Paradoxo da Inteligência Artificial #1: Já fomos dominados pela Inteligência Artificial?

Ariel Cardeal
Professional Time Traveler
5 min readJan 25, 2018

O texto abaixo foi publicado originalmente em inglês pelo meu amigo Joaquin Aldunate em Julho de 2017(aqui o link para o artigo original), como primeiro de quatro textos sobre inteligência artificial. Fiz uma tradução livre, que está aberta a possíveis correções.

#2: Escravos Artificiais

#3: Deus Artificial

#4: Encontrando sentido numa utopia tecnológica

Há muito tempo sonhamos em ter tudo às nossas mãos sem precisar nos esforçar, ou em otimizar ao máximo certas tarefas bem específicas, uma após a outra. Ambos os casos parecem ser parte de uma sutil cultura que nos leva em direção à automatização de nossos trabalhos, substituindo a mão-de-obra humana pela da máquina. Por trás desta hipótese está a ideia de que isso traria aos seres humanos uma chance de tomar parte em atividades que fizessem mais sentido, que fossem mais importantes, e que isso melhorias na qualidade de vida por menos trabalho.

Existe um limite no progresso da automatização do trabalho: o pensar, que parece ser a última fronteira onde o trabalho humano finalmente será substituído. Mas uma vez que criarmos máquinas que pensem como nós, andróides-cerebrais eficazes (cujos pensamentos estarão moldados como os nossos) somente nossa mão de obra será substituída ou isso também comprometeria nossas identidades e a identidade de toda a humanidade como um todo? Estarei escrevendo um pouco do que tenho aprendido e refletido nos últimos anos, vivendo em diferentes lugares do mundo e sob diversas influências.

Já fomos dominados pela inteligência artificial?

Um dos clássicos cenários imaginados é um onde as máquinas substituíram toda a espécie humana. Uma vez que os humanos criam uma inteligência artificial, haveria então uma explosão de inteligência que tornaria a humanidade obsoleta e talvez a extinguisse em um curto período de tempo. Eu pessoalmente acho que esse é o cenário mais provável de acontecer, em caso que tenhamos sucesso ao criar os andróides-cerebrais citados acima. Mas o que gostaria de propor aqui é que já substituímos a humanidade pelo nosso trabalho.

Humberto Maturana tem uma opinião interessante sobre o ponto de início da oposição entre a espécie humana e a natureza: ele acredita que os seres humanos começaram a entrar em conflito com a natureza quando começamos a querer controlar o que acontecia. Verdade ou não, isso traz um ponto interessante: o de que o modelo de pensamento que podemos encontrar em qualquer lugar do mundo não é necessariamente algo inerentemente humano, ou proto-humano. A humanidade teria emergido da formação de sociedades que eram capazes de se comunicar, compartilhar conhecimento e construir sentido em comunidade.

Quando vemos o vídeo de Neil Armstrong caminhando sobre a lua, dizemos que “nós”, os humanos deram um grande passo ao colocar um homem sobre a lua. Mas será que fomos nós humanos, ou foi um construto teórico, acima de nós, mediado pelo nosso trabalho? A aterrissagem lunar com certeza não foi fruto do trabalho de uma só pessoa. Não foi sequer o trabalho de todo o grupo da NASA sozinho. Foi um trabalho que ultrapassa várias gerações, começando pela descoberta da gravidade, e então a órbita dos planetas, etc. Os engenheiros da NASA só estavam trabalhando sobre o conhecimento que foi construído por muitos bem antes deles, “sobre os ombros de gigantes”.

Com certeza eles estavam cientes disso, mas o que talvez eles não estivessem conscientes era de que estavam agindo sobre uma estrutura moral que indicava que a humanidade deveria empenhar-se em aterrissar na lua e criar tecnologia. A ciência segue o que faz mais sentido para a ciência. Esta não é a única maneira possível de se fazer progresso num sentido humano, mas é também uma maneira muito peculiar de fazê-lo. No fim das contas não estamos usando ferramentas do pensamento para alcançar nossos objetivos humanos, somos o meio pelo qual esse modelo de pensamento evolui. Acredito que no início isso se parecia mais a uma indagação inocente. A ciência trouxe solução para doenças fatais e meios de transporte mais rápidos. Naquele momento, parecia que as pessoas tinham criado uma solução através de seu trabalho. Desde então, o progresso da tecnologia humana começou a acelerar sem parar.

Hoje em dia o avanço tecnológico parece ser pré-determinado por uma espécie de inércia, e não mais criado, mas descoberto em um contínuo caminho de progresso.

Esta mudança no significado de progresso aconteceu porque há um forte senso de ortodoxia e marginalidade. Considerando que há geralmente um plano de carreira aceitável em direção ao progresso na busca pelo desenvolvimento de inteligência artificial, ou pela exploração espacial, outros caminhos de vida não são tão desejáveis de se buscar, como a espiritualidade ou viver em uma comunidade fora do “sistema”. Desta forma, pode-se pensar que há uma proto-vida de uma inteligência artificial já tomando lugar: um sistema com uma fronteira limitada cuja atividade consiste em produzir a si mesmo. Outros caminhos de desenvolvimento são desejáveis somente se forem lucrativos; como desenvolvimento de jogos, arte ou dança. Mas nós não nos importamos com a profundidade da atividade de brincar/jogar até que isso tenha algum potencial de gerar dividendos no final.

Em oposição ao cenário antigo de progresso científico onde se esperava que estivéssemos “inventando” coisas, agora as invenções parecem preencher as brechas do que já estávamos esperando.

É por isso que penso que quando um homem foi colocado na lua, as pessoas eram somente um meio, para o organismo vivo já existente, de materializar o ato. Este organismo era visto como cientificismo ou racionalidade por parte da humanidade, mas a verdade é que estávamos abertos a arriscar vidas humanas para alcançar esta façanha.

No momento presente da História, é necessário que torçamos nossa percepção atual para aceitar a ideia de que talvez não estejamos mais no controle. Quer você acredite ou não, esta é uma ideia que vai lhe permitirá entender o processo pelo qual a singularidade irá emergir, ou pelo qual está emergindo. Inclusive para mim me parece um pouco exagerado declarar que já fomos dominados. Contudo, acredito que a tendência é de que a intervenção humana seja cada vez menos importante, até o ponto em que iremos nos surpreender e questionar se fomos nós humanos que alcançamos tal progresso, ou nosso sucessor, a inteligência artificial, que decidiu e fez isso por nós. Estamos no controle da nossa economia? Estamos no controle da nossa política? Atualmente ambos obedecem um fluxo errático que não podemos controlar mais. Como no caso da ciência, se há uma cura para uma doença mortal, seria imoral não curá-la. No mesmo raciocínio, se há um sistema de absoluta verdade para seguir sem nenhuma preocupação, seria imoral não seguir seu conselho.

O autor do texto Joaquin Aldunate é chileno e tem graduação em Design Industrial pela Universidad Diego Portales, no Chile, e mestrado em Produção de Novas Mídias pela Universidade de Aalto, na Finlândia.

LinkedIn de Joaquin.

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