tempo de absoluta depuração VII
(5 escritos sobre os anos de chumbo)
COITADO
não via o coitado
que para ser algo
era somente dizer
“eu sou”
triste, todavia
a única coisa
que dizia
era
“eu quero ser.”
ESTRELAS
morreu o primeiro
virou a lua
que ele olhava pedindo proteção
foram-se o segundo e o terceiro
e todos viraram estrelas
porque agora só a lua não bastava
e quando as constelações ficaram pequenas
ele que já era também estrela
cuidava daquela menina
que olhava para cima
pedindo a eles
uma proteção
ela
que em breve brilharia.
NOSSO POVO
o desespero é a da cor do nosso povo
e o nosso povo é pálido.
AVANÇO
passam os carros a mil
possuem tempo limitado
não se anda mais de bicicleta
porque tudo é tão distante
porque o tempo é tão curto
porque precisamos trabalhar mais
para a cidade crescer
e enfim podermos andar de jatinhos
não por luxo
mas para dar tempo de ir em casa comer
tomar um café
abraçar os filhos
e voltar a tempo para o escritório
e fazer a cidade crescer mais e mais
enquanto nós
estancados
tentamos aproveitar o máximo
dos afetos agora atuais
acelerados.
ARTE ARTE ARTE
ouve tua música tocando enquanto olhas a pintura
e lês um poema
consome o que esse sistema
te pede pra consumir
compra os livros para leres enquanto estás na ópera
e no caminho de volta
contente sorris
arte arte arte
que importa te entender
quero te consumir.