Análises e Recomendações: Fantaspoa 2022. — P.03.

Teteus
11 min readMay 22, 2022

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Dando continuidade a série de pequenos reviews sobre algumas obras do Fantaspoa, o festival de cinema fantástico de Porto Alegre, hoje vou falar sobre alguns curtas-metragem com uma temática mais dramática ou emocional, ou pelo menos mais bonitinhos. As partes anteriores dessa série estão disponíveis aqui (p.01) e aqui (p.02). O site do Festival está disponível aqui.

Una Nuova Prospettiva (2020) Curta-metragem — Emanuela Ponzano.

Um grupo de jovens caminha por uma floresta pegando itens jogados no chão. Quando um deles se separa, cenas de pessoas sendo perseguidas por policiais, torturadas e tendo seus bens jogados fora, aparecem enquanto um dos jovens caminham. O que será que está acontecendo?

Una Nuova Prospettiva é um filme que usa da caracterização de época clássica da Europa do século XX (20) para propor uma comparação crítica e política dos dias atuais.

(Spoiler). O começo do filme nos mostra jovens brancos com roupas típicas da Europa da metade do século XX para nos dar uma ambientação de época. A suposição é que estamos em um período entre guerras, sem saber especificar exatamente quando. Essa pressuposição muda, quando começamos a ver policiais fardados com roupas atuais e objetos contemporâneos. Também nos é mostrado pessoas sendo perseguidas, e logo descobrimos se tratar de imigrantes. Os jovens na floresta pegavam os itens deixados pelos imigrantes ilegais e o tomavam para si, mas um dos jovens, resolve devolver o celular de uma família que ficou presa na fronteira. (Fim do Spoiler).

A ideia do curta é bastante clara: comparar os governos totalitários e a Europa entre guerras, com as perseguições a estrangeiros e judeus, com os atuais problemas dos imigrantes no período atual. A ideia é boa e inteligente, e acerta na maior parte, mas peca em alguns detalhes, como um ritmo lento, algumas propostas um pouco confusas e outros detalhes, mas o resultado final é muito bom e interessante.

Sideral (2021) Curta-metragem — Carlos Segundo.

Na base aérea de lançamento de foguetes de Natal no Rio Grande do Norte, uma família de baixa renda está prestes a presenciar o primeiro lançamento de um foguete tripulado no país. A mulher trabalha como faxineira no centro de lançamento e o homem como mecânico em uma oficina. Mas após o lançamento a família vai ter que lidar com uma notícia um tanto inesperada.

Filmado em preto e branco para dar maior dramaticidade a uma história que beira entre o drama e o cômico, Sideral não ganhou prêmios a toa. A obra retrata o contraste da realidade social brasileira com o avanço tecnológico de alguns centros (no caso, temos o contraste de uma família de baixa renda, com um centro de lançamento de foguetes). O casal também não vive um período muito fácil, e o final nos mostra uma situação que talvez uma boa parte dos brasileiros se identifiquem.

(Spoilers). Após deixar a esposa na base de lançamento onde ela trabalhava como faxineira, o marido vai para a oficina mecânica onde atuava. De lá ele vê pela televisão o lançamento do primeiro foguete tripulado. No mesmo momento, as crianças em casa podem ver o foguete subindo no céu de suas casas. Após voltar para a casa, a família recebe uma notícia inesperada. A esposa havia se infiltrado na espaçonave e viajado para o espaço escondida, e não voltaria por pelo menos alguns anos. (Fim dos Spoilers).

Other Half (2021) Curta-metragem — Lina Kalcheva.

Em um mundo lotado de casais, uma mulher solteira busca a pessoa que a irá completar.

Other Half é uma animação no estilo stop-motion feita de massinha de modelar. A proposta estética da massinha casa perfeitamente com a ideia e a narrativa do curta. Nesse mundo feito de massinha, as pessoas são incentivadas a acharem um par para se completarem. Quando encontram, se fundem, se tornando um único ser, ou um ser “grudado” ao outro.

Acompanhamos a história dessa nossa protagonista solteira, que desesperada para encontrar aquele que a irá completar pede ajuda para a deusa do amor (a imagem do cartaz é a deusa do amor), mas ao invés de encontrar sua cara metade, nossa protagonista passa por inúmeros relacionamentos abusivos, como parceiros extremamente narcisistas ou possessivos, que vão tirando partes dela, ou a esgotando. Nossa protagonista então precisa aprender a maior das lições, que o que mais importa é o amor próprio. (Spoilers). Quando finalmente se aceita, e passa a se amar, nossa protagonista passa por um processo de fusão consigo mesma, e se torna igual a deusa do amor, e percebe que o amor próprio era o mais importante desde sempre. (Fim dos spoilers).

Other Half é uma história simples sobre amor próprio, mas sua proposta estética de ser feito com massinha dá um charme sem igual ao curta. Como melhor representar a busca incessante por um relacionamento e pela necessidade de se preencher do que com um metáfora de “se fundir” ao outro? É essa ideia simples, mas bem executada, que Lina Kalcheva consegue passar para nós.

The Han Flows (2021) Curta-metragem — Park Seung Chan.

Uma mulher abandonada pelo namorado e um homem em dívidas estão para cometerem suicídio. Mas ambas as tentativas falham, e eles decidem tomar novos rumos na vida, mas a sorte não está ao seu lado.

(Spoilers). Nesse curta sul-coreano bastante trágico, uma mulher abandonada pelo namorado está dentro do carro debaixo de uma ponte esperando para cometer suicídio por intoxicação, quando de repente, um homem bêbado e acabado aparece para pedir um isqueiro. Ela hesita, mas após a insistência do homem, ela o entrega. O homem então sobe a ponte, e se prepara para pular, aparentemente por conta de dívidas. Porém, a tentativa de ambas falha. A mulher desiste de última hora, e o homem sobrevive a queda. Ambos estão debaixo da ponte nesse momento, e até então a expectativa de quem assiste é que os dois se encontrem e fiquem juntos, mas não foi isso que Park Seung Chan planejou para os personagens. Em uma reviravolta até um pouco esperada, porém temida, em uma sequência de tragédias, os dois personagens acabam morrendo de forma trágica e desoladora pouco após decidirem mudar suas vidas, deixando um gosto amargo para o espectador, mas mostrando que a vida nem sempre é tão boa assim. (Fim dos Spoilers).

The Han Flows tem um bom trabalho de direção e de fotografia, e sua história foi feita para nos dar um gosto amargo de fato. Infelizmente, de todos os curtas, esse é o que menos deu sinal de existir em qualquer lugar da internet.

Misdelivered (2020) Curta-metragem — Jaehyeok Kwak.

Uma mulher que acabou de se mudar precisa voltar ao seu apartamento antigo para pegar uma encomenda que havia sido entregue por engano em sua antiga casa. Ao chegar lá, um homem a recebe e a pede para entrar e ajudá-lo a procurar sua encomenda no meio de várias caixas, mas as coisas começam a ficar um pouco estranhas a partir de então.

Mais uma produção da qual eu sequer achei sinal dela na internet, infelizmente. (Spoilers) Para os interessados, a história mostra uma mulher que vai buscar sua encomenda na antiga casa e la encontra um homem que começa a agir de modo estranho. Com a porta fechando, as cortinas sendo fechadas, a mulher começa a suspeitar que o homem tenha segundas intenções. Ao ligar para o entregador que havia errado os locais, ele comenta que na casa uma mulher o havia atendido, e logo depois, ao olhar para o quarto, ela vê vários produtos femininos. Desesperada a mulher tenta ir embora de qualquer jeito, mas não consegue abrir a porta, até que o homem abre a porta para ela. Nesse momento é mostrado seu celular, com vários adesivos tipicamente femininos, dando a entender que o homem na verdade se vestia de mulher, e estava de fato perdido no meio de várias caixas, mas ao mesmo tempo, assustado que a mulher descobrisse sua identidade, mas sem explicar muito mais do que isso. (Fim dos Spoilers).

A ideia do curta é basicamente pregar uma peça, com um plot twist bastante inesperado, mas não tão impactante. Atuação e direção são muito boas, e a nota geral do curta também.

Mon Ami Qui Brille Dans La Nuit (2020) Curta-metragem— Grégoire De Bernouis, Jawed Boudaoud, Simon Cadilhac, Hélène Ledevin.

Enquanto vagava em seu caminho de volta para o além, uma fantasma é atingido por um raio e se perde de seu trajeto. Sem saber para onde ir, ela passa a conviver com o homem, dono da fazenda, da qual ele caiu, que a ajuda a procurar para onde ir.

Felizmente temos aqui um curta disponível na internet pelo youtube (link do curta). Infelizmente, o filme é em francês e as legendas só estão disponíveis em inglês, para quem souber um dos dois idiomas, vale a pena assistir.

Mon Ami Qui Brille Dans La Nuit é um curta de uma história simples, entre um homem e um fantasma buscando seu rumo, mas apesar do ritmo um pouco acelerado, a animação e os diálogos são muito fofos e bonitinhos, o que dá uma leveza muito grande para a obra, que apesar da ideia inicial se mostrar mais dramática, no final, busca uma história mais acalentadora do que triste.

La Mémoire Du Médaillon D’or (2020) Curta-metragem — Clara Danjoux.

Uma jovem camponesa ouve um misterioso barulho vindo da floresta. Ao se aventurar ela encontra um lindo cavalo que a leva para o fundo de um lago. Lá ela encontra o corpo de uma jovem mulher com um brilhante medalhão dourado que lhe revela memórias da jovem falecida no fundo das águas.

Mais um curta que felizmente está disponível (link aqui), aliás este perfil no youtube possui vários curtas disponíveis para ver. Felizmente La Mémoire Du Médaillon D’or não possui falas então você não precisa se preocupar com o idioma.

A história é bastante simples, mas tal como o curta anterior, possui uma animação muito bonitinha, e o objetivo final parece ser uma história fofa e um tanto meiga.

Mary’s Room (2021) Curta-metragem — Christopher H.F. Mitchell.

Vivendo em um relacionamento um tanto estranho, uma mulher procura ao máximo agradar ao seu parceiro, mas no mesmo dia em que compra um vestido novo, o homem chega em casa com uma outra mulher e Mary não entende o que está acontecendo.

(Spoilers). Mary, uma mulher coreana, vive junto de seu parceiro em um bonito apartamento. Mary é uma mulher tímida, que fala pouco, mas se preocupa constantemente com o bem estar do homem com quem mora. O relacionamento dos dois é estranho a principio. Nos é mostrado o homem sem se preocupar muito com a mulher, passando muito tempo no trabalho, e usando a mulher basicamente para ter relações sexuais, o qual fica um tanto ambíguo as sensações de Mary a respeito. Porém, Mary, permanece se preocupando com o homem, e decide comprar um vestido novo que chega por encomenda, mas no mesmo dia, o homem chega com uma nova mulher em casa. Os dois permanecem conversando e flertando, enquanto Mary, sem entender o que está acontecendo, permanece quieta e atônita. Os dois vão para a cama, e após transarem, observam Mary parada em frente ao quarto encarando sem muita expressão os dois. Nesse momento entendemos que Mary era um robô, que fazia as funções da casa e era usada como boneca sexual pelo homem. Porém, a forma como nos é apresentada Mary, nos faz entender que ela possui sentimentos e emoções, mesmo que em estágios iniciais, e um grande afeto pelo homem que dividia a casa. A chegada de uma outra mulher a deixa confusa, bem como os espectadores, que demoram até entenderem o que está acontecendo. (Fim dos Spoilers).

Mary’s Room é um curta lento, com uma estética mais limpa e futurista. Seu ritmo pode deixar algumas pessoas um pouco entediadas com a história, e a partir da segunda metade do curta, a confusão e a sensação de raiva por Mary, é o que predominam.

Não sei se isso foi algo pensado pelo roteirista, ou uma coincidência, mas Mary’s Room parece fazer uma leve menção, e neste caso é apenas uma ideia aproximada, ao problema filosófico “O Quarto de Mary”. (Artigo da Wikipédia sobre o tema). Em que uma cientista, Mary, que possui todos os conhecimentos físicos sobre cor, como frequência das ondas, reações causadas no cérebro humano, etc, cresce em uma sala completamente em preto e branco, ou seja, sem saber o que de fato são as cores, sem as nunca ter visto. A pergunta que se faz é, a partir do momento que for exposta às cores que ela nunca viu, mas sabe com detalhes do que se trata a nível físico, qual será sua reação?

Numa avaliação geral, Mary’s Room tem uma história bastante interessante, mas peca um pouco em sua execução. Infelizmente também não encontrei o curta na internet.

Los Días Que (Nunca) Fueron (2021) Curta-metragem — Kevin Iglesias; Pedro Rivero.

Os cientistas descobrem que Júpiter está em rota de colisão com a terra, e que o fim do mundo inevitavelmente se aproxima. Nesta curta animação, vemos como possivelmente seriam os dias finais na terra dado tal situação, e como ela é extremamente familiar com algo já vivido.

Los Dias Que (Nunca) Fueron é uma clara alusão a situação vivida pela humanidade no começo da pandemia. Ao invés de falar de um vírus, os idealizadores decidiram mudar a situação para uma hipotética rota de colisão entre Júpiter e Terra, mas este cenário é apenas uma fachada que não esconde, e não pretende esconder, absolutamente nada. Este curta de animação, mostra os estágios iniciais da pandemia pelo mundo. A correria nos super mercados, a necessidade de ficar preso em casa e como isso afetou de diferentes formas as pessoas, entre inúmeras outras situações causadas pela pandemia de Covid-19. O curta não dá ênfase apenas a situação de “caos”, mas também às pequenas frustrações que todos nós tivemos de encarar. Passeios cancelados, casamentos adiados, convivência complicada em casa, entre outras coisas que, no meio de inúmeras mortes por uma situação desconhecida, pareciam ser problemas “menores”.

Apesar de não ter encontrado o curta na internet, me parece que ele estará disponível em algum tempo, pois encontrei inúmeras menções a ele.

Don’t Go Outside (2021) Curta-metragem — Natasha Halevi.

Uma mulher acorda todos os dias em sua casa tendo de repetir as mesmas coisas todos os dias. Todos os dias ela recebe uma ligação dizendo que ela não pode, de jeito nenhum, sair de casa. Até que um dia ela sai de casa.

Ainda na esteira de obras sobre a pandemia, temos o simples Don’t Go Outside, um curta com uma história bastante básica. (Spoilers). Uma mulher acorda todos os dias e recebe ligações para ficar dentro de casa até que finalmente decide sair de casa e morre devido a alta concentração de elementos maléficos na atmosfera. Novamente temos uma metáfora sobre a pandemia e sobre não sair de casa, mas feita de forma um pouco mais simples. (Fim do Spoilers).

No próximo review, irei comentar sobre os curtas de animação que não foram citados até agora. Até mais.

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Teteus

Formado em Comunicação, aspirante a escritor e roteirista, e interessado em aleatoriedades