Vida longa aos sebos

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7 min readNov 20, 2023

Comércio de livros usados atrai clientes há mais de 30 anos no Centro de Florianópolis

Nathália Simões (nathalia.melo.jor@gmail.com)

Quem caminha pelo Calçadão da Rua João Pinto, entre a Praça XV de Novembro e a Avenida Hercílio Luz, passando pelas imediações do antigo Terminal Dias Velho, no Centro de Florianópolis, se depara com vitrines repletas de livros, alguns até mesmo raros, que já não são mais encontrados em livrarias tradicionais. A “rua dos sebos”, como é conhecida, abriga quatro dos sete sebos que resistem há décadas na região.

Em um cenário de crise editorial como o atual, com livrarias fechando as portas, como a Saraiva, que anunciou, entre os meses de maio e junho, o fechamento de 13 lojas da sua rede, uma delas em Florianópolis, no Shopping Villa Romana, anunciou em 21 de setembro, o fechamento das suas últimas cinco lojas físicas no Brasil, passando a funcionar somente com o e-commerce. Os sebos se mantém como uma alternativa para o acesso à literatura, principalmente para os leitores que não dispõem de recursos para comprar livros novos. No Calçadão da Rua João Pinto é possível encontrar livros pelo preço de até R$ 1,00.

Calçadão da João Pinto, a rua dos sebos no Centro de Florianópolis — Foto: Nathália Simões

“Eu tenho uma cliente que, na época em que eu abri, era solteira e hoje as filhas dela já são moças e são minhas clientes também”, conta Ivete Berri, proprietária do Sebos Ivete, que funciona há 31 anos na Rua João Pinto e foi o primeiro comércio dedicado à venda de livros usados aberto na região. Natural de Taió, no Vale do Itajaí, Ivete conta que morou por muitos anos em Blumenau, foi lá que decidiu vir para Florianópolis abrir o negócio. “Meu amigo que tinha um sebo lá em Blumenau falou para mim: ‘Ivete, abre um sebo, eu te ajudo, só não pode ser aqui’. Então eu vim para Florianópolis pesquisar”, recorda.

Localizado em uma esquina com a Rua Nunes Machado, o sebo de Ivete impressiona pela quantidade de livros. A loja, uma sala comercial com cerca de 40m², é dividida por estantes que vão do chão até o teto. Em um corredor formado por uma parede de livros, uma escada articulada de alumínio serve de auxílio para alcançar os exemplares guardados no alto. “No começo era assustador. Dava medo de olhar esses livros todos e pensar em como ia fazer para limpar tudo isso”, conta Roseli Corrêa de Souza, funcionária há dez anos no local.

“Aqui tem livros sobre engenharia, medicina, literatura estrangeira, nacional, filosofia, química, física, matemática, juvenil, agrícola, poesia, tudo que tu imaginar”, brinca Ivete. O local recebe visitantes o tempo todo. O público varia de crianças em idade escolar que vão à procura de gibis e histórias em quadrinhos, até adolescentes, adultos e idosos.

Ivete Berri, proprietária do Sebos Ivete — Foto: Nathália Simões

Negócio em família

Quem também se instalou pela região foram as irmãs Magali e Márcia Scheidt, proprietárias do sebo Sabor das Letras, que funciona há duas décadas no calçadão da Rua João Pinto. A ideia de transformar a compra e venda de livros usados em sustento surgiu após o falecimento da mãe, que tinha uma biblioteca particular em casa. No início, as irmãs contam que começaram a vender em feiras de artesanato na Praça XV de Novembro, que hoje acontecem todas às terças e aos sábados em frente à Catedral Metropolitana.

“Nós fizemos o cadastro e colocamos uma mesa pequena com os livros da nossa mãe, vendemos todos e dali em diante começamos a comprar e vender em feiras. Já vendemos na feira da UFSC, na da Lagoa da Conceição, e na cidade de Angelina”, relembra Magali. Em seguida veio a oportunidade de alugar uma sala comercial e abrir uma loja física no Calçadão da João Pinto, onde as irmãs estão até hoje.

O sebo Sabor das Letras abriga uma variedade de livros sobre literatura estrangeira, nacional, história de Florianópolis e Santa Catarina, culinária e religião. De acordo com Márcia Scheidt, o público é eclético e diversificado. “Os livros mais procurados são os espíritas”, afirma.

As irmãs Magali (esq.) e Márcia (dir.) Scheidt, proprietárias do sebo Sabor das Letras — Foto: Nathália Simões

Democratização da leitura

Outro comércio que também se destaca no Calçadão da João Pinto é o Sebo Elemental, localizado no começo da rua para quem vem pela Praça XV. Aberto há 16 anos pelo comerciante Rodrigo Maciel Sarubbi, abriga cerca de 20 mil livros dos mais variados, desde gibis, mangás e graphic novels (quadrinhos) a romances em línguas estrangeiras e nacionais, passando por publicações esotéricas, religiosas, entre outras. Apaixonado por sebos desde criança, Rodrigo viu uma oportunidade de transformar os livros em seu ganha-pão. “Eu tinha 27 anos na época, precisava começar a minha vida, sempre gostei de sebos e achei que seria uma coisa que eu saberia fazer”, destaca.

