O YouTube Trending no Brasil — Parte 2: como as eleições dominaram a plataforma no 2º semestre

Novelo Data
8 min readSep 18, 2019

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Na segunda parte do especial da Novelo sobre o YouTube Trending no Brasil durante o segundo semestre de 2018, vamos falar sobre como as eleições de outubro impactaram a plataforma de vídeos. A primeira parte mostrou quais foram os canais que mais emplacaram vídeos no Trending durante o período.

Lembrando: a cada 15 minutos, o YouTube cria um ranking com os 50 vídeos que estão “bombando” entre os espectadores. É o chamado Trending ou Em Alta. Segundo o YouTube, as posições são definidas no número de views, de onde elas estão vindo, a “temperatura” (quantas views eles geraram durante um determinado período) e a idade do vídeo.

Em uma eleição profundamente marcada por plataformas digitais, falou-se muito sobre como campanhas usaram WhatsApp e Facebook para tentar organizar correligionários e influenciar indecisos. Falta na discussão o YouTube.

Segundo análise feita pela Novelo, o YouTube Trending durante as eleições refletiam canais que defendiam ou elogiavam o hoje presidente Jair Bolsonaro.

Dos canais que mais ganharam projeção no Trending a partir de agosto, a imensa maioria era favorável ao candidato do PSL. Mesmo citações a rivais políticos de Bolsonaro, como o ex-presidente Lula, no Trending vinham de canais pró-Bolsonaro. Sem surpresa, eram vídeos negativos.

Em outras palavras: o ranking de popularidade do YouTube no Brasil durante as eleições foi um antro bolsonarista.

Uma parte da análise foi publicada no final de agosto em uma parceria entre o The Intercept e o Manual do Usuário.

Os dados

Para fazer o estudo, a Novelo coletou, limpou e analisou +17 mil rankings do YouTube Trending Brasil entre julho e dezembro de 2018, num total de 3,5 milhões de vídeos. A primeira parte explica a metodologia mais a fundo.

Em maio a tantos vídeos, a abordagem errada seria sair caçando youtubers e canais famosos para ver seus desempenhos. Errado já que, certamente, o método deixaria de fora uma multidão de canais não tão conhecidos, mas que ganharam espaço sem muito alarde nas eleições.

Qual seria a melhor abordagem para filtrar os canais políticos sem perder essa multidão?

O YouTube exige que cada canal seja encaixado em uma categoria. Ótimo: é só pegar a categoria “News & Politics” e pronto, certo? Errado. O problema é que as categorias são definidas pelos próprios youtubers, o que significa que os dados são de baixa qualidade. Peguemos, como exemplo, a Folha Política, o canal que mais ganhou projeção no Trending entre julho e dezembro de 2018. Sua categoria: People & Blogs. O pró-Bolsonaro MEGA CANAIS 2.0 e o anti-Bolsonaro Filósofo Paulo Ghiraldelli são Education. O Fanático FC, que publica paródias musicais sobre futebol, é Pets & Animals (!).

Por isso, o primeiro passo da Novelo foi criar um script que indicava a quantidade acumulada de aparições no YouTube Trending de cada canal por mês. A partir desta tabela, foi possível identificar quais canais tinham projeção pequena ou zero em julho e, com a proximidade das eleições, foram ganhando corpo. Com este recorte, filtramos manualmente os canais que mais ganharam projeção em busca do posicionamento político.

Saem esporte e novela, entra política

Dos dez canais com uma maior diferença entre o número de aparições no Trending em dezembro e julho, 7 são centrados em política. Destes, apenas um (Filósofo Paulo Ghiraldelli) é contrário a Bolsonaro. Todos os outros 6 (Folha Política, O Giro de Notícias, MEGA CANAIS 2.0, José Nêumanne Pinto, Brasil Agora e Seu Tube) publicam vídeos enaltecendo o agora presidente e criticando seus rivais políticos. Dos 3 que restam, um é focado em música sertaneja (Sempre Sertanejo), um em DYI (Rahatlatıcı Videolar) e um em conteúdo infantil (Carrosel).

Pelo outro lado, uma série de canais tiveram que cair em projeção no Trending para que esse movimento político ocupasse seu lugar. Ao usar a mesma metodologia para analisar os canais que mais encolheram, a Novelo notou uma clara tendência centrada em duas categorias de conteúdo: o brasileiro parece ter parado de se importar tanto com esportes e novelas durante as eleições.

Dos 5 canais do YouTube que mais encolheram em participação no Trending durante o segundo semestre de 2018, 3 resumem capítulos de novelas: YouTudo Resumo de Novelas, Aponta Vídeos e Lulu Pereira. Seis canais focados em esporte (incluindo o Jovem Pan Esportes) aparecem no top 20. Completam o ranking canais religiosos (A MISSÃO TV e Mary — Futuro Imediato), piadas animadas (Charges.com.br) e um de política (o Joice Hasselmann TV, da homônima deputada federal).

Por fim, uma curiosidade: o sexto canal a perder mais projeção no Trending, chamado Pipa Combate — Pipas, humor e entretenimento, se concentra em pipas (ou papagaios, dependendo de onde você mora no Brasil). Nos vídeos do canal você pode aprender a fazer sua pipa em casa e presenciar batalhas nos céus. Num YouTube dominado por vídeos de histrionismo político, independente da sua preferência política, pegadinhas e desafios, a Novelo lamenta que um canal dedicado a pipas tenha perdido projeção.

As citações aos políticos
Outra forma de analisar como as eleições transbordaram para o YouTube é analisar os vídeos individuais em vez dos canais. Para isso, a Novelo criou um script que analisa o título e descrição do vídeo atrás de menções às seguintes figuras ou grupos políticos relevantes no pleito do ano passado:

Jair Bolsonaro, Lula, Fernando Haddad, Ciro Gomes, Henrique Meirelles, Geraldo Alckmin, Manuela D’Ávila Guilherme Boulos, Cabo Daciolo, Marina Silva, Sérgio Moro, João Dória, Dilma Rousseff, José Dirceu, PSL, PT, PDT, mito, cadeia, presidente, Lava-Jato, STF e Ibope.

Com a filtragem feita, foi fácil criar um banco de dados tabulando o número de citações a qualquer termo em cada dia do segundo semestre de 2018. O resultado é o gráfico abaixo:

Clica para ver inteiro

O gráfico deixa claro que Bolsonaro dominou o YouTube Trending durante praticamente todo o ciclo eleitoral. Foram raros os dias em que houve mais menções a outra figura política que não o atual presidente — o único a ultrapassar Bolsonaro nestes dias foi o ex-presidente Lula. Isso não significa, porém, um embate próximo entre correligionários de ambos os políticos. Mesmo nos dias em que há mais menções a Lula, elas são feitas por canais que apoiam o atual presidente logo após a eventos envolvendo Lula.

Quando um desembargador plantonista do TRF-4 concebeu liberdade ao ex-presidente, o canal Bolsonaro TV publicou um vídeo com a seguinte descrição: “Desembargador tenta soltar Lula mas é desmascarado por Bolsonaro e impedido por Moro”. O Terça Livre TV seguiu uma linha similar: “URGENTE! — Desembargador PTista manda soltar Lula / MORO reage!”. O tom é, majoritariamente, este, com algumas exceções, como o Mídia Ninja (‘Plantão NINJA — #LulaLivre — Lula recebe habeas corpus do TRF4’) e a agência de notícias EFE Brasil (“Lula livre por ordem do TRF-4").

O desempenho de Bolsonaro mostra três fases distintas, marcadas por dois eventos: a facada que o então candidato recebeu em Juiz de Fora (MG), no primeiro ápice do gráfico, e sua confirmação como presidente eleito do Brasil, no segundo ápice. Até a facada, as citações a Bolsonaro parecem atreladas às feitas a Lula. Com a facada, começa um momento de alto engajamento que durará a eleição inteira. Com a vitória garantida, as menções refluem e vão caindo até o fim do ano.

Substituto de Lula na urna, Fernando Haddad não chega nunca a ameaçar Bolsonaro no YouTube. Sua linha sobe perto do segundo turno e ocupa a vice-liderança até o dia do segundo turno. Depois, despenca e nunca mais volta. No dia de 26 de outubro, embalado pelo resultado, o termo "presidente" toma o lugar de Haddad atrás de Bolsonaro.

Quem surfa essa onda pró-Bolsonaro é um canal chamado Bolsonaro TV. Não está clara a relação entre o canal e o político — muitos dos vídeos sugerem uma proximidade entre ambos. Bolsonaro tem seu canal oficial, onde publicava vídeos, mas a Bolsonaro TV acumulou 5x mais aparições no Trending que sua contraparte oficial. O cenário muda em outubro: o canal oficial encosta no amador e, em novembro, mantém altos números, enquanto o amador despenca para um décimo do "rival".

Uma consideração final

Como já dito na primeira parte, o algoritmo que rege o YouTube Trending é uma caixa preta — só o próprio YouTube poderia explicar o que credencia um vídeo para entrar no ranking, mas a empresa não fala sobre o assunto.

Há de se considerar algo sobre o reflexo das eleições nos rankings: como não sabemos a relação entre as recomendações do YouTube e o Trending, estamos no escuro para entender como o YouTube ajuda, indiretamente, a formar esses mais de 17 mil rankings analisados.

As recomendações são uma ferramenta poderosa do YouTube para manter você no site pelo maior tempo possível e estudos já mostraram que o site prefere recomendar vídeos com alto teor de engajamento, o que já significou dar vitrine para quem defende teorias da conspirações e mentiras deslavadas.

É leviano defender que os dados desta análise provam que o Google, dono do YouTube, tem preferências partidárias. A predileção pelo atual presidente reflete uma tendência clara no eleitor médio brasileiro na época da extração dos dados.

O que não se sabe é como o YouTube, por meio dos seus algoritmos, ajudou a retroalimentar essa tendência recomendando vídeos elogiosos e que defendem Bolsonaro. É o tipo de dúvida que permanecerá enquanto a própria empresa não se prontificar a explicar o funcionamento do algoritmo de recomendação.

Em outras palavras: escolha a poltrona mais confortável da sua casa para esperar esse dia.

No próximo, o patrão no YouTube

Na terceira parte, vamos falar sobre as categorias mais populares (sempre levando em conta a qualidade dos dados autodeclarados) e mostrar como o SBT é o canal de TV aberta que dominou o Trending no Brasil.

O que é a Novelo?

A Novelo é um estúdio de data analytics em São Paulo. Somos especializados em tirar sentido daquela montanha de dados que nos cercam.

Trabalhamos em projetos baseados em dados para solucionar problemas específicos de negócios, automatizar a coleta e análise de informações e criar relatórios, narrativas ou serviços online.

Os projetos podem, por exemplo, indicar qual é o perfil sociodemográfico dos seus clientes, quem são os influenciadores mais indicados para sua campanha e como o setor onde sua empresa atua vem se movimentando — e o que isso significa para seu produto ou serviço.

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