da empresa terceirizadainicie cedo. Com uma jornada de 12 horas diárias, e 36 horas de descanso, o primeiro turno começa às 6 h com o preparo de 400 quilos de arroz e 500 quilos de feijão por dia.

Para preparar comidas em grande quantidade, o RU conta com sete panelões de 500 litros cada, chapas, fritadeiras, fornos combinados e do pasteur, máquina responsável por manter a comida aquecida por cerca de oito horas. “Hortifruti vem diariamente. A carne é de um dia para outro. Se for uma carne congelada, ela vem uns dez dias antes e descongela naturalmente dentro de câmeras de descongelamentos. Os não perecíveis chegam de 15 em 15 dias”, explica Maria das Graças Martins, diretora do RU há 28 anos.

De acordo com a nutricionista do RU, Melina Valéria dos Santos, a quantidade de carne servida pode chegar a 1.500 quilos em um dia de funcionamento. “Sexta tem menos gente e terça muita gente. Até para dar uma diminuída e não correr o risco de faltar comida, costuma ser carne suína nos dias de mais movimento. Os cardápios mais bem aceitos costumam ser servidos na sexta”, explica.

Nos dias de mais movimentos ,o porteiro do RU, Dauri Peres, precisa estar mais atento para o que acontece. Com turnos que se alternam entre a manhã e a noite, o terceirizado trabalha cuidando do fluxo de pessoas na catraca do restaurante há oito meses. “No RU nada é igual. Cada hora que ele abre, seja na parte da manhã ou da noite, é uma rotina diferente”, diz.

Apesar de, na opinião de Dauri, a rotina estar sempre mudando, o dia a dia costuma ser sempre tranquilo com os estudantes. “O dia a dia é calmo. O pessoal diz que estudante é tudo encrenqueiro, já eu digo completamente o contrário. Tu procura tratar as pessoas com gentileza e é recíproco, a gentileza vem”.

Em relação à higiene dos alimentos, a diretora do restaurante explica que o contato é mínimo, visto que a comida chega para os restaurantes de forma pré-elaborada. Maria das Graças afirma que o restaurante trabalha com licitações, ou seja, a universidade cria um processo formal de disputa entre as empresas interessadas para que encontre os melhores fornecedores de alimentos. “Os hortifrutis e carnes são pré-elaborados. Os cortes já vêm definidos e os alimentos higienizados. Depois que a gente recebe, a comida é praticamente colocada direto nas cubas para servir”.

O café da manhã: sai ou não sai?

Ter acesso ao café da manhã no Restaurante Universitário está entre as principais demandas estudantis da UFSC. A necessidade dos estudantes vem acompanhada da impossibilidade, muitas vezes, de comprar cafés nas lanchonetes da universidade, onde o preço de um café de 180 ml pode chegar a R$ 5. “Como eu passava o dia todo na UFSC eu tentava me organizar ao máximo em casa pra levar algum lanche pra comer nos intervalos das aulas, porque fora o RU, só tinha as cantinas. Às vezes, quando eu estava com um pouco de dinheiro, comprava uma paçoca pra me manter até o horário de almoçar no RU”, conta Nicole.

A gestão da universidade tem interesse em implementar o café da manhã no Restaurante Universitário, afirma Maria das Graças, entretanto, ainda falta estrutura e planejamento para que de fato aconteça. “Os funcionários começam a cozinhar às 6h e às 10h30 já tem que estar com os buffets prontos. Então, com a cozinha minúscula que temos, hoje não tem condições”.

A solução, segundo a diretora do RU, seria a contratação de empresas para entregar o café da manhã pronto para os estudantes. “Contratar uma empresa que traga todo o café pronto, servir até ùm tempo X e limpar tudo para que não atrapalhe a abertura às 11h: é uma hipótese. Mas quanto sairia? Com quem a gente vai tratar? E o orçamento?”, indaga.

Além das questões de infraestrutura, Maria das Graças vê como necessária a formulação de uma pesquisa para entender quantos estudantes têm interesse na refeição. “Para fazer um café da manhã, mesmo que seja uma empresa que traga, vai ter que começar umas 6h30, porque às 7h e pouca tem aluno entrando em aula. Será que tem gente que vai querer levantar cedo para vir aqui tomar um café? E que não vai ser aquele cafezão”.

Mesmo com tantos empecilhos, a diretora do RU afirma que é necessário dar um pontapé inicial para a implementação do café da manhã na universidade. “A gestão está correndo. Então há interesse e eles não desistiram. Parece que é um compromisso da gestão de fazer esse café mesmo”.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC