Moradores reprovam binário na região da UFSC

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10 min readMay 10, 2023

Obra não cumpre acordos firmados em 2013, está mais insegura para pedestres e não tem corredor exclusivo de ônibus

Por: Vitor Gabriel Both

A implementação do sistema binário viário nos bairros Carvoeira e Pantanal, em Florianópolis, iniciado em 21 de abril, preocupa e traz incertezas para os moradores. Isso porque as ruas Deputado Antônio Edu Vieira (Pantanal) e Capitão Romualdo de Barros (Carvoeira), que antes eram de mão dupla, agora têm sentido único: o fluxo da principal rua do Pantanal vai no sentido Armazém Vieira-CGT Eletrosul, enquanto a rua da Carvoeira flui no sentido UFSC-Saco dos Limões. De acordo com a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF), o binário aumenta o deslocamento, mas, em compensação, diminui o tempo para fazer os trajetos.

Os moradores, por sua vez, descontentes com o resultado, ressaltam que não foram chamados pela PMF para discutir e participar das decisões em relação ao sistema binário. Uma única reunião aconteceu em 20 de março, quando o projeto foi apresentado aos moradores, mas, segundo eles, a prefeitura foi irredutível com os contrapontos da comunidade, como a falta de ciclovias e um Estudo de Impacto de Vizinhança.

A PMF, em contraponto, afirma que realizou reunião com representantes das comunidades locais, disponibilizando também um grupo para contribuições e esclarecimento de dúvidas e reforça que não houve a necessidade de um Estudo de Impacto de Vizinhança, pois o projeto apenas introduz mudanças no trânsito.

A insatisfação com a falta de transparência e de diálogo fez com que moradores se unissem para fortalecer o interesse coletivo por uma audiência pública sobre as mudanças, que aconteceu em 14 de abril. Participaram então o reitor da UFSC Irineu Manoel de Souza, a vice-reitora Joana Célia dos Passos, representantes do Ministério Público Federal, vereadores da cidade, representantes do Departamento de Projetos de Arquitetura e Engenharia (DPAE) e a comunidade em geral. Na ocasião, o DPAE mostrou um histórico das obras e das tratativas entre UFSC e município. Apesar do convite, nenhum representante da prefeitura esteve presente. “Realizamos mais de 20 reuniões nos últimos 60 dias com representantes da Universidade tratando justamente das fases finais da duplicação da Rua Deputado Antônio Edu Vieira”, justificou a prefeitura, para sua ausência na audiência pública.

Thiago Borges, morador e síndico de um condomínio na Carvoeira, teme que o bairro fique isolado do entorno. “A Carvoeira depende dos serviços da Trindade, com o binário o bairro estará de costas para a Trindade. E o Saco dos Limões não atende às necessidades e ainda há o morro”. Thiago utiliza o transporte público, e, para se deslocar à Trindade de carro ou ônibus, vai ter que passar pelo Saco dos Limões e Pantanal, fazendo um deslocamento maior, de cerca de 3 quilômetros a mais. Ele também afirma que as novas linhas de ônibus deixam muitas dúvidas. “Os tempos são estimados e podem acabar se tornando maiores do que são hoje. Como não há corredor exclusivo de ônibus, o transporte coletivo disputa com os carros”.

Ao Zero, a PMF informou que os corredores de ônibus representam uma etapa futura do projeto e que as adaptações realizadas até o momento levam em conta os equipamentos necessários para essa implementação no futuro. Por comunicado, fez questão de ressaltar que trabalhou em conjunto com a UFSC nos estudos e implementação do binário Pantanal Carvoeira. “A instituição está ciente das etapas e acordos firmados na operação, que será acompanhada e receberá ajustes necessários para melhoria da mobilidade na região. Além disso, a PMF reforça que o projeto do binário contempla os equipamentos necessários para uma futura implantação do corredor exclusivo para o transporte coletivo”.

O corredor exclusivo de ônibus ficaria entre as quatro pistas da Edu Vieira, mas não foi construído. (Foto: Vitor Both)

Os pedestres que frequentam a região são os que mais se sentem excluídos do binário. Com a diminuição de faixas de pedestres e remoção das três lombadas na Rua Dep. Antônio Edu Vieira, ficou mais difícil cruzar a rua para ir ao mercado, por exemplo. Joanna Scheffel, 41 anos, nasceu e mora no Pantanal, conta que já viu muitas pessoas atravessando onde ficavam as antigas faixas, e que a maioria dos motoristas não dá prioridade aos pedestres. A condição das calçadas também gera preocupação, porque não houve melhorias, apenas o meio-fio foi pintado no trecho da Edu Vieira. Inicialmente, a faixa elevada que ficava em frente ao Centro de Saúde do Pantanal foi removida, mas foi reinstalada e duas novas faixas elevadas foram implantadas próximo à Escola Básica Municipal Beatriz de Souza Brito e à Companhia de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Sul do Brasil (CGT Eletrosul). A principal reclamação dos moradores é que a faixa próxima à escola está antes de uma parte íngreme da rua, onde os carros passam devagar, mas aceleram na descida, que anteriormente contava com lombadas. A PMF, entretanto, afirma que o limite de velocidade da via permanece o mesmo e as faixas elevadas vão auxiliar no controle da velocidade e que a Guarda Municipal presente no local vai realizar fiscalização, juntamente da PMSC [Polícia Militar de Santa Catarina].

