“Jogador Nº1”: A Importância da Cultura Geek e o Orgulho Nerd

Matheus Ferreirinha
Água de Salsicha
Published in
6 min readMar 28, 2018

Baseado no livro homônimo de Ernest Cline, “Jogador Nº1” descreve um futuro distópico em 2045 no qual, após uma grande crise econômica, a raça humana está restrita a sobreviver em condições indignas. Nesse ambiente devastado, o universo virtual OASIS é a única fuga da realidade, se tornando parte essencial da vida diária da humanidade. É nesse contexto que conhecemos nosso protagonista Wade Watts (Tye Sheridan), conhecido por seu codinome Parzival. Assim como grande parte dos jogadores, Wade procura encontrar o grande segredo escondido pelo criador do jogo, James Halliday (Mark Rylance), que garante ao ganhador controle total sobre o jogo e uma inimaginável fortuna. Dificultando seu caminho, nosso protagonista ainda deve vencer ameaças tanto virtuais quanto reais por parte da empresa IOI que, liderada por Sorrento (Ben Mendelsohn), empenha todos seus recursos na caça ao segredo de Halliday.

Diferente dos livros, o mundo real é pouco discutido durante o longa. Entretanto, a vasta ambientação e caracterização permite que o espectador especule sobre a vida nessa distopia. Mostrando as habitações em forma de “pilhas” e a alta densidade populacional, o longa remete ao ambiente precário das favelas e deixa explícita a visão pessimista de que mesmo com o grande avanço tecnológico não conseguiremos alcançar uma sociedade autossuficiente. Isso se deve à participação de Cline na construção do roteiro ao lado de Zack Penn, conhecido por seu trabalho em diversos filmes de super-heróis como “Vingadores”, a controversa trilogia X-Men e “Esquadrão Suicida”.

Se não bastasse a criação conjunta desses grandes visionários, “Jogador Nº1” ainda conta com o nítido toque do aclamado Steven Spielberg. O longa conta com a típica sensação de aventura e mistério dos clássicos do diretor como “E.T.”, “Os Goonies” e “Indiana Jones”, a mesma sensação que a série “Stranger Things” reproduz com sucesso. Dessa forma, o filme é uma espécie de viagem nostálgica pelos grandes sucessos da cultura pop dos últimos 30 anos, que pode ser vista ainda mais pela incontável quantidade de referências presentes.

Com o lançamento de “Deadpool” o público quase enlouqueceu ao tentar desvendar os easter eggs presentes na produção, mas “Jogador Nº1” ultrapassa todos os recordes na categoria que o filme do mercenário detinha. Desde os primeiros segundos do longa, somos bombardeados por homenagens a jogos, filmes, desenhos, séries e livros. Variando da adorável Hello Kitty ao incrível robô Gundam, o longa conta com referências que reconectam qualquer espectador com sua infância.

A grande maioria dessas referências fazem alusão ao filmes e animações da Warner Bros, produtora do longa, como “King Kong”, o Mach 5 de “Speed Racer”, “Marvin o Marciano”, “Beetlejuice”, “Exterminador do Futuro” e vários personagens da DC. Ainda assim, Spielberg foi capaz de negociar a aparição do Alien de Ridley Scott e da famosa nave Millenium Falcon de “Star Wars”. Apesar do diretor ter afirmado que deixaria suas próprias produções de fora das homenagens, sua equipe de produção gráfica não deixou de incluir diversas referências. A mais aparente que teve aprovação de Steven foi a DeLorean de “De Volta para o Futuro” utilizada por nosso protagonista na corrida inicial do filme. Além disso, somos capazes de ver o imponente T-Rex de “Jurassic Park”, um graffiti de um gremlin e o livro que deu origem ao filme “A Lista de Schindler”.

No universo dos games, podemos perceber uma direta influência dos clássicos de RPG, “World of Warcraft” e “Dungeons & Dragons”. Entre as cenas dentro do universo de OASIS, somos capazes de identificar integrantes das famosas franquias de luta “Street Fighter” e “Mortal Kombat”. De modo cômico, temos uma mistura peculiar entre o jogo “Dance Dance Revolution” e o filme “Embalos de Sábado a Noite” estrelado por John Travolta. O sucesso recente de “Overwatch” também deixou sua marca com a personagem Tracer. Ademais, ainda são citados os jogos “Swordquest”, “Space Invaders”, “Asteroids”, “Adventure”, “007: GoldenEye” e “Mario Kart”.

Por fim, temos quase dez minutos de tela dedicados ao brilhante filme “O Iluminado” de Stanley Kubrick. Imergindo nossos protagonistas no Hotel Overlook, parece que estamos assistindo o clássico novamente com todo seu clima de suspense. Parte dessa homenagem se deve ao contato e orgulho que Spielberg teve do falecido diretor após dar continuidade de seu trabalho no filme “Inteligência Artificial”.

Essa proliferação de referências é uma clara alusão ao crescente universo geek em nossa sociedade atual. Diferentemente da infância de Cline, vivemos um momento de orgulho nerd com dezenas de filmes e séries sobre heróis de quadrinhos sendo lançados anualmente. Assim como “Pantera Negra” evidenciou a importância da representatividade para o público negro, “Jogador Nº1” traz a representatividade para os contemporâneos introvertidos de Cline que cresceram sendo oprimidos.

O ponto fraco do filme é claramente sua estrutura narrativa previsível, tornando pouco crível a vitória do nosso herói que praticamente sozinho é capaz de vencer uma empresa bilionária com milhares de funcionários ao seu favor. Entretanto, é exatamente isso que o longa tenta passar como mensagem. Independente das dificuldades, temos sempre que acreditar em nossos sonhos e dar valor à própria jornada e as amizades que fazemos no caminho.

Mesmo com um arco pouco original, “Jogador Nº1” encanta seus espectadores com sua qualidade gráfica e sua nostalgia impecáveis. Mesmo deixando a complexidade da realidade em segundo plano, o longa destaca o que Spielberg sabe fazer melhor, entreter o público de qualquer idade ou gosto. Um filme para relaxar e se divertir. Um filme para termos orgulhos de sermos nerds!

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Matheus Ferreirinha
Água de Salsicha

Amante de livros, quadrinhos, séries e filmes. Jogador em tempo integral. Escritor amador. Médico nas horas vagas.