Sexo, Cocaína e Assassinatos, e a contradição de um Trapstar engajado

FBC, e seu clássico inesperado foi uma das melhores surpresas de 2018.

SONÂNTICA
5 min readFeb 11, 2019
‘’S.C.A’’ álbum do FBC, foto por F.H Oliveira e arte de Michel Testa.

Primeiro, nem todo Álbum de Rap ou qualquer outro estilo musical precisa ter uma linha narrativa contínua, como se tivesse um quadro bem maior por trás de cada música e no final formasse um grande quebra cabeça. Segundo, não tenho a intenção de analisar música por música como fiz com o Álbum do Bk’. Não é esse tipo de análise ou resenha que pretendo realizar com esse Disco e irei explicar os motivos.

Quando comecei a escrever esse texto notei que algo estava faltando, assim decidi guardar o texto por algumas semanas, enquanto isso ouvia o S.C.A e VETERANO do Nego Gallo (Escutem!!) de forma constante. Uma música em especial abriu meus olhos e finalmente a ficha caiu. Não adiantava fazer uma análise meramente técnica desse Disco, aqui tenho que abrir um parênteses.

O cenário atual do rap fora dos palcos é marcado cada vez mais por análises, críticas, resenhas, reações e afins. São pessoas que analisam a capa, flow, mixagem, masterização, referências, multissilábicas e por ai vai. Não estou dizendo que isso seja ruim, pelo contrário, acredito que seja algo que acrescenta no desenvolvimento do trabalho dos artistas e do cenário. Porém, na minha opinião, você pode ter isso tudo que listei, mas se não tiver coração, sentimento, verdade com o que você está cantando, principalmente no rap será mais um discurso vazio. Então, caso esse texto fosse apenas fragmentando cada letra, o flow que ele utilizou, o sample e etc, seria um pecado com o próprio Fabrício. Esse Disco merece muito mais que apenas “tecnocracia musical”. Ele merece coração, sentimento.

Parenteses fechado. A música que abriu meus olhos foi CONTRADIÇÕES. Pode ser pretensão da minha parte, mas essa faixa sintetiza a trajetória do FBC. O cara passa a semana viajando o Brasil fazendo shows, se hospedando em bons Hotéis, está com o Tênis caro que sempre sonhou, conseguindo proporcionar uma vida melhor para seus filhos. Entretanto, agora vem a contradição, no “final do dia” ele volta para o seu Bairro que nem asfalto possui, onde o “divertimento’’ dos meninos é vender drogas e ter uma arma (17 anos e um 38). Dessa forma, vejo o Fabrício tentando viver entre esses dois mundos, tentando “… Não virar notícia atrás da fita zebrada vítima ou ocorrência” . Ele está aprendendo e entendendo todas essas contradições coexistentes em um homem (ele), na cidade, no mesmo Bairro.

Ele vai deixando isso bem evidente durante as faixas. É um grito de alguém que tem algo que sempre sonhou, coisas com um alto valor financeiro, mas o Bairro não tem nem asfalto, o lazer dos meninos é o tráfico. Como fica o psicológico dessas pessoas? É algo que nunca é comentado, falamos da falta de saneamento, tráfico de drogas, violência policial e todas essas questões no campo material/físico. Precisamos discutir a questão simbólica, psicológica dessas pessoas. Muitos internalizaram/naturalizaram/introduziram que único instrumento para solucionar os problemas é a violência, porque foi o que ele aprendeu desde a socialização primária, na sua casa, nas ruas do seu bairro, na escola.

Viver nessa contradição é algo tão violento quanto uma surra, um tiro dado pela polícia. Hoje a vida está boa, mas que não mantém uma estabilidade, e que não vai conseguir ajudar todos daquela área, mesmo esforçando-se ao máximo de sua força (física e mental) não vão conseguir. Meritocracia numa sociedade tão desigual como a nossa não é real, nem um pouco. Porém, bons exemplos são mais do que bem vindos, são necessários, dessa forma ver a trajetória do FBC é um sopro de vida, de esperança para aqueles que mais precisam.

Contracapa

Em 33 minutos Fabrício é um observador-participante, onde narra e confidencia como é andar nas ruas do seu Bairro, como é hoje ser admirado pelos meninos da sua área, como sua vida está mudando, conta dos seus sonhos, como o Estado é extremamente violento com jovens negros, pobres. Depois disso tudo como eu poderia fazer um texto analisando o flow (Aliás está muito bom como sempre), beats, mixagem e afins? O Fabrício está nos confidenciando como sobreviveu, mas sem deixar de lembrar todas as merdas que passou.

Ele começa o disco com duas músicas nas quais queremos escutar logo quando acordamos; Acreditar nos sonhos, ver os amigos bem, ter dinheiro no bolso, viagens pra onde sempre sonhou, filhos tendo tudo do bom e melhor. No entanto, como eu tinha dito que CONTRADIÇÕES é a faixa que resume bem o Álbum, aqui vai mais uma. A última frase da última música termina dizendo “No fim do arco-íris não existe ouro”. Ele tem total noção que conseguiu quebrar uma maldita “linha” (Sexo, Cocaína e Assassinatos) financiada e construída por um Estado tão elitista, desigual e preconceituoso.

O disco soa pra mim antes de tudo sobre a desigualdade em todo nível imaginado. Sim, fala sobre vitória, acreditar, sonhar e correr atrás dos sonhos. Porém, e depois? E quando você voltar pro seu Bairro? Quando você vê seus “irmãos que sendo assassinados ou estão presos? Você “venceu”, contrariou as estatísticas, mas e o restante do pessoal, da molecada, cadê? Sinto que o Fabrício está tentando aprender a lidar com esses questionamentos que afligem todo jovem morador de área periférica marginalizada pelo Estado, com a situação financeira complicada, sendo negado a tudo pela/e na sociedade capitalista. Esse jovem conseguiu quebrar o estigma traçado pelo status quo.

Como o FBC diz: “O Hip Hop salvou minha vida”. Espero e torço que vários outros FBCs possam ser salvos e que consigam quebrar esse “destino”(No sentido de que foi imposto a eles, e não escolhido.) terrível.
Só mais uma coisa: Por esses motivos precisamos de políticas públicas eficientes. Ações afirmativas por parte do Estado e suas instituições, com vontade de realmente está presente em áreas periféricas, na vida das minorias sociais de forma saudável, pacífica, preocupando-se com o futuro dessas pessoas.

Eu tenho um sonho e esse ano ele me deixa rico
Deixar a família bem, emprego pros amigo…”

Por: Tiago Vinicius / Twitter: @TiagoVini_

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