Foto: Harry Thomas

O Lado B de Transa

fjunior
Zona Literária
Published in
2 min readFeb 2, 2016

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Desencaixotei os vinis. Estava com vontade de ouvir London, London deitado no sofá da sala, agarrado a um vinho barato. Ainda lembro das tuas curvas, do teu corpo. Gozado isso. Depois de tanto tempo e ainda lembrar. Jóia ainda tem o hálito que você derramava sobre mim, ofegante, impávida, enquanto transávamos no sofá da casa dos teus pais. Sempre começávamos pelo lado B. Cigarros, vinhos e Caetano. Depois a correria pra limpar a bagunça toda. Antes que seu pai entrasse pela porta. Daí vinha o Transa — enquanto você contava tuas piadas sem sentido. You Don’t Know Me. Eu conhecia o teu corpo, ah como eu conhecia aquela tua pele branca cor de leite, borrada de sardas. Conhecia os teus dedos que você passeava, ávida, por mim. Nunca me senti só. O teu ar revolucionário provocando minhas fantasias, teus clichês, incenso perfumando a casa, a saia hippie. Meu bichinho bonito. Eu gostava daquele grande clichê que você era. Godard, Bertold Brecht, Chico — que você não trocava por ninguém, com quem devia ter os teus pequenos/grandes momentos silenciosos, trancada em teu quarto, apertando unzinho. Chico nunca mais foi o mesmo pra mim. Eu quis assassiná-lo. Juro que quis. Coisa de menino que não sabe perder. Você me ensinou a perder. Doeu, mas foi necessário. Sempre é. Depois a vida ensina que sempre é. A vida é perder. Não me pergunto mais por onde você andará. O que me interessava ficou lá atrás, naquelas tardes. Evaporou em elipses tal qual a fumaça do teu cigarro mentolado e enjoativo que assistíamos subir pelo espaço-teto, cortado pelo sol que atravessa a janela.

Brasília, 12/7/2009.

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