Cultuando a organização: uma nova jornada em busca de identidade

Bruno Oliveira
9 min readNov 5, 2016

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Era uma tarde como todas as outras onde nos perdemos dando scroll downs na timeline dos nossos facebooks, entretanto uma coisa não estava certa, me chamou atenção uma postagem e as hashtags #job, #dream e #nubank (e talvez algum #blessed ou #nofilter só pra não perder o costume). Claramente alguém tinha conseguido um emprego, mas o que eu não estava entendo é porque tamanha felicidade, afinal o nubank é uma empresa que fornece pedaços de plásticos, o que ela teria de tão de especial?

Vendo os comentários, me veio em mente várias das palestras ministradas na minha época de faculdade, várias empresas ofereciam condições de trabalho diferentes das tradicionais, me lembro do Google dizendo que você podia r trabalhar de bermudas, da Chuva dizendo que você podia tomar sorvete e vodka a vontade no trabalho ou da Blue Pex com um boneco do Darth Vader bem na entrada da empresa, entre diversos outros exemplos (veja mais aqui). O que essas empresas ofereciam era uma ideia de pertencimento, de fazer parte de um grupo seleto, com caracteristicas especiais e um senso único de exclusividade, elas oferecem o direto de ser um googler, ou nesse caso, um nubanker.

Sério, quem recusaria um emprego do Darth Vader?

A essa caracteristica única de cada empresa, que cada vez mais é um sonho de consumo dos jovens profissionais, nós podemos chamar de Cultura Organizacional.

Ok, Bruno! Mas cultura para mim é ir no teatro, ouvir Elis Regina, ler os Irmãos Karamazovi, o que diabos isso tem haver com um instrumento capitalista para gerar dinheiro?

Calma, meu jovem padawan, vamos primeiro definir o que vem a ser a Cultura Organizacional. De acordo com o famoso (se não conhece, vale a pena conhecer) psicólogo Edgar Schein: “Cultura Organizacional é o conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna, e que funciona bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas”.

Uhm, mas o que o meu CD do Caetano Veloso tem a ver com isso? Bom, muita coisa, afinal nem só de orações ao tempo se faz uma cultura. O que temos hoje como consciência de cultura é tudo que um dia alguém descobriu, desenvolveu e compartilhou com os demais — como a música — e a partir desse momento influencia diretamente no padrão de vida das pessoas. E nesse sentido, a cultura atua como um instrumento de liderança e poder, já que ela tem a propriedade de direcionar e condicionar a vida das pessoas, formar opiniões e criar ambientes propícios para grandes feitos. A relação entre cultura e poder é algo extremamente importante e a chave para entender o que é realmente relevante para entender cultura organizacional (e será abordado nos próximos tópicos): liderança e comunicação!

“A cultura de uma organização tem consequências poderosas, em especial, quando é fortalecida pela continuidade da liderança e estabilidade dos membros no grupo”

CULTURA É UMA FORMA DE PODER! E com a palavra, o prof. Cortella.

Mais do que ser graduado em Análise em Desenvolvimento de Sistemas, eu sou formado em Movimento Empresa Júnior (MEJ)!!! E nesse grande laboratório, uma das coisas que convivíamos todo dia era essa tal de cultura, esse senso de pertencimento a algo muito maior do que somos capazes de imaginar, tinhamos a sensação de pertencer não apenas a um movimento, mas ao “MOVIMENTO”, e eramos identificados como gigantes pela própria natureza.

Nas minhas aventuras eu conheci o Schein, e ele divide a cultura organizacional em três níveis essenciais e de profundidade crescente:

a) Artefatos, comportamentos e produtos;

b) Normas e valores referentes a hierarquia e códigos de condutas;

c) Concepções básicas, comportamentos e crenças enraizadas nos indíviduos (e geralmente inconscientes);

Quem já leu O Pequeno Príncipe que o essencial é invisível aos olhos

Conversando com amigos, percebo que há três principais modelos de relações de trabalho (principalmente para quem está começando a carreira):

