Construindo uma startup de hardware: Cultura e primeiros funcionários

Gabriella Sant'Anna
4LAB
Published in
10 min readOct 11, 2018

Essa é a parte 2 da nossa série Construindo uma Startup de Hardware no Brasil. Para conferir a parte 1 sobre fundadores, clique AQUI!

Essa é uma série baseada nos artigos da Bolt e adaptada com base nas experiências com empreendedores de hardware no Brasil que temos na 4LAB.

Você já deve ter ouvido por aí:

“A cultura come a estratégia no café da manhã”

Esse é um tema extremamente importante e que cada vez mais está em pauta no universo das startups.

Cultura

A cultura de uma empresa é uma das únicas vantagens competitivas que está sob o controle dos empreendedores. Cultura é tão importante quanto o produto. E por isso precisa de atenção desde o primeiro dia. Ela pode ser criada intencionalmente ou não, pelas decisões, postura e atividades repetidas dos fundadores e dos primeiros funcionários.

Decisões únicas e diárias nos primeiros anos da empresa tornam-se normas organizacionais à medida em que uma empresa cresce.

Por mais que algumas empresas transcrevam suas culturas organizacionais em um documento chamado de Culture Code ou Culture Book (Exemplos: Zappos, Hubspot, Resultados Digitais e Netflix), no dia-a-dia a cultura é um conjunto de práticas, atitudes e metas compartilhadas que definem uma empresa. E esses documentos são o resultado da cultura, e não a fonte.

É importante ressaltar que a diversidade em todas as suas dimensões (gênero, raça, orientação sexual, etc.) precisa ser adotada desde os primeiros dias. Lembrando que os fundadores, juntamente aos dez primeiros funcionários, são a pedra fundamental na construção da cultura e que estes selecionarão as próximas 100 pessoas da equipe. Portanto, é necessário construir uma equipe inicial diversificada, aberta ao diferente e disposta a identificar e contratar talentos independentemente de quem sejam.

No início de uma startup de hardware, a startup é menos uma empresa e mais um conjunto de pessoas focadas na criação de um único produto. Cada pessoa do time deve agregar valor diretamente ao produto.

E é aqui que está uma das principais diferenças entre uma startup de software e uma de hardware: O conjunto de conhecimentos necessários para colocar um produto de hardware na mão do consumidor final.

Enquanto startups de software conseguem lançar seus produtos rapidamente, com duas ou três pessoas na equipe, as startups de hardware precisam de um time de 5 a 8 pessoas (fundadores + funcionários) e muitos meses para fazer com que o produto chegue aos primeiros clientes com o mínimo de suporte.

No Brasil, é comum as startups de hardware se iniciarem com uma equipe de 3 a 5 pessoas, com poucos recursos e geralmente alguns dos fundadores trabalham part-time até conseguirem avançar algumas etapas no desenvolvimento do produto.

Como comentei no artigo anterior, é interessante que uma startup de hardware tenha no time fundador quatro principais perfis: Vendedor e Estrategista do Negócio, Expert em PCB e Firmware; Desenvolvedor Full Stack e Designer de Produto.

Identificando as competências internas

Claro que a equipe fundadora ideal depende muito do produto da startup, mas considero essa uma base interessante. O mais importante é o time fundador ter consciência de quais conhecimentos e competências são necessários para desenvolver o produto que os fundadores possuem, e quais não.

Quando identificado um conhecimento necessário para a construção do produto, que a equipe fundadora não possua, a startup tem quatro opções:

1- Contratar uma pessoa em tempo integral ou parcial para trazer a competência necessária para a equipe;

2- Aprender sozinho o conhecimento/ função necessário;

3- Terceirizar o serviço para uma empresa ou consultoria que tenha expertise na área, pagando por hora ou por projeto entregue;

4- Congelar essa parte do produto até o lançamento da nova versão.

Você deve estar se perguntando: Qual a melhor opção? Depende.

A escolha deve levar em consideração 3 fatores principais:

  • Valor Agregado para a empresa;
  • Custo;
  • Momento da Startup (recursos disponíveis, estágio de desenvolvimento, deadlines etc.)

Esses três fatores precisam ser balanceados para a tomada de decisão.

Fonte: Bolt.io (Tradução Livre)

É importante ter consciência de que contratar e aprender entregam mais valor para empresa do que terceirizar ou congelar a atividade, sendo a contratação quase sempre a opção que entrega mais valor para a startup. Isso porque o valor de uma empresa em estágio inicial está diretamente relacionado à sua capacidade de entregar o produto que as pessoas desejam. Dessa forma, ter um time interno que consiga endereçar isso em tempo integral é fundamental.

