Parque Villa-Lobos

Quatro minutos a mais na marginal ou mais de quatro décadas com menor qualidade de vida?

No caderno “Cotidiano” do jornal Folha de S.Paulo palavras, que mais pareciam bradar uma defesa ao indefensável, foram gastas para lamentar as mudanças recentes nas marginais Tietê e Pinheiros

COMMU

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Introdução

Usando contra a Folha de S.Paulo material da própria Folha de S.Paulo, lembremos de uma célebre frase do arquiteto e urbanista Jaime Lerner:

“O carro é o cigarro do futuro”

A declaração foi feita no Fórum de Mobilidade Urbana organizado pelo jornal em 2013, como podemos verificar aqui. Na altura, Lerner foi usado para depreciar as ações da prefeitura da capital paulista em relação aos ônibus, agora, de forma menos discreta, o tablóide paulistano expressa sua preocupação com a perda de 4 minutos devido à redução do limite de velocidade nas pistas expressas.

Vamos então aos pontos-chave da notícia:

  • O texto cita números de acidentes e deixa claro que as marginais lideram o ranking, são citados também dados da CET sobre redução de acidentes atrelados à redução de velocidade;
  • O texto admite que no horário de pico, a velocidade já é inferior a 20 km/h, tentando contrapor pico com vale, usando estimativas;
  • Mesmo citando um especialista que já defendeu recentemente posições pouco favoráveis ao transporte coletivo, o texto evidencia que ele concorda com a medida adotada.

O alarde feito no cabeçalho da notícia é tão frágil e mesquinho, que não consegue se sustentar poucos parágrafos depois. Trata-se de flagrante desonestidade na cobertura de ações que rompem com o paradigma da supremacia inconsequente do automóvel sobre outros meios de transporte (leia-se: andar a pé, pedalar e usar transporte coletivo).

Indo além

Existem outros aspectos que merecem abordagem. Abaixo você confere cada um deles, sem pretender — felizmente, ou não publicaríamos o artigo nunca— esgotar cada tema.

Espaços públicos e de convivência

A exemplo do que foi feito no Parque Ecológico do Tietê, bem como de projetos anteriores para os rios Pinheiros e Tietê, existe a possibilidade de recuperação das águas e das margens, constituindo uma orla fluvial urbana, devidamente integrada a um extenso parque linear.

Foto “Parque Ecológico do Tietê e arredores, R.M. São Paulo, SP, Brasil”, por André Bonacin

A recuperação do verde seria um grande desafio, mas sem dúvidas proporcionaria um grau de integração benéfico à população da metrópole.

Logística de carga

Sérgio Ejzenberg, especialista consultado pelo veículo de imprensa supracitado, demonstra ressalvas quanto à circulação de caminhões junto dos veículos de passeio, numa consideração válida, já que veículos pesados tendem a ter respostas mais lentas, porém, podemos desdobrar o problema em duas frentes:

  1. O impacto do Rodoanel, no sentido de quão eficaz será a rodovia para retirar os caminhões que utilizam as marginais Pinheiros e Tietê, a ponto de podermos falar no reapropriamento do espaço desperdiçado por elas?
  2. A escolha equivocada da matriz logística, ou seja, do caminhão em detrimento ao trem de carga. Não seria melhor projetar portos-secos estratégicos e fazer o escoamento por trilhos? Vale mencionar notícia do Estadão datada de 06/07/2015, na qual escancara-se os avanços tímidos promovidos pelo programa de extinção e privatização da malha da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima), bem como a baixíssima exploração do transporte de contêineres.

Devido ao papel ainda estratégico que existe nas marginais para a logística brasileira, o que muito se deve ao porto santista e ao aeroporto internacional, é mandatório que exista infraestrutura para carga de primeiríssima qualidade, bem dimensionada e projetada.

Não se trata de utopia, mas de seriedade e sinergia na gestão e no desenvolvimento de políticas para o Estado de São Paulo, o que envolve não só o Governo do Estado de São Paulo (e estatais de sua propriedade, como a Emplasa), mas também a União. Atrasos no anel ferroviário, no novo pacote de concessão de ferrovias de carga, nas obras da CPTM, entre outros fatores, são elementos reais e extremamente atuais, que não passaram minimamente perto de serem lembrados. Perto deles, o choro sobre um punhado de minutos a mais na Marginal Tietê para aqueles que são reféns (por opção ou não) de seus carros de passeio, como se já não fosse suficientemente irrisório, simplesmente deixa de fazer sentido.

Logística de passageiros

Com o espaço tomado pelas marginais Pinheiros e Tietê, é possível imaginar um conjunto rico e funcional de infraestrutura de transporte de passageiros, a saber:

Foto “Rio Pinheiros” por longdistancer. A estação visível na fotografia é a Cidade Jardim da Linha 9-Esmeralda

É importante ter em mente, porém, que todo sistema de transporte precisa ser muito bem articulado para funcionar, ou seja, aqueles que trabalham em São Paulo precisam ter, pelo menos, a opção de deixar o automóvel em um estacionamento integrado à malha de trilhos, ou, mais idealmente, contar com uma opção de trem regional/intercidades já na região-origem do deslocamento. Neste sentido, possuímos um artigo que pode ser de leitura oportuna.

Conclusão

Sério, será que o problema é perder 4 minutos em determinadas circunstâncias, que geralmente se materializam nas madrugadas e domingos? Mesmo?

Não podemos reduzir a gravidade do problema: a Marginal Tietê é um gargalo na economia brasileira e um muro invisível que atrapalha o desenvolvimento urbano paulistano e reproduz um ideal de cidade que, há muito, já se mostrou esgotado e equivocado.

Caro leitor, quando você estiver pensando por qual motivo São Paulo não muda tanto quanto gostaria que mudasse, lembre-se da contribuição da Folha de S.Paulo.

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por Caio César

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