“Os assassinos estão impunes”: caso Dom e Bruno reforça a insegurança da cobertura jornalística na Amazônia

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4 min readJul 12, 2023

Palestra no Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji aborda desdobramentos do assassinato do jornalista inglês e do indigenista. Um ano depois, ainda não houve julgamento

Três minutos de palmas da plateia, como homenagem às trajetórias do indigenista e do jornalista. Imagem: Bárbara Schroeder

O assassinato do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira, durante o trabalho de apuração jornalística na região do Vale do Javari, no Amazonas, continua sem a punição dos culpados. Noticiado em todo o mundo, o caso completou um ano em 5 de junho passado, e ainda aguarda o julgamento dos acusados. O tema foi pauta de palestra ministrada, em 30 de junho, em um dos maiores congressos de jornalismo brasileiro, organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Na mesa de debate estiveram quatro jornalistas que integraram o projeto francês Forbidden Stories, que busca levar à frente pautas de jornalistas assassinados. O projeto teve duração de um ano, contou com 16 organizações de 10 países e mais de 150 jornalistas envolvidos.

Durante a discussão no encontro da Abraji, foi atualizado o andamento das investigações sobre o caso e apresentadas reportagens e documentários elaborados como fruto do projeto Forbidden Stories. Compuseram a mesa: Sérgio Ramalho, jornalista independente e especialista em segurança pública e direitos humanos; Eduardo Nunomura, editor especial do Amazônia Real; Daniel Camargo, jornalista na Repórter Brasil; Allan das Graças, repórter do Fantástico e um dos produtores do documentário “Vale dos Isolados: O Assassinato de Bruno e Dom”, e Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, de proteção e investigação de jornalistas mortos.

Daniel Camargo relatou que teve uma relação profissional e pessoal com Dom Phillips: os dois colaboraram em matérias de cobertura amazônica para o The Guardian e para o Repórter Brasil. Durante a conversa, Daniel revelou que no ano passado não pode estar no palco do Congresso sobre o assunto, mas neste ano fez questão de ressaltar o legado do jornalista inglês. “Eu acho que é muito importante a gente exaltar a memória do Dom, principalmente o trabalho dele, o grande jornalista que ele foi”, enfatizou. “Não sei onde ele tá, mas ele vai ficar satisfeito de saber que as pessoas estão falando bem do trabalho dele”.

Entenda o caso

Há um ano, Dom Phillips e Bruno Pereira foram mortos a tiros na região do Vale do Javari, em Atalaia do Norte (AM). O jornalista inglês de 57 anos se aliara ao indigenista pernambucano, que era consultor para a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e ativista presente na região, para que pudessem trabalhar em um livro-reportagem que possuía o nome provisório Como salvar a Amazônia.

Em 5 de junho de 2022, foi decretado o desaparecimento da dupla e o último local em que foram vistos foi no Rio Itacoaí, enquanto se deslocavam em apuração. Dez dias depois, em 15 de junho, após a prisão dos suspeitos apelidados de Pelado e Pelado da Dinha, os corpos foram encontrados em uma canoa em local de difícil acesso.

Além de Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, e Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, que confessaram o crime, Oseney da Costa Oliveira, o Dos Santos, também foi preso, mas alega inocência. O mandante apontado pela polícia, Ruben Dário da Silva Villar, conhecido como Colômbia, é conhecido na região pelo envolvimento com a pesca ilegal e com narcotráfico internacional.

Os quatro foram detidos, mas em janeiro deste ano Colômbia pagou fiança de R$15 mil e aguarda julgamento em prisão domiciliar. O andamento das investigações retornou à primeira instância e as testemunhas primárias ainda estão sendo ouvidas pela polícia.

A (in)segurança para jornalistas

Angelina Nunes, mediadora na mesa, coordena o Projeto Tim Lopes, que presta apoio a profissionais ameaçados e também investiga casos de jornalistas assassinados. Para ela, o caso Dom e Bruno representou um retrocesso por suas similaridades com o caso Tim Lopes: “a gente tá vivenciando coisas muito semelhantes ao que aconteceu em 2002”, ressaltou. “Não pode, a gente tinha que ter evoluído”.

A coordenadora explica que uma das funções do Projeto foi trazer para as pautas do Congresso os protocolos de segurança para a atividade jornalística e o debate sobre casos como os de Dom e Bruno. “Eu tinha oferecido essa pauta porque a gente já estava no meio da apuração. Outra sugestão foi a oficina do primeiro dia, sobre quais são as estratégias e o planejamento necessários para coberturas que envolvam manifestações que coloquem em risco a segurança do jornalista”.

Sobre o evento

O Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji aconteceu de 29 de junho a 02 de julho, no bairro da Vila Mariana, em São Paulo capital. A 18ª edição do evento trouxe cerca de 150 programações, entre palestras e oficinas, com a presença de grandes nomes do jornalismo brasileiro, como Patrícia Campos Mello, Ernesto Paglia, Yan Boechat, além do homenageado do evento, Caco Barcellos.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC