A obcecada busca de “Onde está você, João Gilberto?”

Rafael Barreto
Água de Salsicha
Published in
4 min readAug 24, 2018

O Brasil é um país com uma infinidade de riquezas. Um país de tamanho continental em que em cada latitude a paisagem, os sons, as cores, as pessoas, tudo pode mudar de forma revolucionária. E é devido a essa rica variedade de culturas do nosso povo que a música brasileira é a melhor do mundo — falo com tranquilidade.

Nossa música é resistência, é marginal, é expressão sincera de uma miscigenação que torna o brasileiro um povo único, completamente estranho a esse mundo. Somos um só país com milhares de gêneros musicais completamente diferentes e únicos, criando uma palheta de sons e ritmos que levam a nossa música a uma categoria de excelência e exaltação mundial.

Dentre os mais variados nomes que construíram a história musical canarinha, um deles se destaca como o grande pai de todos os compositores e artistas brasileiros. João Gilberto chacoalhou tudo quando gravou em 1958 o samba “Chega de Saudade” de Vinícius e Tom, fundando o movimento bossa-nova, uma elitização do samba com influência do jazz norte-americano que conquistou o mundo e fez a ponte entre o samba, ritmo considerado marginalizado, com a classe média carioca.

João Gilberto é um personagem histórico do nosso país, o mais respeitado artista brasileiro vivo que influenciou o surgimento de diversos outros grandes nomes da nossa música como Caetano Veloso e Novos Baianos. Sua fama e reconhecimento não se limitam ao território brasileiro e sua música é celebrada mundo afora. No entanto, como todo gênio, João Gilberto é também uma figura muito peculiar e misteriosa.

Explorando esse perfil mitológico de João Gilberto, chega aos cinemas o filme alemão “Onde está você, João Gilberto?”, sobre um alemão que vem ao Rio de Janeiro tentar descobrir o paradeiro do compositor.

A partir de entrevistas com pessoas próximas, que vão desde Miúcha, sua ex-mulher, até o cabelereiro que corta os cabelos do sambista, hoje com 87 anos, o cineasta alemão Georges Gachot monta a personalidade intrigante de João Gilberto, que há anos não é visto em público e vive recluso em seu apartamento no Leblon ou em uma suíte do Copacabana Palace onde recebe pouquíssimas visitas e não gosta de ser visto por ninguém.

Apesar de focar muito na figura de João Gilberto, o filme é a adaptação de um livro escrito por um fã alemão que veio ao Rio tentar encontrar o cantor, mas após meses de busca, acabou desistindo. Gachot fez esse documentário com base no livro de Marc Fischer “Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto”, seguindo os passos de Fischer e dedica o filme à sua memória: Fischer cometeu suicídio poucos meses antes de sua publicação.

O documentário cumpre seu objetivo em criar uma áurea mística em torno do lendário João Gilberto, mostrando sua genialidade e explorando o mistério em torno de sua reclusão. Em resumo, o filme acaba sendo um grande tributo à sua obra e à música brasileira, quase que uma biografia nem um pouco autorizada do cantor.

No entanto, há um certo desconforto na incansável procura por João Gilberto. Um fã que realiza um trabalho de detetive para encontrar o paradeiro de seu ídolo é uma boa história, porém falta carisma a Georges Gachot para impedir que o público ache que ele é um fã maluco e inconveniente caçando um homem que claramente não quer ser achado. Em certos momentos do filme, nossos instintos nos dizem que de fato é melhor que ele não encontre João Gilberto.

João Donato, Miúcha, Marcos Valle, Roberto Menescal e Otavio III

Porém, o resultado é um ótimo filme sobre a música brasileira, sobre o movimento bossa-nova, com reconstituições de grandes personagens da bossa-nova como João Donato, Marcos Valle e Roberto Menescal e consegue fazer a desejada homenagem ao escritor Marc Fischer que tanto tentou encontrar João Gilberto pelas ruas do Rio de Janeiro e não conseguiu.

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