Antonio K
8 min readAug 23, 2020

Analisando Fortnite, episódio 1: as 2 primeiras Heurísticas de Nielsen

Primeiro episódio (sem contar a Intro) da série que estou escrevendo sobre as Heurísticas de Nielsen. Nele, você verá como Fortnite aplica as 2 primeiras Heurísticas

Dessa vez, sem introduções! O título já diz tudo.

A não ser que você não tenha lido o post anterior, em que explico a ideia dessa série. Se for o caso, volta lá. Se não for, vamos direto ao assunto!

1ª Heurística de Nielsen: Visibilidade do Status do Sistema

O ser humano sempre quer entender o que está acontecendo ao seu redor e se sentir no controle da situação, e isso não será diferente com o usuário do seu aplicativo. Essa pessoa, quando engajada com seu produto, terá uma necessidade constante de:

– saber detalhes atualizados sobre a situação do sistema que está sendo operado;

– entender como ela pode agir para encurtar os caminhos para seus objetivos.

Mas como seres humanos não conseguem ler bits e têm uma memória bem curta, o seu sistema só será transparente se você fornecer as informações-chave para seu usuário.

Um exemplo clássico disso pode ser observado em qualquer jogo (que se preze), quando passamos da tela de menu inicial para a tela do jogo em si. A tela intermediária entre essas duas trará algum tipo de animação acompanhada, geralmente, pelas palavras “now loading…”.

A animação mais padrão é uma bolinha rodando ou uma barra sendo preenchida, mas você pode encontrar ideias mais arrojadas, como uma versão chibi do protagonista comendo uma panela gigante de arroz. Ou ainda, se você quer algo realmente lisérgico, um dinossauro verde e simpático que se alimenta de tartarugas e é montaria de um encanador italiano bigodudo e baixinho com um apetite voraz por cogumelos silvestres vestindo uma camiseta vermelha e um macacão azul correndo pelas pradarias. Uau :o

Isso é uma coisa tão óbvia e natural para nós que provavelmente nem nos perguntemos mais qual a função desse tipo de tela intermediária, mas sem ela o jogador ficaria completamente perdido. Se o tempo de carregamento fosse muito grande, ele poderia até achar que o jogo travou.

Também temos várias oportunidades de ver aplicações muito inteligentes dessa heurística em Fortnite. Eu tive a felicidade de achar no YouTube um vídeo da ex-diretora de UX do Fortnite, Celia Hodent, e vou compartilhá-lo aqui caso você queira assitir inteiro (spoiler: é bom demais): https://www.youtube.com/watch?v=4DE_4HUX94E

Ela comenta sobre essa questão da memória, de como nós não conseguimos decorar muitas informações sobre um sistema, principalmente informações dinâmicas, que mudam a todo o momento — vida do meu personagem, vida do inimigo, quantidade de munição, localização, onde eu posso construir estruturas, etc.

Então, no caso de um jogo, você precisa avaliar como funcionará sua mecânica para entender de quais informações o jogador precisa para ter uma boa experiência. O Fortnite é muito feliz nesse ponto. Toda vez que o jogador ativa o menu de construção, ele recebe de forma organizada informações relevantes que o permitem saber o que está acontecendo. Através de várias microinterações, ele sabe onde pode construir, ou como as peças se encaixam, por exemplo.

Celia explica com muitos detalhes esse e outros pontos relativos a UX em Fortnite, então é um conteúdo que eu recomendo caso você queira se aprofundar no assunto.

2ª Heurística de Nielsen: Compatibilidade entre o Sistema e o Mundo Real

É importante que seu aplicativo fale uma linguagem que seu usuário não apenas entenderá, mas também que seja familiar para ele. Adaptando isso para o universo dos games e para a nossa análise, podemos dizer que um jogador gosta de usar coisas que ele já tenha usado em seu cotidiano no mundo real, ou também de coisas que ele já tenha visto em outros jogos.

Uma das consequências disso é um fenômeno bem interessante para o qual é bom estar atento: uma mecânica comum entre dois jogos pode facilitar a migração dos jogadores de um para o outro.

Então, como exemplo para nosso estudo de caso, vamos pegar o mod de battle royale de Minecraft e Fortnite.

Fortnite e Minecraft

Existem alguns elementos em comum nesses dois jogos que os aproxima. Os mais óbvios são as mecânicas de construção de itens, de mapa aberto e de sobrevivência. Mas eu quero me aprofundar em um ponto em comum que pode passar despercebido e é bem importante: o uso das ferramentas.

Em ambos os jogos, se um jogador quer extrair recursos do cenário para fazer um item ou construir uma estrutura, ele usa uma picareta. Claro que as picaretas são representadas em estilos bem diferentes em cada um, mas é o mesmo item e a mesma mecânica, o que estabelece uma ponte entre esses dois universos. Então o jogador que estava habituado com a mecânica de Minecraft, quando entra em Fortnite, já sabe para que serve e como usar aquela picareta.

Picareta do Minecraft e a picareta do Fortnite

A maneira como as informações estão dispostas na interface também é outro ponto em comum entre os dois jogos. Itens (com seu status de durabilidade) e recursos (com suas quantidades) ficam dentro de caixas em um menu na tela do jogo ou no inventário mais detalhado do personagem, que pode ser aberto com um comando.