Primeiras Contratações

Contratar é uma das atividades mais complexas para uma startup em início de operação. Para as startups de hardware, que muitas vezes necessitam de perfis especializados, o desafio é maior.

Grande parte desse desafio está em identificar a real necessidade da startup e conseguir traduzi-la em uma vaga aberta e procurar por talentos aptos, com perfil e conhecimento específico para ocupar a vaga.

Identificar a necessidade;

As primeiras contratações são um grande passo para uma startup. É um marco e, por ser importante e caro, dadas as legislações brasileiras, é necessário ser o mais assertivo possível. Dessa forma, a dica é: converse com o maior número de pessoas possível para fechar quais as funções, perfil, entregas e conhecimentos necessários.

Fale no primeiro momento com todas as pessoas que têm conhecimento interno do dia-a-dia da startup, ou seja, fundadores, mentores, investidores, etc. para fazer o primeiro desenho de qual perfil a startup precisa.

Em um segundo momento, procure por uma startup que já passou pelo estágio atual da sua e tente conversar com os fundadores para entender como foi esse processo para eles. Aprender com empreendedores que estão em estágios mais avançados é uma excelente forma de mitigar erros e riscos no início.

Procure por vagas abertas em empresas no mesmo nicho de mercado. Observe o LinkedIn das pessoas que desempenham papel similar ao que você procura em outras empresas e tome nota das principais atribuições, responsabilidades, entregas, tudo o que for possível.

Feito isso, construa a persona da pessoa de que precisa, considerando perfil comportamental e perfil técnico. Mais do que uma job description convencional, nesse momento será necessário entender em profundidade do que a startup precisa e desenvolver argumentos suficientes para conseguir atrair talentos para o time.

Os futuros candidatos precisam entender o produto, a visão da empresa, para onde a empresa está indo e ficar motivados com isso, a ponto de quererem entrar para a equipe.

Um dos maiores desafios nesse momento é comunicar a oportunidade de forma a atrair talentos, mesmo sendo uma empresa iniciante.

Procurar por candidatos;

Feito o estudo da persona de que a startup necessita, o segundo passo é procurar por candidatos.

A. Indicação de amigos e outras startups — Converse com amigos e outras startups sobre a oportunidade em aberto, o perfil que procura e peça indicações. Esse é o método mais eficaz e barato para encontrar novos talentos.

B. Participe e contribua com a comunidade técnica — Participe de eventos técnicos nas áreas fundamentais da empresa, construa uma rede de relacionamento com os participantes desses eventos, e principalmente contribua com a comunidade de desenvolvedores. Observe muito os participantes e interaja com eles. É possível encontrar excelentes profissionais dentro das comunidades de desenvolvedores de software e hardware no Brasil. No mínimo, você vai conhecer alguém que conhece alguém…

C. Hackathons — Hackathons são maratonas de programação que têm duração de 18h a 30h, em média. Reúnem uma grande concentração de talentos nas mais variadas áreas, dispostos a resolver problemas e a botar a mão na massa. Em uma hackathon é possível identificar talentos e observar como eles se comportam em cenários de extrema incerteza, resolvendo problemas complexos, trabalhando em equipe e tomando decisões. Eventos desse tipo são uma grande dinâmica e podem servir como parte do processo seletivo, sendo um grande celeiro de talentos para a sua startup.

D. Sites especializados, fóruns, grupos facebook/whatsapp/slack. — Esses canais geralmente possuem uma grande quantidade de adeptos, o que pode trazer mais publicidade à oportunidade aberta. Atente-se ao fato de que nesses canais o volume de informação é grande e muitas vezes volátil, sendo necessário construir uma comunicação forte e inteligente para conseguir destaque e o retorno esperado.

E. Contratar RH externo à empresa — Para procurar por bons candidatos onde a “bolha social” dos empreendedores não é capaz de ter acesso. E assim alcançar novos perfis e talentos. É um método mais caro, mas dependendo da necessidade da startup pode valer a pena.

Na procura por novos candidatos provavelmente você vai se deparar com 3 situações:

  • Fazer uma proposta para alguém já alocado em outra empresa;
  • Atrair um talento ainda na Universidade ou recém formado;
  • Perfil mais sênior que por algum motivo esteja disponível.

Não importa em qual situação estarão os candidatos para a sua vaga, o mais importante é saber identificar duas características principais para além das necessidades técnicas e comportamentais da vaga: capacidade de aprender do candidato e capacidade para se adaptar a novos cenários.