  1. Transitório: emprego sem muito glamour, vale mais pela experiência, contato com o mercado e o nível de aprendizado em curto tempo. É comum em funções de estágio, trainees e cargos em alguma das Big Four, e é extremamente comum que os profissionais saiam após um ou dois anos de empresa (ou até que se definam novas relações de trabalho).
  2. Abraçar uma causa: caracterizado pela entrega de uma missão com resultados atrelados (ex.: abrir um novo mercado, iniciar uma nova unidade de negócio, lançar um novo produto). Começou a se tornar muito comum nos últimos tempos, estimulado pela Guerra de Talentos, como é o caso da Ambev e seus processos seletivos cheios de mantras para o sucesso.
  3. Fazer carreira : caracterizado por uma relação de longo prazo com a empresa (ex.: os funcionários de uma big four que tem a intenção de virar sócios ou perderam o time de sair da empresa, acabam trocando as relações de trabalho). Esse é o modelo mais tradicional utilizado pelas empresas, mas com a chegada dos millenials aos mercados de trabalho, e principalmente aos cargos de liderança, abraçar uma causa ficou cada vez mais comum.
As frases de livros de autoajuda nunca se fizeram tão presentes no mundo dos negócios! However, os líderes das grandes empresas estão cada vez mais engajados em direcionar seus colaboradores para uma cultura organizacional cada vez mais eficiente. “Abraçar uma causa” já é uma grande obsessão!

Ok, ok. Mas e o que o nubank tem haver com isso?

Cores e design marcantes, respeito a cultura jovem e incentivo ao co-working: o Nubank em uma imagem!

Bom, primeiro tem muito haver com seu modelo de negócio e sua ideia de concepção (vide mais aqui), e talvez a melhor palavra que defina a startup é ousadia! E mais do que isso, diferentes de diversos outros bancos que estão se tornando cada vez mais “alegres” nas redes sociais mas continuam o mesmo porre na vida real, o Nubank é um pacote coeso que entrega a mesma mensagem em todo o seu relacionamento com o cliente, é a tão falada EXPERIÊNCIA, seus usuários não se setem apenas mais um. E essa integridade de valores e interação única e humana com cada um de seus clientes, além de possuir um líder bem engajado com os valores organizacionais, é o grande chamariz para atrair novos investimentos!

“Primeiro de tudo, nós conhecemos o fundador, que foi nosso funcionário por dois anos e é uma pessoa muito capaz. Vélez [CEO do Nubank] articulou uma visão muito clara da oportunidade existente no Brasil, apesar de uma indústria financeira concentrada que oferece uma experiência frustrante para aquisição de um cartão de crédito. Nós não vamos investir em negócios pequenos e que quando olhamos no mercado já têm cinco ou seis competidores muito parecidos. Queremos algo diferenciado. Somos parceiros de longo prazo e queremos grandes mercados” — Douglas Leone, eleito pela “Forbes” como um dos “midas” do mercado de venture capital. Principal acionista da Sequoia (Fonte: O Estadão)

E, se o relacionamento com os clientes é cada vez mais reconhecido, o relacionamento com os seus colaboradores (nubankers) é cada vez mais celebrado, e a empresa é uma daquelas que levanta a bandeira do ‘abraçar uma causa’ (sem abusar da escatologia).

Pelo que já vi sobre a cultura organizacional do Nubank, foi possível verificar como os valores não são apenas itens de decoração das políticas e normas, mas sempre traduzidos em práticas que servem de diretriz para o comportamento de todo o corpo organizacional, que atuam de forma tempestiva aos sinais externos. Em outras palavras, o sucesso da cultura organizacional reside na capacidade da empresa em estimular e propiciar um ambiente cada vez mais propício a inovação, isto é, de sempre questionar o status quo.

“Inovar é descomplicar. Transformar o que é simples. Redesenhar o simples. Redefinir o simples. Quando percebemos a cultura que estamos inseridos, somos capazes de romper e sair do estereótipo de empresa e relacionamento. Redefinir padrões” — post de um nubanker no Twitter

Em termos de cultura organizacional, a inovação inicia-se, desenvolve-se, difunde-se e matura sempre através de sua liderança e a capacidade de comunicar os valores, práticas e comportamentos (nos diferentes níveis propostos por Schien) para todo o corpo executivo, gerenciando, dessa maneira, o status quo. O que está mais de certo, e é perceptível em cases como o do Nubank é o quanto a cultura organizacional é capaz de gerar inovação e se tornar uma nova fonte de vantagem competitiva para as corporações.