As queixas fortaleceram a união entre os moradores, que formaram o grupo no Whatsapp, “Repensando o Binário”, hoje com mais de 220 participantes. Uma das representantes do grupo, Mariana Nascimento, afirma que o grupo sempre procurou, em vão, que a prefeitura ouvisse os contrapontos dos moradores.

Para quem pedala, a situação também é preocupante: as ciclofaixas no binário são estreitas e perigosas, principalmente porque há motociclistas que trafegam na faixa para ir na contramão da rua. A prefeitura explica que precisou ajustar as linhas de tráfego em função da largura das vias. A moradora da Carvoeira, Milene Oliveira, é mãe de dois filhos, de 5 e 9 anos de idade. Ela costuma levar as crianças para a escola, que fica no Pantanal, a pé ou de bicicleta, e com o binário, ela acreditava que ficaria melhor para pedestres e ciclistas, mas se decepcionou ao ver que não houve melhorias e sente insegurança. “Estão dizendo que vai ser binário para bicicleta também. Como que eu vou levar meu filho ou até incentivar ele a pedalar sozinho? Uma autonomia que eu esperava dar para ele daqui uns três anos já não vou dar mais”, conta a mãe.

As mudanças não desagradaram a todos. Alessandra Zaguini mora na Carvoeira e trabalha no Pantanal, e acredita que o binário vai dar mais fluidez ao trânsito da região, apesar de ter que fazer um trajeto maior no deslocamento diário. Mas ela pontua que são necessários ajustes e melhorias para a mobilidade de pedestres e transporte coletivo.

O que é um binário viário

A principal característica das ruas dentro de um binário é o sentido único para dar fluidez ao trânsito, pois evita que motoristas façam conversões para o lado contrário da pista e parem o trânsito nos dois sentidos. Um binário é formado por duas ruas paralelas e próximas, de sentidos opostos, que não se cruzam, mas que têm ligação através de outras ruas. É importante que as duas vias do sistema sejam próximas e tenham conexões, para evitar o aumento no deslocamento de carros e linhas de ônibus. Mas nem todo binário é igual, cada projeto é decidido de acordo com as condições do local onde será implantado e, por isso, também precisa ser discutido junto à comunidade, uma vez que ruas de sentido único provocam mudanças na rotina de moradores e pessoas que trabalham na região.

Trânsito e linhas de ônibus

Com a implementação do sistema binário nos bairros Carvoeira e Pantanal, ao menos sete linhas do transporte coletivo sofreram alterações.

A linha 185 — UFSC Semidireto foi desativada e substituída pela nova linha 188 — Ticen-UFSC, saindo do Terminal de Integração do Centro (Ticen) até a universidade. O itinerário é feito pelo túnel Antonieta de Barros, seguindo pelo Saco dos Limões, onde não faz paradas, Pantanal, UFSC, Carvoeira e voltando pelo túnel em direção ao Ticen. A nova linha, porém, deixou de fazer integração no Terminal de Integração da Trindade (Titri) e agora opera nos finais de semana. Catarina Bortoli, estudante de Letras Italiano, diz que o trajeto de ida para a UFSC está demorando mais, porque o ônibus perde muito tempo antes de chegar ao túnel, mas o trecho de volta, saindo da UFSC para o Ticen, está mais rápido por causa do binário. A linha 154 — Ticen-UFSC via José Mendes também foi criada e atende principalmente moradores desse bairro apenas em dias úteis.

Para integrar o Titri à UFSC, também foi criada a linha 180 — Titri-Pantanal via Carvoeira, que faz o trajeto circular entre Trindade, UFSC, Carvoeira e Pantanal. As linhas Volta ao Morro Sul (136 e 138) e Volta ao Morro Norte (135 e 137) foram unificadas e tiveram os horários somados. Dessa forma, ficaram duas linhas: 135 –Volta ao Morro Norte via Titri, passando pela Carvoeira e 138 — Volta ao Morro Sul via Titri, passando pelo Pantanal. Após o início da operação, as linhas 136 — Volta ao Morro Sul via HU e 137 — Volta ao Morro Norte via HU foram reativadas, com nomes diferentes, menos horários e apenas em dias úteis, fazendo o trajeto pela rua do HU-UFSC — Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago.

