Uma hibridização da experiência

João Chafic
2mldesign
Published in
4 min readApr 5, 2018
Imagem por Kevin Rheese

Esse texto é a continuação (parte 2/2) de uma breve reflexão sobre: A transição da sociedade de produção para uma sociedade de consumo, do processo de globalização e do fenômeno do ciberespaço (e cibercultura) como fatores contribuintes para a não tão nova relação espaço-tempo, para a nova configuração do mercado de trabalho e da dinâmica profissional e como isso afeta as experiências dos indivíduos e a atuação do designer.

Se você não leu a parte 1/2, pode acessá-lo por aqui.

No texto anterior refletimos brevemente sobre a cibercultura e sobre a volatilidade das identidades e, ainda, como esses fatores estão alterando as dinâmicas profissionais.

Tiago Mattos faz uma reflexão sobre um futuro relativamente próximo em que as profissões darão lugar a atividades, de modo que uma pessoa irá exercer diversas atividades ao longo da vida, das mais variadas, ao invés de se manter em uma profissão por longos anos; prática essa que já avistamos nos dias de hoje com regularidade: pessoas buscando novas formações profissionais e/ou, ainda, trabalhando e exercendo funções que nada tem a ver com sua formação superior original (e outras variações sob o mesmo direcionamento).

No campo do Design, penso que as constantes mudanças no panorama profissional só reforçam o que eu acredito enquanto atuação profissional. A meu ver, a multidisciplinaridade está e estará presente no processo projetual, assim como a cooperação com pessoas de diferentes áreas do conhecimento e, de um modo geral, com os parceiros envolvidos no contexto, em uma dinâmica de troca e aprendizado constantes. Com isso, uma atuação investigativa, analítica e empática é fundamental para que essa dinâmica aconteça de maneira adequada e minimamente eficaz.

Porém, considerando o Design centrado em pessoas e a fluidez moderna de suas identidades, a compreensão das dinâmicas dessas identidades e como elas interagem com o contexto se torna um desafio diário e com certeza não tão assertivas assim no que tange às experiências.

Uma hibridização de experiências

As identidades mutáveis da “modernidade líquida” geram novas perspectivas sobre as nossas experiências enquanto usuários, passiva e ativamente participantes de um ou mais sistemas, sejam eles quais forem.

Habitamos múltiplos ambientes e interagimos com bilhões de pessoas nos mais distintos e variados meios e sistemas de interação, seja físico ou virtual, material ou imaterial. Em seu livro, Design para um mundo complexo, Rafael Cardoso entra em discussão sobre a complexidade intrínseca à sociedade atual e ao seu modo de vida no que tange ao universo material que nos cerca, bem como ao avanço das redes imateriais que ampliam a mutabilidade das ideias dessa sociedade. Em uma de suas discussões, o autor diz:

“[…] o mundo atual é um sistema de redes interligadas; e a maior rede de todas é a informação.”

Ficamos submersos em redes e fluxos de informações, a ponto de não darmos conta de responder 28 emails, 11 grupos de WhatsApp (ou Messenger) e um total de 834 mensagens, ler as 17 notícias bombásticas do dia, além de sermos constantemente apresentados a marcas, produtos e valores os quais nos sugerem (e quase impõem) repensarmos e reformularmos nossos modos de pensar e agir enquanto indivíduos.

Essa tempestade de informação nas redes de comunicação modula exponencialmente a complexidade desses sistemas e a dinâmica entre eles, influenciando diretamente o comportamento das pessoas nos mais diversos contextos. Penso que, para o Design, um grande ponto de atenção seja como essa fluidez de comportamento afeta a experiência dessas pessoas nos mais diversos sistemas de informação.

Indo mais além, Haakon Faste reflete sobre o assunto indagando se, futuramente, o Design deverá deixar de seguir uma conduta centrada na experiência humana e adaptar-se a uma realidade de experiência pós-humana:

“Adapting to cope with these changes, without alienating the new forms of intelligence that emerge, requires transcending the limitations of human-centered design. Instead, a new breed of post-human-centered designer is needed to maximize the potential of post-evolutionary life.”

Ainda, considerando os crescentes avanços tecnológicos em computação, inteligência artificial e machine learning, tendo a concordar com uma inteligência humana cada vez menos ‘puramente’ humana, mas uma inteligência híbrida humana-artificial que se utiliza de artifícios para acessar, interagir e usufruir dos sistemas comunicacionais, das informações disponíveis, como extensão da inteligência humana, de forma somática e expansiva.

O designer <inserir classificação>

Dessa forma, penso que fica cada vez mais complexa a investigação e a busca da compreensão dos cenários dessas experiências: pessoas com identidades voláteis e inteligências híbridas, interagindo em redes igualmente dinâmicas. Essas características me levam a acreditar que os cenários os quais teremos que lidar envolverão experiências continuamente efêmeras e superficiais.

Nesse caso, e muito por conta da interdisciplinaridade intrínseca ao Design, me questiono se a rápida e constante transição de habilidades e atividades profissionais observada nos dias de hoje — ‘designer unicórnio’, ‘híbrido’, ‘generalista’, […]— seja um primeiro reflexo desses cenários fluidos, como tentativa de abraçar vários aspectos de um projeto, com visões tanto mais específicas quanto mais holísticas.

Talvez, exercer diversas atividades por si só não seja suficiente para dar conta da complexidade dessas experiências (não tão) futuras e, dessa forma, a inteligência híbrida pode ser, ao mesmo tempo, um ‘canal facilitador’ para o processamento e análise desses cenários.

Referências

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

CARDOSO, R. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2003.

LÉVY, P. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2000.

A Post-Human World Is Coming. Design Has Never Mattered More. https://www.fastcodesign.com/3060742/a-post-human-world-is-coming-design-has-never-mattered-more. Acesso em 28/03/2018.

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