Allen Ginsberg & Chogyam Trungpa Rinpoche. Mackey Auditorium, Boulder Colorado, Maio de 1972. Foto: Bob Morehouse

Prefácio “First Thought Best Thought” Chogyam Trungpa Rinpoche (Tradução)

Tradução do prefácio do livro de poesias escrito por Chogyam Trungpa

zhiOmn Ormando
9 min readOct 13, 2017

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TROVÃO E OCEANO.

THUNDER AND OCEAN.

Este simples livro de poesia apresenta evidência de como a mente Tibetana pode se sintonizar com a mente Ocidental. Não há nada de extraordinário sobre isso; mas o fato importante é que Leste e Oeste podem se encontrar juntos, contradizendo o verso de Kipling: “Oh, Leste é Leste e Oeste é Oeste e nunca os dois devem se encontrar.”

This simple book of poetry presents evidence of how the Tibetan mind can tune into the Western mind. There is nothing extraordinary about this; but the important fact is that East and West can meet together, contradicting Kipling’s verse: “Oh, East is East and West is West and never the twain shall meet.”

Na minha chegada no Oeste, eu senti fortemente que um encontro das duas mentes — culturalmente, espiritualmente, metafisicamente — poderia ser realizado pelos meios de “primeiro pensamento melhor pensamento”, o primeiro vislumbre incontaminado de um ao outro. Com ceticismo natural assim como profunda apreciação, eu me apliquei pra examinar a sabedoria Ocidental e descobrir a natureza do insight ocidental. Eu descobri que eu tinha que mergulhar eu mesmo em todas as coisas, das doutrinas da religião Ocidental até o modo como as pessoas amarravam os cadarços. Eu estava intensamente curioso para descobrir em tudo isso onde estavam o verdadeiro coração e o verdadeiro cérebro. E eu estava determinado a achar estes assuntos por experiência pessoal, ao invés de um relato de segunda mão.

Upon my arrival in the West, I felt strongly that a meeting of the two minds-culturally, spiritually, metaphysically — could be realized by means of “ first thought best thought,” the uncontaminated first glimpse of one another. With natural skepticism as well as deep appreciation, I applied myself to examine Western wisdom and uncover the nature of occidental insight. I found that I had to immerse myself thoroughly in everything, from the doctrines of Western religion up to the way people tied their shoelaces. I was intensely curious to discover in all this where were the true heart and the true brain. And I was determined to find these matters out by personal experience, rather than by secondhand account.

Quando eu estava aprendendo inglês em Nova Déli, e tentando ler literatura inglesa, um dia por acaso eu achei em uma revista um simples e bonito haikai. Pode ter sido uma propaganda para algum merchandise japonês ou pode ter sido um pedaço de literatura Zen, mas eu estava impressionado e encorajado que a simplicidade de seu pensamento podia ser expressa na língua inglesa. Em outra ocasião, eu fui a uma recitação de poesia patrocinada pelo Clube das Mulheres Americanas, em conjunto com a Embaixada Americana. Eu estava bem impressionado pela leitura, que eu lembro incluir trabalhos de T.S.Eliot. Isto não era hino, canto, mantra ou oração, mas apenas linguagem natural usada como poesia. Após, eu disse à jovem senhorita que fez a leitura o quanto eu havia apreciado. Ela respondeu que ela era uma mera estudante, viajando na Índia. Ela era da Austrália, mas havia nascido e sido educada na Grã-Bretanha.

When I was learning English in New Delhi, and attempting to read English literature, one day by chance I found in a magazine a simple and beautiful haiku. It may have been an advertisement for some Japanese merchandise or it may have been a piece of Zen literature, but I was impressed and encouraged that the simplicity of its thought could be expressed in the English language. On another occasion, I attended a poetry recitation sponsored by the American women’s club, in conjunction with the American Embassy. I was very struck by the reading, which I recall included works by T.S.Eliot. This was not hymn, chant, mantra or prayer, but just natural language used as poetry. Afterwards, I told the young lady who gave the reading how much I appreciated it. She replied that she was a mere student, traveling in India. She was from Australia, but had been born and educated in Great Britain.