A CULTURA EM TERMOS DE COMUNICAÇÃO E LIDERANÇA

Segundo a pesquisadora Marlene Marchiori (outra pessoa com ideias que vale bastante a pena conhecer — vide entrevista dela aqui):

Não há complexidade apenas na cultura, mas também na comunicação das organizações. A essência da comunicação organizacional se transmuta e passa a defender a observância daquilo que lhe é peculiar, que a diferencia, ou seja, de sua cultura, abrangendo a perspectiva interpretativa como um movimento natural na evolução das práticas e processos.

Na busca pela eficiência e eficácia das organizações, sempre nos deparamos com a necessidade de ter disciplina na execução. “Saber exatamente o que você quer que os homens façam e garantir que façam da melhor e mais barata forma”, disse Taylor, pai da administração científica, sobre como alcançar a eficiência em uma organização. Desde então, todo nosso entendimento de gestão do dia a dia se remete a esse definição inicial, como a criação de mecanismos de controle cada vez mais sofisticados para garantir que os planos são executados de acordo com o que foi definido. Porém, há uma parte da afirmação que se mostra cada vez menos aplicável no mundo em que vivemos: “saber exatamente o que você quer que os homens façam”.

Partimos do pressuposto de que sou um líder de uma empresa e estou devidamente motivado a me engajar, a entender as relações de trabalho que tenho com meus colaboradores e sei exatamente o que eu quero que eles façam. Qual deve ser o meu próximo passo? A resposta da maioria das pessoas é criar diversos documentos (de preferência bem ilustrados), enfeitar todo o ambiente de trabalho com as técnicas mais ousadas de endomarketing e dar diversos treinamentos sobre as novas “práticas” da empresa. Pode ser que isso dê certo em um primeiro momento, entretanto isso irá exigir um esforço não-orgânico que consumirá bastante tempo das pessoas e pode burocratizar parte da cultura.

Provavelmente iremos encontrar as respostas nas abelhas (ideia do Ryoichi). Afinal, quantas abelhas você conhece que já ficaram horas sentado numa carteira ouvindo as explicações do zangão sobre qual a melhor técnica para se coletar pólen de uma flor? Então como elas conseguem se organizar e produzir alimentos como um mel e manter uma sociedade plenamente harmoniosa? Que tal essas duas ideias:

1. Fabricar mel é algo que está no DNA das abelhas, afinal elas fazem isso por milhões de anos e isso se tornou uma vantagem competitiva em termos de seleção natural;

2. Uma abelha mais nova vê a mais velha e começa a copiar o seu comportamento, e isso é um fenômeno social importante pois permite que as abelhas se integrem melhor ao grupo;

Para Ryoichi, a resposta seria algo assim:

Uma vez que compreendemos que tudo está no social, ou seja, nos padrões de interações entre as pessoas, percebemos que transformar a cultura nada mais é do que transformar comportamentos. A questão é que existe uma maneira interessante de mudar o comportamento de um grupo, que é mudando o de sua liderança.

O grande desafio dos líderes é iniciar o movimento (lembra quando eu falei do MEJ no começo do artigo e aquele sentimento de pertencer a algo maior do que o meu mundo particular), e parte disso começa numa auto-reflexão para descobrir quais são seus propósitos pessoais e aplicá-los a empresa, de forma que seus comportamentos e atitudes sirvam de exemplo para as outras pessoas.

E mais uma vez, a conclusão d texto é a de que devemos mudar e se adaptar!
“Nothing ever stays the same. Once you let it, let it change!”

Artigos que inspiraram esse texto (e ótimas recomendações de leitura):

GUSTAVO AZEVEDO. “Cultura Organizacional”. Neste link

RYOICHI PENNA. “Cultura é a liderança na prática”. Nesse link

e qualquer um dos artigos do PEDRO NASCIMENTO, o cara manja muito dos paranauês de cultura organizacional

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Bruno Oliveira

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.