Entre os proprietários de sebo, há um consenso de que os preços baixos em comparação às livrarias tradicionais estão entre um dos maiores atrativos deste tipo de negócio. No entanto, para a proprietária Ivete Berri, a existência das livrarias é fundamental para que os sebos continuem a existir. “Para mim é vantagem ter a livraria, porque eu preciso do livro novo para ter o sebo”, destaca.

Para Rodrigo, a democratização da leitura é a principal vantagem dos sebos. “O primeiro aspecto é o preço, muita gente não tem condições de comprar um bom livro por um preço mais elevado e no sebo se encontram bons livros por até 10, 15, 20 reais”, ressalta. Outra característica atraente para o comerciante é a possibilidade de encontrar títulos raros que não são mais publicados pelas editoras ou surpresas como a última encontrada por ele, que descobriu recentemente em sua loja três livros escritos pelo autor gaúcho Caio Fernando de Abreu, já falecido, autografados pelo próprio escritor.

Rodrigo Sarubi, proprietário do Sebo Elemental — Foto: Nathália Simões

Alternativa pandêmica

Assim como o comércio nos mais diversos setores sofreu impactos com a chegada da pandemia da Covid-19, os sebos também foram duramente afetados pela crise sanitária. “Em primeira mão eu fiquei desesperada, porque fechava uma semana, fechava três semanas, tinha que pagar funcionário, pagar imposto, tivemos que bancar tudo”, relata Ivete, que para manter o quadro de colaboradores precisou criar estratégias para continuar vendendo.

“Abrimos o Instagram e começamos a vender por lá. Hoje tu precisa ver o que a gente vende por mês pelo Instagram, a gente vende para São Paulo, Rio de Janeiro, para todo o Brasil”, afirma. Em um espaço atrás do balcão do caixa, Ivete organiza os livros que serão enviados para os leitores. Duas pilhas de aproximadamente um metro de altura de livros devidamente embalados e prontos para serem enviados dão uma dimensão das vendas pela rede social.

Muito antes do novo coronavírus começar a circular pelo mundo, as irmãs Scheidt já utilizavam as plataformas digitais para a comercialização de livros usados. Durante a pandemia da Covid-19, foram as vendas online que mantiveram o negócio funcionando no Sebo Sabor das Letras. No entanto, outros problemas causaram uma queda nas vendas, como explica Márcia Scheidt. “Achamos até que iria aumentar as vendas, porque todos estavam em casa”, mas por problemas com o envio dos livros houve uma “baixa significativa”, afirma ela. Durante três meses a loja das irmãs ficou sem receber clientes. “Esse ano é que as coisas começaram a voltar ao normal”, conta Magali. O sebo das irmãs vende cerca de 500 livros por mês.

No Sebo Elemental, as vendas também diminuíram. “Foi um período bem difícil, as vendas caíram bastante, tivemos que cortar gastos para evitar demissões”, recorda Rodrigo Sarubbi. No entanto, para o comerciante, em comparação com as grandes livrarias, os sebos têm uma estabilidade maior, o que traz segurança para os clientes que gostam de conversar sobre os livros antes de comprá-los.

Livros e amizades

O policial militar Lucas Matos de Mendonça, de 33 anos, é um desses clientes que gosta de falar sobre livros. Leitor voraz, ele conta que adquiriu o gosto pela leitura com os pais e hoje compartilha esse hábito com os amigos. “Meus pais sempre leram muito, cresci em um ambiente que me proporcionava contato com os livros e a leitura sempre foi o meu principal hobby. Minhas amizades em grande maioria estão relacionadas a esse meio, acabo sendo influenciado e influenciando meus amigos a lerem. Além do mais, gostar de ler me ajudou bastante na escola, cursos e faculdade, nunca tive dificuldades para ler textos e livros passados pelos professores”, acrescenta.

Para Lucas o aspecto mais atraente dos sebos é a possibilidade de “garimpar” títulos que muitas vezes estão esgotados, são raros ou que estão sendo vendidos por um preço abaixo das livrarias. Nos sebos é possível encontrar lançamentos até 50% abaixo do preço original. “A experiência é fantástica, estar numa livraria normalmente envolve você ter um alvo específico. Você vai lá, compra o livro e vai embora. Nos sebos, muito da diversão está nas trocas, que ajudam a aumentar a interação social, e no ‘garimpo’ de livros e autores que muitas vezes são desconhecidos. Já tive que disputar livros até com funcionários do sebo que também queriam aquele exemplar específico”, conta ele.

Colecionador de histórias em quadrinhos, o policial afirma que já completou muitas coleções graças aos sebos. “Uma das minhas coleções favoritas é de um HQ chamado Sandman do Neil Gaiman e na época eles estavam esgotados há anos. A garimpagem nos sebos me fez conseguir completar a coleção toda”, recorda Lucas, que transita entre todos os gêneros literários, principalmente os ligados a fantasias medievais, góticas e ficção científica.

No perfil do Instagram do Sebo Elemental, Rodrigo costuma compartilhar as histórias dos clientes que frequentam o seu sebo. Em uma postagem recente ele compartilha uma foto com Lucas. A legenda diz: “Ele sempre gostou de livros de Fantasia, compra tudo o que aparece de Brandon Sanderson, ficção científica, quadrinhos e todo tipo de literatura que remeta à cultura nerd. É um garimpador de primeira e sempre bate um papo conosco. Um cara querido demais”. No espaço dedicado aos comentários, Lucas responde: “Nada como comprar livros, bater um papo e fazer amizades”.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UFSC