Desde o começo de minha infância no Tibet, eu estava sempre fascinado com a linguagem. Quando eu tinha treze anos, eu consegui aprender o dialeto da vizinhança onde meu guru vivia, e alguns nativos até pensavam que eu vinha do próprio distrito deles. Para mim, as vogais e consoantes continham tremendo poder. No fim da minha adolescência eu estava bem livremente hábil para escrever poesia, religiosa ou de outra forma. Então a expressão poética já tinha se tornado natural pra mim antes de eu sair do Tibet. Então, quando eu fui da Índia para a Inglaterra, inglês se tornou uma segunda língua para mim. Eu costumava observar como as pessoas esvaziavam suas bocas e franziam os lábios enquanto elas falavam, o modo como elas assobiavam seus s’s, o modo como elas diziam o ‘q’ em ‘querida’ (‘d’ em ‘darling’), ou o modo como elas pronunciavan ‘f’ como se fosse um exercício yogue de respiração. Eu estava completamente cativado pela pronûncia inglesa, e em particular, durante meus estudo em Oxford, pelo modo como Oxonians (alunos e alunas de Oxford) falavam.

From my early childhood in Tibet, I was always fascinated with language. When I was thirteen, I managed to learn the dialect of the neighborhood where my guru lived, and even some of the natives thought I came from their own district. To me, the vowels and consonants contained tremendous power. By my late teens, I was quite freely able to write poetry, religious or otherwise. So poetic expression had already become natural for me before I left Tibet. Then, when I went from India to England, English became like a second language to me. I used to watch how people would hollow their mouths and purse their lips as they spoke, the way they hissed their s’s, the way they said the d in “daring,” or the way they pronounced f as if it were a yogic breathing exercise. I was completely captivated by English pronunciation, and in particular, during my studies at Oxford, by the way the Oxonians spoke.

Poesia, expressão linguística e música são idênticas até onde estou interessado. Uma vez eu fui a uma capela da universidade com meu querido amigo Mister John Driver para escutar à Paixão de São Mateus. Isso foi uma descoberta tão grande, experienciar o tremendo heroísmo e paixão espiritual naquela atmosfera de santidade, que eu senti que como se a ocasião fosse meu festim particular. Da beleza da música eu ganhei apreciação mais profunda pelo legado Ocidental. Um amigo tibetano que também estava lá não sentiu nada deste tipo. A reação dele foi “nós tivemos três horas chatas ouvindo barulho de latas, pombas, e galinhas tendo seus pescoços retorcidos.” Eu me sentia tão energizado enquanto nós saíamos para o frio da noite inglesa que meu amigo entrou em pânico e pensou que eu estava em perigo de ser convertido para o Cristianismo!

Poetry, linguistic expression and music are identical as far as I am concerned . Once I was taken to a college chapel by my dear friend Mr. John Driver to hear the St. Matthew Passion. This was such a great discovery, experiencing the tremendous heroism and spiritual passion in that atmosphere of sanctity, that I felt as though the occasion were my private feast. From the beauty of the music I gained further appreciation of the Western legacy. A Tibetan friend who also attended felt nothing of the kind. His reaction was that “we had three boring hours listening to the noise of tin cans, pigeons, and chickens getting their necks wrung.” I felt so energized as we came out into the chill of the English night that my friend panicked and thought I was in danger of being converted to Christianity!

Depois da Grã Bretanha, vir para América do Norte foi uma incrível e divertida fanfarra. O modo como as pessoas falavam e se comportavam umas com as outras era como estar no meio de dez mil cavalos selvagens. Apesar disso, eu desenvolvi um grande respeito pelos Americanos.

After Great Britain, coming to North America was an amazing and amusing fanfare. The way people spoke and behaved with each other was like being in the midst of ten thousand wild horses. Nevertheless, I developed a great respect for the Americans.