Os primeiros funcionários de uma startup precisam saber lidar com incertezas, mudanças repentinas de cenário e saber se adaptar. Além disso, é provável que os primeiros funcionários trabalhem em uma equipe super enxuta durante um longo período de tempo até a empresa ir para um próximo estágio. Para isso, os primeiros integrantes das equipes precisam QUERER e ter capacidade para aprender novas habilidades e competências para ajudar a startup a ir para o próximo nível.

A construção de equipes de alta performance desde o início em startups é um desafio e completamente diferente do que estamos acostumados a ver nas grandes empresas.

Para explicar essas diferenças Ben Einstein da Bolt usa a metáfora da parede de tijolos x parede de pedra.

Fonte: Bolt.io

A maioria das grandes empresas constrói equipes da mesma forma que um pedreiro constrói muros de tijolos: descrições de trabalho detalhadas, funções definidas e hierarquia determinada criam uma parede bonita e organizada. Na realidade, contratar para uma startup é como construir uma parede de pedra onde você pega as pedras desajeitadas e deformadas dos fundadores e encontra uma pedra similarmente disforme (mas complementar) que se encaixa bem entre as outras. Então você encontra outra pedra irregular e complexa que se encaixa na nova forma e repete o processo. Você ainda fica com uma parede, mas é muito diferente de uma parede de tijolos organizada.

CASE Trackage

Para ilustrar um pouco como funciona tudo isso na prática, trago o case resumido e focado no tema do artigo da Trackage, startup de monitoramento de objetos nascida em Uberaba-MG.

A Trackage nasceu em 2016 para monitorar malas perdidas em aeroportos. Só quem já teve uma mala extraviada sabe a dor de cabeça e decepção que é chegar no destino e a mala não.

A startup começou com 4 fundadores, com background em tecnologia, e conquistou sua primeira venda ainda em 2016 dois meses após sua aceleração em São Paulo, pela Oxigênio, com já 7 pessoas na equipe.

Na virada de 2016 para 2017, a startup pivotou seu modelo de negócios de B2C para B2B, parou de monitorar malas e passou a monitorar automóveis, tratores, cargas, empilhadeiras, objetos e pessoas. E cresceu!

Evolução dos objetos rastreados pela trakcage. Fonte: Blog Trackage

No começo de 2018 a empresa atingiu mais de 3 milhões de objetos localizados por meio dos seus dispositivos. E 15 pessoas na equipe.

Um pouquinho da cultura da Trackage, assim como todas as evoluções da empresa estão presentes no Blog da Startup. Vou transcrever alguns pontos da cultura e dia-a-dia da empresa abaixo:

1- Na Trackage não existe um único dono. Existem pessoas engajadas e comprometidas em dar seu melhor para atingirem o resultado almejado pela empresa, pois sabem que se o líder crescer, todos crescem. Não existe egoísmo ou individualismo nesse meio.

2- Colaborador? Não diria assim. Apesar de todos colaborarem com o crescimento da startup, são muito mais que isso. Somos o time Trackage, onde cada um tem participação, cuidado e preocupação com a tarefa do outro.

3- Não tem essa de “isso não é comigo”, todo mundo tem capacidade e interesse em saber o máximo, doar o máximo e representar o time como se fosse a peça mais importante dele, e de fato é. Cada um é essencial naquilo que faz.

4- Cada um sabe a importância e responsabilidade do seu papel no sucesso da Trackage. E todo mundo quer ver a empresa fazendo muito sucesso.

5- Os horários são flexíveis e as pessoas são valorizadas pelos resultados e entregas. Nada de bater ponto na entrada e saída, ficar moderando o tempo do café ou de um bate papo entre os colegas.

6- Ping pong, videogame, café e pão de queijo são frequentes para descontrair e unir ainda mais o time favorecendo o clima de amizade, o que torna o ambiente de trabalho divertido, gerando alegria, engajamento e produtividade.

Agradecimentos a Jéssica Borsari da Trackage que nos ajudou a complementar o artigo com algumas informações. =)

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Agora que você sabe um pouco mais sobre cultura e primeiros funcionários para construir uma startup de hardware. Podemos avançar mais um pouco e ir para a parte 3 da nossa série Construindo uma Startup de Hardware e pensar como criar a estrutura organizacional e preparar a empresa para a escala. Confira em Breve!

Nossa missão na 4LAB é educar talentos, empreendedores e corporações em tecnologias do futuro para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Nossos fundadores são empreendedores de hardware, devido a isso nos dedicamos a apoiar as startups com conteúdo, conexões, suporte a p&d entre outras ações. Quer saber mais? Entre em contato: gabriella@4lab.org.br

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