“Pecado Mortal” é a prova de que qualidade não é quantidade

Bruno Viterbo
4 min readNov 8, 2013

Já são quase 40 capítulos de “Pecado Mortal” e, infelizmente, a Record não tem mais o que fazer. A audiência estagnou-se nos 6 pontos de média (na Grande São Paulo) e geralmente tem perdido até para o SBT com o show de horrores promovido por Ratinho. A novela tem a previsão de durar até meados de 2014, mas a audiência provavelmente não crescerá e, dependendo dos devaneios dos pseudo-diretores da Record, pode ser encurtada. Uma pena. “Pecado Mortal” seguramente — pelo menos as tramas que já vi — é a novela mais incompreendida da TV brasileira. As críticas positivas estão aí para provar isso.

O autor Carlos Lombardi não subestima a inteligência do telespectador. Nem por isso é uma obra complexa. A novela é entretenimento do bom e coloca no chinelo todas — sim, todas — as outras novelas exibidas atualmente na TV pelo conjunto que oferece. O texto é ágil, rápido, por vezes cínico, bom de ouvir e melhor ainda de entender. Os embates entre Stela (Betty Lago) e Donana (Jussara Freire) são épicos. O bicheiro ( um “poderoso chefão” à brasileira) Michelle (Luiz Guilherme) consegue, ao mesmo tempo, aliar comicidade e drama. O casal protagonista tem química e Marco Aurélio/Carlão (Fernando Pavão) cumpre a “jornada do herói”: o filho que fugiu do pai bicheiro, casou-se com uma promotora e, por causa do sequestro dos filhos, tem que apelar aos métodos nada convencionais do pai. O segredo que escondeu da esposa por anos é revelado e a partir daí, novas tramas se desenrolam. Patrícia (Simone Spoladore) é a esposa doce e firme na medida, formando um casal completamente oposto ao que temos hoje na TV. Enfim, “Pecado Mortal” é o fino da teledramaturgia atualmente.

Michelle Veneto (Luiz Guilherme): o “poderoso chefão” do jogo do bicho nos morros cariocas é o nosso Don Corleone

A produção peca por um excesso nas trilhas incidentais, dando um tom extremamente dramático quando por vezes o silêncio seria ideal. O áudio também é outro problema. A grade de programação da Record não ajuda e, para piorar, a Globo tem esticado “Amor à Vida”. No mais, “Pecado Mortal” é uma ótima produção, com um elenco afiado,uma boa reconstituição dos anos 1970 e as questões técnicas por vezes passam batidas pelo telespectador comum. Mas o grande destaque é a trama. Quem, por ventura, começar a assistir agora, já perdeu cenas e diálogos incríveis. É a melhor novela de Carlos Lombardi depois de 30 anos na Globo.

Muito se vê pessoas reclamando que a Rede Globo não traz novidade à suas tramas, que são novelas “mais do mesmo”. Algumas exceções, como “Avenida Brasil”, são aclamadas pelo fator novidade. Hoje a Globo tem duas “novidades”: a trama das seis, “Joia Rara”, que tem qualidades de produção pouco vistas antes na TV (falei sobre aqui) e a das sete “Além do Horizonte”, que aposta numa trama mais fantasiosa (leia texto aqui). As duas, claro, não embalaram e estão abaixo das metas de audiência.

Tratamento de choque: gritaria, tapas e apelação num texto pobre: é assim que Walcyr Carrasco trabalha. E o povo compra.

Mas, ao mesmo tempo que há reclamação, os telespectadores não “largam o osso”. Osso duro de roer que se chama “Amor à Vida”. Walcyr Carrasco tem um texto pobre, risível, entretenimento baixo, uma caricatura da realidade quando uma novela, na minha opinião, deve ser uma alegoria da realidade (isso é tema de outro texto). É comum ver, todos os dias, os telespectadores reclamando das situações bizarras da novela. Eu desisti a tempo. Mas os telespectadores não largam o osso.

Quando oferecidos a assistir “Pecado Mortal”, o preconceito jorra. Afinal, “novela da Record não presta” e “não tem a qualidade da Globo”. Admito: eu pensava assim. Mas é uma besteira que mostra o quanto o telespectador brasileiro é limitado, conservador e preconceituoso.

E ainda reclama da Globo. Mas não larga o osso. Reclama que falta novidade, mas quando ela chega, rejeita e ainda critica.

Insisto: como já dizia Silvio Santos, “quando terminar a novela da Globo, troque de canal e veja ‘Pecado Mortal’”.

Vocês não vão se arrepender.

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Bruno Viterbo

Redator, às vezes fotógrafo (como na foto ao lado) e às vezes jornalista. Mas sempre encontrando tempo para assistir alguma coisa (boa) na TV.