Allen Ginsberg e Chogyam Trungpa Rinpoche, Primavera de 1973 — Ginsberg Collection, Stanford

Eu conheci muitos poetas Americanos. Alguns são como cobras corais; alguns são veados saltitantes; alguns são maçãs maduras; alguns são pastores alemães que pulam para conclusões sempre que um som é escutado; alguns são esquilos cuidando dos próprios assuntos; alguns são pavões que gostariam de se exibirem a si mesmos mas as penas deles estão despedaçando-se; alguns são papagaios que não tem linguagem deles mesmos mas fingem serem tradutores; alguns são devoradores de livros se matando ao comerem mais livros; alguns são como montanhas, dignos mas proclamando avalanches ocasionais; alguns são como oceanos, mente sem fim unindo céu e terra; alguns são como pássaros, voando livremente, sem medo de pegar uma visão do mundo com olho de pássaro; alguns são como leões — confiáveis, afiados e gentis. Eu tenho confrontado, trabalhado com, aprendido de, lutado e me apaixonado por estes(as) poetas Americanos(as). De um modo geral, o budadarma não poderia ter sido proclamado na América sem a contribuição deles(as) em introduzirem termos dármicos e ensinamentos.

I have met many American poets. Some are like coral snakes; some are frolicking deer; some are ripe apples; some are German shepherds who jump to conclusions whenever a sound is heard; some are squirrels minding their own business; some are peacocks who would like to display themselves but their feathers are falling apart; some are parrots who have no language of their own but pretend to be translators; some are bookworms killing themselves by eating more books; some are like mountains, dignified but proclaiming occasional avalanches; some are like oceans, endless mind joining sky and earth; some are like birds, flying freely, not afraid to take a bird’s-eye view of the world; some are like lions — trustworthy, sharp and kind. I have confronted, worked with, learned from, fought and fallen in love with these American poets. All in all, the buddhadharma could not have been proclaimed in America without their contribution in introducing dharmic terms and teachings.

Dentro deste livro de poesia, algumas seleções são tradicionais, escritas em Tibetano e então traduzidas o mais fielmente possível. Outros foram compostos em Inglês num estilo de fluxo-de-consciência assim como tem sido empregado por poetas Americanos. Alguns foram escritos a partir do deleite, apreciando a própria forma da língua Inglesa. Eu espero que este meu humilde livro possa servir para ilustrar como as mentes Orientais e Ocidentais podem se juntar unidas, como darma pode ser propagado no mundo ocidental, e como a língua Inglesa pode desenvolver-se como um veículo para proclamação do darma através do mundo.

In this book of poetry, some selections are traditional, written in Tibetan and then translated as faithfully as possible. Others were composed in English in a stream-of-consciousness style such as has been employed by American poets. Some were written out of delight, appreciating the manner of the English language itself. I hope this humble book of mine may serve to illustrate how the Eastern and Western minds can join together, how dharma can be propagated in the occidental world, and how the English language can develop as a vehicle for proclaiming the dharma throughout the world.

Eu gostaria de agradecer Allen Ginsberg por esta introdução e profunda amizade, e eu também gostaria de agradecer a todos os(as) poetas na América que contribuíram para este livro — seja positivamente ou negativamente. Como eu disse: um mês não pode acontecer sem uma lua nova assim como uma cheia, luz não pode brilhar sem sombras. Minha profunda gratidão a todos.

I would like to thank Allen Ginsberg for his introduction and deep friendship, and I would also like to thank all the poets in America who contributed to this book — either positively or negatively. As is said: a month cannot happen without new moon as well as full, light cannot shine without shadows. My profound gratitude to everyone.

Este prefácio foi escrito no décimo oitavo dia do quarto mês do ano do Porco de Água pelo poeta Tibetano bêbado.

This preface was written on the eighteetth day of the fourth month of the Water Pig Year by the drunken Tibetan poet.

Com bênçãos,
Chogyam Trungpa
Fasnacloich
29 de Maio de 1983

Allen Ginsberg e Chogyam Trungpa Rinpoche — Foto por Karen Roper

Extraído de “First Thought, Best Thought: 108 poems by Chogyam Trungpa”

Leia sobre Vidyadhara Chögyam Trungpa Rinpoche em https://shambhala-brasil.org/sobre-shambhala/mestres/vidyadhara-chogyam-trungpa-rinpoche/

Traduzido com deleite e apreciação por Lagarto Manco no 17º dia do 5º mês do ano da Garuda de Fogo (11 de julho de 2017)

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