Pode até ser que essas interfaces tenham diferenças entre si nos dois jogos — em Minecraft as informações estão mais centralizadas na parte de baixo da tela para o jogador ver tudo no mesmo canto, enquanto em Fortnite elas ficam mais distribuídas. No entanto, o fato de o feedback de durabilidade dos itens e de quantidades dos materiais ser dado em números, e de essas informações estarem dispostas em caixas, gera uma familiaridade para o jogador de Minecraft que está migrando para Fortnite, porque esse usuário conseguirá encontrar e decifrar as informações que precisa com menos esforço.

Minecraft/Fortnite

E uma parte importante da função do UX Designer é mesmo minimizar o máximo possível a quantidade de esforço desprendida por seu usuário na interação com seu produto.

Bom, agora vamos entender a relação de Fortnite com o mundo real.

Fortnite e o mundo real

O que liga esses dois universos? A ponte que conecta o mundo real e fortnite é o esqueumorfismo. Esse é um princípio do Design em que um objeto derivado (por exemplo, uma representação de uma bazuca em um jogo) retém estruturas que só eram necessárias nos objetos originais (uma bazuca de verdade).

Pense assim: você poderia ter um jogo em que um dispositivo lançador de mísseis fosse um cubo amarelo. Esse cubo não teria um gatilho, uma mira ou um cano cilíndrico, mas apresentaria uma contagem de munições e dispararia mísseis de maneira perfeitamente funcional. Isso é possível na vida real?

Não preciso nem responder. Uma bazuca de verdade precisa de um gatilho para o comando de disparo, de um cano cilíndrico onde o míssil será inserido até ser disparado, fora uma série de mecanismos internos que eu e (provavelmente) você nem fazemos ideia de como funcionam. Mas se você não precisa dessas estruturas funcionais (gatilho, cano cilíndrico etc.) na bazuca de um jogo para disparar um míssil, por que elas estão lá?

Justamente para criar essa familiaridade no jogador. Para ele saber que uma bazuca no jogo é uma bazuca, o ícone e a skin desse item precisam remeter ao objeto real, do cotidiano desse jogador. Claro, não estou dizendo aqui que todo jogador de Fortnite opera bazucas no seu dia a dia, mas você entendeu, basta ter assistido Um Dia de Fúria pra nunca mais esquecer o que é uma bazuca.

E isso acontece com todos os itens de Fortnite. Os ícones dos materiais (madeira, tijolo e ferro) têm em si elementos em comum com a madeira, tijolos e ferro que vemos no nosso dia a dia.

Mas será que por isso podemos dizer que Fortnite tem um estilo realista?

Fortnite e o estilo cartoon: ampliando o público alvo

Não devemos concluir, com base no que discutimos sobre esqueumorfismo, que o Fortnite tem um estilo propriamente realista. Na verdade, a direção de arte do jogo optou por um estilo mais cartoon, e isso tem tudo a ver com a 2ª Heurística de Nielsen, porque esse elemento estilístico permite que o jogo dialogue também com um público mais novo (de 10 a 13 anos, às vezes até menos), já que estabelece uma conexão com o universo dessas pessoas.

Esse estilo me lembra até os desenhos da Pixar (ou de outros jogos, como a trilogia de Crash Bandicoot, Splatoon 2 ou mesmo os jogos da Nintendo de um modo geral). Os personagens têm uma proporção até próxima da proporção de uma pessoa real, mas eles têm esse estilo de cartoon, o que lhes dá uma aparência de “divertido” (além de suavizar muito a violência envolvida no gameplay). Isso tudo permite uma conversa mais direta com o público jovem.

Como o jogo traz elementos de sobrevivência, guerra e armas (temas mais próprios do universo adulto), ele consegue ter uma boa repercussão com um público mais velho também.

Eu gostaria de concluir este episódio da série com o seguinte pensamento, que está relacionado a essas duas primeiras Heurísticas de Nielsen (e provavelmente com as outras também): no desenvolvimento do seu produto, se você desenvolver alguns exercícios de UX para entender seu usuário — como criar uma persona, falar com usuários teste ou criar uma jornada dos passos do seu usuário –, isso vai te ajudar muito a saber o que você precisa fazer para melhorar. Porque você saber quem é esse usuário (do que ele gosta, o que ele assiste, o que ele escuta) te ajuda a trazer elementos com os quais ele está familiarizado para dentro do seu produto.

Com isso, você pode desenvolver uma linguagem mais íntima com seu usuário, o que vai te ajudar a seduzi-lo. Essa linguagem pode ser visual, por exemplo, se você vai inserir um ícone de construção na sua interface, deve se perguntar: o que esse usuário vê de construção? E com base nisso, poderá decidir como esse ícone deve ser: um castelo, um martelo, uma picareta… Isso vai depender de cada um e de como você quer estabelecer a conexão com o seu público.

Fortnite, Crash Bandicoot, Splatoon, Onward e Os Incríveis

Mas no caso, essa linguagem também pode ser escrita, quando a gente está falando de UX Writer. Aqui, você escreve textos que tenham a ver com seu usuário e com o modo de ele se expressar, e a partir disso cria uma conexão. Seu usuário fala gírias? Que tipo de temas o interessam? Que tipo de referências você pode ter para trabalhar essa comunicação escrita?

Espero que tenha gostado desse primeiro episódio. Deixe seu like / clap / coração / Yoshi se este texto foi útil para você, porque isso me incentiva a escrever mais.

E se você quer conhecer melhor meu trabalho, pode acessar behance.net/Komiyama e dribbble.com/Komiyama.

Até o próximo episódio ;)