tempo de absoluta depuração VI
(5 escritos sobre os anos de chumbo)
FRUTAS NA ESTRADA
curou a fome com o sono
nessa dor desmiolada
no dia seguinte
viu jogado na estrada
frutas e frutas e frutas
não entendeu ela
que sua fome precisava calcular
em alta, vende-se caro
em baixa, custa menos descartar.
ANOS DE CHUMBO (II)
latiram os urubus assustados
miaram os ratos nervosos
berraram as aves assombrosas
mugiram os cachorros tristes
e quando tudo parecia não fazer sentido
notei que eram anos de chumbo.
BROTINHO
cansado de tanto ler a palavra meritocracia
o homem em plena agonia
ao notá-la outra vez no jornal
preparou um plano letal
cortou letrinha por letrinha e enterrou no quintal
a palavra banal
usada pelos engravatados
para culpar os envergonhados
de uma vitória
nesses tempos de glória
não obter
numa manhã de quinta-feira
cansado de de tanta besteira
ouvir na tevê
o homem voltou ao quintal
no buraco notou um sinal
um brotinho preste a nascer
foi difícil se convencer
mas os olhos ninguém engana
ali no meio da grama
nascia em meio a bravata
um pé-de-tecnocrata.
B COM A, A COM B
meu a com b não dá ba
mas há quem vá discordar
julgando entender
mas ba é b com a
e sabem eles que eu disse a com b
mas vão ainda discordar
em plena sabedoria
há como entender?
VERMELHO E PRETO
vermelho e preto
de camisa do Flamengo
preto de vermelho e preto
suspeito
caiu no beco mais um
preto e vermelho
de sangue.