Os ônibus que conectam os bairros Tapera e Rio Tavares ao Titri e à UFSC sofreram uma pequena mudança no trajeto: no sentido Titri, seguem pelo Pantanal, já no sentido bairro, voltam pela Carvoeira e Saco dos Limões. A estudante de Serviço Social, Helena Garcez, que pega ônibus no Terminal de Integração do Rio Tavares (Tirio), utiliza a linha Tirio-Titri via UFSC, e afirma que a viagem está mais rápida, mas o trajeto de carro está mais demorado, já que agora o trânsito começa a se formar na Via Expressa Sul, antes de entrar no bairro Pantanal.

Já o trânsito na região central do campus Trindade é de uso exclusivo dos ônibus. Os carros podem circular pelas entradas da UFSC na Trindade, Carvoeira e Pantanal até as rotatórias, onde o retorno para o bairro é obrigatório. A fiscalização está sendo feita por câmeras e quem desrespeitar vai ser multado.

Nova linha TICEN — UFSC substituiu o UFSC — Semidireto, e agora não passa mais pela Trindade. (Foto: Vitor Both)
Motoristas que desrespeitarem as vias exclusivas de ônibus dentro do campus da UFSC vão ser multados. (Foto: Vitor Both)

Histórico da obra

O binário não foi a ideia inicial. As primeiras discussões previam duplicar a Rua Dep. Antônio Edu Vieira em sua totalidade, uma parte seria feita a partir da cessão de terrenos da UFSC, começando pela esquina da Rua Delfino Conti até a esquina com a Avenida César Seara. A outra parte, da CGT Eletrosul até o Armazém Vieira, seria feita a partir da desapropriação de terrenos particulares, pertencentes a moradores e comércios localizados ao longo da via. Apesar disso, nenhum projeto oficial foi aprovado para duplicação total. Sobre a duplicação não ter sido feita em sua totalidade, a PMF informou que a duplicação por completo será executada em uma próxima etapa do projeto, a longo prazo, sem previsão, após a fase de desapropriações no Pantanal. O decreto de desapropriações foi renovado pelo prefeito, Topázio Neto (PSD). Os valores ainda serão avaliados e, de acordo com a prefeitura, será priorizada a via projetada na parte de trás do Residencial Luiz Henrique Rosa, no Pantanal, favorecendo fluxos locais.

Em 2016, a UFSC firmou um termo de cessão do terreno cedido à PMF e assinou uma portaria que autorizava a execução da obra em uma área de 33,17km², equivalente a quatro campos de futebol do Maracanã. Desde então, o DPAE é responsável pela verificação do cumprimento das condições previstas no Termo de Cessão e integram informações do Protocolo de Intenções firmado entre UFSC e PMF em 2014, e dos consensos da Comissão de Estudos de Transportes e Mobilidade Urbana do Campus Trindade e da Bacia do Itacorubi (CETMU), uma comissão tripartite entre UFSC, PMF e Comunidade.

De acordo com o DPAE, o relatório CETMU, estabelecido em novembro de 2013, apontava consensos gerais para ampliação da via, que não foram cumpridos, como: priorizar pedestres, ciclistas e o transporte público, não transformar a rua em uma via rápida, e em caso de obras em etapas, a ampliação deveria ter sido iniciada pelo trecho entre as ruas João Motta Espezim, no Saco dos Limões e a Rua Pedro Vidal, que representam o trecho inicial da Edu Vieira. Além dos consensos, o protocolo de intenções também previa intervenções no entorno da UFSC para melhoria de calçadas, sinalização, construção de ciclovias e iluminação.

As obras de duplicação iniciaram em junho de 2016, e até agosto, o DPAE já havia feito quatro análises técnicas e alertado a UFSC que as obras não estavam cumprindo com as condições do termo de cessão. Em novembro de 2017 as obras foram paralisadas, e até março de 2019, quando foram retomadas, as condições ainda não eram cumpridas pelo município. Em 2020, ocorreu o fim da vigência do termo de cessão e as obras foram novamente paralisadas.

Após quatro licitações, em julho de 2021, a PMF retoma apenas as obras de pavimentação no local, sem licitação e com contrato do programa “Asfaltaço”, criado para pavimentar e revitalizar ruas da capital. As obras mais uma vez foram suspensas no final de 2021 e retomaram em maio de 2022, ainda sem licitação e com o mesmo contrato do “Asfaltaço”. Em janeiro de 2023, a PMF liberou o trânsito no trecho duplicado da Edu Vieira, sem ciclovias, apenas ciclofaixas, e sem corredor exclusivo de ônibus. Neste caso, a PMF informou que os trabalhos de retomada foram feitos sob nova licitação, de 2022, na qual foi duplicado o trecho da entrada do Córrego Grande até a CGT Eletrosul.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC